voz das mulheres na literatura brasileira

Por muito tempo, e de forma estrutural, as literaturas escritas por mulheres têm sido silenciadas pelas instituições de veiculação discursiva, tais como as Academias de Letras, as escolas, as universidades, as editoras, entre outras.

Sendo assim, este artigo parte da contestação ao cânone literário brasileiro que exclui literaturas produzidas por mulheres da Historiografia da Literatura Brasileira. Além disso, sugerimos potencialidades na leitura da literatura de mulheres.

Academia Brasileira de Letras (ABL): História, ocupações e cadeiras

Para começar nossa conversa, pensemos na ocupação das cadeiras na Academia Brasileira de Letras (ABL). Segundo o site da ABL, há 40 membros brasileiros natos, além de 20 correspondentes estrangeiros, totalizando 60 membros.

Desde sua fundação em 1897, cujo primeiro presidente foi Machado de Assis, há apenas 08 mulheres que ocuparam ou ocupam o espaço: todas brancas, da elite, e apenas uma escritora natural do Nordeste – Raquel de Queiroz (1910-2003) –, escritora cearense que foi a primeira mulher a ocupar espaço na ABL, a Cadeira 5, em 1977. 

Além das exclusões por gênero, por classe e por regionalidade, há a exclusão por raça. Perdemos a oportunidade de ter a primeira mulher negra – a escritora mineira Conceição Evaristo – a ocupar a cadeira dos imortais, em 2018; ela perdeu para Carlos Diegues (cineasta) que se tornou o membro atual da Cadeira 7.

Cânone literário – Por que ler mulheres?

Diante do acima exposto, tratar de vozes que transitam à margem do cânone literário é um trabalho que impõe a qualquer pesquisador(a)/professor(a) uma atitude política diante da sociedade e de seus padrões.

Desta feita, perguntamo-nos: quais mulheres escritoras contemporâneas resistem pela escrita? Por que ler mulheres? Percebemos que o cânone literário brasileiro presta pouca ou nenhuma atenção à escrita de mulheres contemporâneas brasileiras, justamente pelo fato deste prestigiar a escrita de homens brancos, heteronormativos e de regiões geopoliticamente beneficiadas historicamente. 

Segundo Kothe (1997), em seu livro O Cânone Colonial, o cânone literário está regimentado em profundas estruturas coloniais que estabelecem bases ideológicas e de poder que sustentam as seleções do que é considerado literatura e do que se deve ler em instituições como as escolas.

Portanto, o autor sugere uma valorização de autorias historicamente silenciadas no campo literário, avalia o poder simbólico no apagamento de vozes não hegemônicas na literatura e propõe leituras de textos esquecidos e fraturados da historiografia literária brasileira, como as vozes das mulheres.

Diante do exposto, indagamos novamente: por que ler mulheres? Gostaria de citar, entre algumas razões, o argumento da representatividade. Imaginemos a potência de termos, nós mulheres, representatividades em campos de poder, como heroínas, deusas, políticas, profissionais nas diversas áreas, através dos discursos fundantes da sociedade, como os mitos, a literatura, os monumentos, entre outros?

A questão não é excluir outros corpos, é incluir corpos e vozes de mulheres em diversos espaços discursivos. Focamos em mulheres, mas entendemos a importância da inclusão das diversidades humanas nesses espaços pelos mesmos motivos que apontamos aqui. 

A legitimação da leitura da escrita da mulher

Além do quesito empoderamento, as representatividades também fortalecem a existência de sujeitos não hegemônicos, estes excluídos pelo sistema patriarcal, racista, classista e escravocrata.

Como exemplo, trazemos uma inquietação: e se mulheres se representassem na ficção, através de personagens femininos? Não haveria outras narrativas, para além daquelas que têm o principal propósito da manutenção do sistema patriarcal? Como aquelas personagens femininas narradas por homens que representam o lugar da mulher sempre submissa, dona de casa, esposa e mãe? 

Suponho que chegamos a um ponto crucial: as representações que reproduzem e sustentam o sistema hegemônico que silencia corpos destinados à servidão e sublevam um corpo que deve estar no comando. Fato é que este sistema tem o objetivo de ser conservado e perpetuado por gerações.

Desta feita, faz-se necessário o apagamento dos corpos servis. É neste momento que argumentamos o propósito do estabelecimento e da manutenção do poder regimentado pelo cânone literário. E, por esta razão, é imprescindível que se legitime o lugar da leitura de escritas das mulheres, como mecanismo de contestação.

Citamos o lugar de representatividade, como a importância de se ler mulheres, por vias do empoderamento e da resistência contra hegemônica. Somado a isto, trazemos o lugar da contestação da literatura de mulheres brasileiras.

Dalcastagnè (2012), em seu livro Literatura Brasileira Contemporânea: um Território Contestado, apresenta análises de narrativas brasileiras produzidas nas últimas décadas e questiona os diferentes interesses políticos, que excluem literaturas produzidas pelas ditas “minorias”. A estudiosa ainda evidencia a luta de identidades contra hegemônicas pela legitimidade de vozes literárias excluídas, como a das mulheres. 

Leia Mulheres

Diante do exposto, intencionamos apresentar algumas escritoras brasileiras contemporâneas, com foco nas nordestinas, como proposta de valorização de leituras em espaços sociais, como as escolas. Voltando ao questionamento por que ler mulheres?, segundo Maria Rita Kehl (2017)

 “[…] ler mais mulheres me deu ferramentas e apoio para construir um lugar e uma voz própria dentro de uma sociedade que historicamente dá às mulheres uma faixa muito estreita de possibilidades”. Sendo assim, trazemos algumas possibilidades para leituras de escritas das mulheres.

Para o espaço mais amplo, junto à sociedade civil, desde 2014, surgiu o projeto #readwomen2014, nos EUA. Este inspirou o Leia Mulheres, desde março de 2015, em São Paulo. O projeto já existe em vários estados brasileiros, e tem o objetivo de reunir mulheres para leituras de escritas das mulheres, de várias épocas e de várias identidades e países.

Essa iniciativa promove encontros mensais e debates nessas escritas, abordando diversos temas. Para tanto, sugerimos o perfil no Instagram (@_leiamulheres).

Gostaríamos de ressaltar a relevância de espaços como este que, além de dialogar com ferramentas mais atualizadas de comunicação, promove o letramento social aliado a uma reparação histórica de exclusão de mulheres em espaços de poder, como o da literatura.

Núcleo de Pesquisa em Literaturas Escritas por Mulheres (NUPELEM)

Além disso, há vários grupos de pesquisas nas universidades com vistas aos estudos críticos literários em obras de mulheres, enaltecendo essas escritas, assim como projetos de pesquisa e de extensão para a promoção de leituras em escolas.

Dentre esses espaços acadêmicos, destacamos o Núcleo de Pesquisa em Literaturas Escritas por Mulheres (NUPELEM/UFAPE-CNPq) que vem desenvolvendo diversas atividades neste campo. 

Literaturas Contemporâneas de Mulheres Nordestinas: Identidade e política cultural

No projeto de pesquisa Literaturas Contemporâneas de Mulheres Nordestinas: identidade e política cultural (PIBIC-PIC–CNPq/UFAPE 2020-2022) é feito um levantamento de textos de escritoras nordestinas contemporâneas com fins de leituras em grupos de estudos para crítica literária e debates com discentes de graduação do Curso de Licenciatura em Letras (UFAPE), como potencialidades da exploração desses textos na sala de aula do ensino básico, uma vez que são discentes em formação docente. 

Através dessa pesquisa em andamento, reconhecemos, lemos e construímos crítica literária em algumas escritoras de cinco estados nordestinos, a saber:

  1. Luciany Aparecida (BA),
  2. Micheliny Verunschk (PE),
  3. Marize Castro (RN),
  4. Tici Pontes (CE),
  5. Débora Gil Pantaleão (PB), entre outras.

Através de estudos literários nessas escritoras, encontramos um (re)mapeamento de brasilidades, seja na história não contada de povos originários brasileiros, em O Som do Rugido da Onça (VERUNSCHK, 2021), ou seja na extirpação de corpos pretos encarcerados em Florim (APARECIDA/DUCASO, 2020).

Somado a isso, percebemos uma ficção de narrativa de multivocalidade, por meio do tempo da memória em Uma das Coisas (PANTALEÃO, 2020), a palavra-mulher poética e empoderada em A Mesma Fome (CASTRO, 2016) ou o romance policial contemporâneo em Entre a Justiça e a Obsessão (PONTES, 2018).

Como docentes, devemos nos perguntar: além da visibilidade, em que a leitura das literaturas de mulheres pode contribuir para os processos de ensino/aprendizagem?

Entre vários, citamos a BNCC – Linguagens/Língua Portuguesa/Ensino Fundamental –, no campo artístico-literário, que tem como relevância: “reconhecer e compreender modos distintos de ser e estar no mundo e, pelo reconhecimento do que é diverso, compreender a si mesmo e desenvolver uma atitude de respeito e valorização do que é diferente” (BRASIL, 2017, p. 139). Que possamos ser nós, docentes, agentes de educação de qualidade e de promoção de equidade social.

Leia mais

ANDRADE, Geysiane Aparecida de. As Novas Vozes da Literatura Brasileira Contemporânea. In: Opiniães, (13), 298-314. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/opiniaes/article/view/149359>.

BRAVO, Taís. Por que é importante ler mulheres? – Uma reflexão a partir de Deslocamentos do feminino, livro de Maria Rita Kehl. Medium. 6 fev. 2017. Disponível em: <https://medium.com/fale-com-elas-e-sobre-elas/por-que-%C3%A9-importante-ler-mulheres-abbe01462783>. Acesso em: 6 ago. 21.

DALCASTAGNÈ, Regina. Literatura Brasileira Contemporânea: um território contestado. Vinhedo: Editora Belo Horizonte / Rio de Janeiro: Editora da UERJ, 2012.

Monaliza Rios 

Professora de literatura no Curso de Licenciatura em Letras da Universidade Federal do Agreste de Pernambuco (UFAPE). Doutora em Literatura e Cultura pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e líder do Núcleo de Pesquisa em Literaturas Escritas por Mulheres (NUPELEM/UFAPE-CNPq).

Acompanhe:

  • NUPELEM.UFAPE – Literaturas de Mulheres (perfil no Instagram)
  • NUPECAST: Programa Rede de Mulheres. (podcast no Spotify).