orientar trabalho científico modalidades distintas

Orientar trabalho científico. Esta conversa que se inicia e que demanda outros desdobramentos mais interativos, permeados pelas trocas colaborativas entre docentes, é sobre as aprendizagens conquistadas desde 2007, na minha imersão no campo de orientação de trabalhos de conclusão de curso (TCC), tanto na modalidade presencial, quanto na modalidade da Educação a distância (EaD), na graduação e pós-graduação.

Em seguida, precisei aprofundar o conhecimento sobre os processos de orientação, porque assumi a coordenação de outros orientadores de TCC, na modalidade EaD. Tal estudo me mobilizou para realizar a pesquisa de doutorado (MELO, 2019) com essa problematização, mas sempre mais voltada para a EaD.

Eis que os resultados da minha pesquisa apontaram para a importância de se iniciar o letramento científico, ainda na Educação Básica, que é oferecida majoritariamente na modalidade presencial. Desta forma, os resultados da minha pesquisa vêm potencializando novas problematizações e novos saberes, que venho compartilhar com vocês. 

Projeto Integrador para Licenciatura III – Costurando – Semana

Como orientar um trabalho científicos? As modalidades diversas alteram a intervenção docente para essa orientação? 

Há algumas distinções entre as modalidades quanto ao tom, à abordagem, à riqueza de detalhes para melhor comunicar, mas há pontos de convergência. Vamos a alguns deles:

Intervenções docentes comuns às duas modalidades:

A importância dos encontros “quebra-gelo”

Os encontros presenciais ou os primeiros encontros síncronos de EaD (videochamada, chat, etc.) podem atender a função de “quebra-gelo”, tão necessária para o(a) estudante se expor e sentir segurança em expressar suas ideias e mesmo as suas fragilidades (metodológicas, de escrita, de desejo de “salvar o mundo”, ao deixar explícito que deseja contemplar todos os problemas e possibilidades de dado campo ou fenômeno, em um único trabalho científico).

É a hora de conversar informalmente e compreender a motivação do(a) estudante com aquele tema, para ajudá-lo(a) a apurar o real, o(a) refinando em direção ao possível e deixar mais claro o que realmente pretende. Este momento pode ter duração de dois encontros, pelo menos.

No caso de o trabalho ser em grupo, pode haver necessidade de mais encontros, pois nem sempre há entendimento mútuo, principalmente quando o agrupamento não for espontâneo, mas pela instituição ou por você, professor(a).

Reflexões para disparar as questões de partida do trabalho científico

Esta sugestão de intervenção possui inspiração na contribuição de Santaella et al (2015). Quando o trabalho científico for realizado em grupo e não houver ainda autonomia suficiente (ou entendimento mútuo) para a organização interna e distribuição dos papéis, você pode, junto ao grupo, elaborar algumas reflexões para disparar as questões de partida, que instigam o grupo a fazer uma pesquisa.

“No desenvolvimento, sua mediação deve ser mais problematizadora que conclusiva. Ao final, sua mediação deve prever uma síntese conceitual que convide os participantes às próximas discussões.” (SANTAELLA et al, 2015, p. 263).

Nas duas modalidades, é fundamental que se constitua uma relação afetiva entre estudantes e professor(a).

Trata-se de deixar evidente o “querer bem” (FREIRE, 1999), que pode conciliar alguns “puxões de orelha afetivos”, orientação desafiadora para o(a) estudante superar algum tipo de estagnação momentânea, com respeito, consideração e apreciação ao trabalho construído até aquele momento.

O “querer bem” não é ser bonzinho(a), já dizia Freire (1999), mas desejar e apoiar a emancipação do aluno(a), a sua superação, que pode passar inclusive por esses “puxões de orelha” associados ao acolhimento e à orientação.

Se a relação afetiva já estiver consolidada e a comunicação estiver muito próxima entre estudante e professor(a), a recepção será positiva. 

Importante chamar a atenção para questões que não estão no escopo da “estagnação momentânea”. Como, por exemplo, situações mais desafiadoras e difíceis, como o luto, a doença, a perda de emprego e alguma instabilidade emocional que funda bloqueios mais intensos e complexos.

Neste caso, a afetividade se volta para o apoio e não para o desafio. Quando houver a estabilidade, o(a) professor(a) deve avaliar a melhor forma de acessar o(a) estudante para retomada do trabalho científico. Empatia é a base do afeto, sempre!

Respeite a visão de mundo estudante

Considere e respeite a leitura de mundo do(a) estudante, incluídos aí, os regionalismos na linguagem e crenças que emergem de dada região ou cultura. Isso não quer dizer deter-se a esta realidade, mas mostrar interesse por dada abordagem, e buscar compreendê-la profundamente.

Após a inteligibilidade se constituir, enquanto par mais capaz (VYGOTSKY, 2003), com humildade, e dialogar para superação de algum erro conceitual ou conclusões superficiais ou precipitadas, ou ainda, outro equívoco que ancore algum preconceito ou exclusão. É desta forma que se viabiliza o diálogo democrático que desperta a curiosidade investigativa do(a) estudante: pelo exemplo!

Reconhecer-se como autoridade, mas com ética e honestidade para estimular, no(a) estudante, a sua autoria e liberdade com responsabilidade. O estímulo à autonomia e à liberdade do(a) estudante não é contraditório com o exercício da autoridade democrática.

O que não pode ocorrer em nome da liberdade e autonomia é a omissão docente, licenciosidade e ausência no acompanhamento da aprendizagem e desenvolvimento do(a) estudante.

Assim, comprometer-se com a autonomia discente, estimulando a sua curiosidade, apoiando o(a) estudante na compreensão dos conceitos científicos, sem se ater apenas ao esclarecimento conceitual ou à transferência de informação.

Para Freire (1999, p. 135), “ensinar não é transferir a inteligência do objeto ao educando, mas instigá-lo no sentido de que, como sujeito cognoscente, se torne capaz de inteligir e comunicar o inteligido”.

Reconhecer que a apropriação dos saberes não está dada, é construída gradativamente durante a interação professor(a)-estudante. A autonomia substitui a dependência na díade que vai se desenhando entre liberdade e responsabilidade. E acredite: é um exercício com idas e vindas, seja insistente!

Promover o diálogo com disponibilidade é assumir-se como conhecedor de dados conceitos e campo científico, ao mesmo tempo em que se assume como sujeito em construção em relação a outros. A prática de pesquisa e estudo, inerentes à docência, é essencial na educação pelo exemplo (FREIRE, 1999). 

Estar em constante formação e reconhecer abertamente a sua incompletude, sem se acomodar a essa, é investir na consciência crítica, de quem possui e estimula a curiosidade investigativa. Também estejamos abertos à revisão de posicionamento, mas com a disponibilidade para explicar como se deu este percurso de revisão, quais leituras e reflexões o levaram a tal reconsideração. 

É por meio desta abertura ao mundo, às diferenças, à divergência de posicionamento, que se garante a segurança para o(a) estudante aprender a se colocar, se expressar, sem o medo de críticas ou correção autoritária.

Intervenções docentes específicas da modalidade EaD 

Esteja sempre presente no espaço designado para orientação virtual

O ideal é não demorar 48 horas para conferir as dúvidas. Nesta presença, esteja disponível para atuar de forma proativa na interface de interação com os(as) estudantes. Presença intensa, constante e de qualidade oferece segurança para o(a) estudante que está “lapidando”, em outro espaço e tempo, o seu trabalho científico.

E esta segurança e confiança fundam a afetividade que garantirá maior e melhor comunicação virtual, aquela que impulsiona o(a) estudante a fazer escolhas com cada vez mais autonomia. Com o tempo, o(a) estudante vai conhecendo o perfil do(a) professor(a) e até já antecipará algumas orientações que ele faria, incorporando ao seu trabalho essa “proximidade” construída na comunicação virtual fecunda.

Crie espaços e interfaces para trabalhos científicos em colaboração

Se o trabalho for em grupo, esta iniciativa é condutora da orientação. Mas se for individual, é possível criar fóruns de discussão para que um(a) estudante apresente o seu trabalho para os demais, com o apoio da organização previamente designada pelo(a) professor(a): um(a) estudante apresenta o seu rascunho para outros(as), como uma forma de seminário científico virtual.

Esta atividade também pode ser síncrona, mas sendo assíncrona haverá mais tempo para o(a) estudante que apresenta, justificar ou rever suas escolhas e os(as) alunos(as) que realizam as apreciações, fazerem suas indicações e, no caso de perguntas, receberem respostas mais elaboradas, pois o(a) apresentador(a) teve algum tempo de se organizar e refletir melhor sobre o questionamento. Esta prática auxilia a formação de todos os envolvidos que estão elaborando os seus trabalhos científicos.

Produza tutoriais e indique softwares que auxiliam na organização das referências ou detectam plágio

A cultura acadêmica não é óbvia e precisa de orientação paciente. Se necessário, algumas oficinas virtuais síncronas, com a simulação das pesquisas em repositórios virtuais, demonstrando como refinar a busca e usar sites de pesquisa adequados, vão auxiliar os(as) estudantes na coleta mais precisa do que o trabalho requer.

Construa feedbacks com riqueza de detalhes

Construa feedbacks com riqueza de detalhes suficientes para o(a) estudante compreender suas indicações, em qualquer lugar que esteja acessando e em qualquer momento. Como os feedbacks na EaD quase sempre acontece de forma assíncrona, por e-mail, pelo fórum ou por uma interface onde só o(a) estudante e o(a) professor(a) teriam acesso, esse cuidado é fundamental. 

Cuide para as orientações não criarem um espaço de inibição. Tal inibição pode ser fundada no excesso de zelo do(a) professor(a), que ainda não reconhece que as orientações por meio da escrita precisam de maior leveza, do que as que seriam proferidas no presencial.

O formato assíncrono, quando não está ancorado na leveza e afetividade e quando professor(a) e estudante não se conhecem pessoalmente anteriormente, demanda maior dedicação com as orientações via escrita, pois a recepção pode não estar predisposta para abertura em dado momento. 

Quando isso ocorre, é possível que se permita a criação de ruídos que irão demandar ainda mais energia para serem superados. Repetindo: presença intensa, linguagem leve e orientação ancorada na afetividade evitam ruídos ou mal entendidos e constroem contato psicológico (VYGOTSKY, 1998) que fazem a comunicação fluir com mais naturalidade. 

Intervenções docentes para modalidades híbridas

Na modalidade híbrida, que seria a combinação da EaD com o presencial, ou mesmo alguma conciliação do que aprendemos com o ensino remoto com as modalidades aqui apresentadas, o(a) professor(a) pode realizar as suas escolhas de práticas condizentes com a turma e a infraestrutura que possui. 

Acredito que a orientação que adota a modalidade híbrida viabiliza o potencial de pelo menos duas modalidades, sendo assim, podemos usufruir de espaços e tempos diversos para orientar nossas turmas na realização do trabalho científico, em qualquer segmento de ensino.

Concluo nossa conversa com uma última sugestão para a modalidade híbrida, que também pode ser ajustada apenas para a EaD ou para o presencial. Vejamos a seguir:

Apresentação entre pares do trabalho científico

Cada estudante deve apresentar a sua pesquisa, enquanto os demais colegas registram em uma folha, por escrito, uma frase proferida pelo apresentador(a) que mais tenha lhe marcado, justificando a escolha.

Tais frases e justificativas devem ser devolvidas para o(a) apresentador(a), desta forma todos dedicarão atenção profunda ao trabalho científico dos(as) colegas e ainda receberão feedback do que enfatizaram na sua comunicação, bem como saberão quais os pontos precisam ser aperfeiçoados e quais aqueles que podem ser mantidos porque estão claros para os demais ouvintes.

Falar para o outro ouvir, apreciar e compreender o sentido que está comunicando… De forma concomitante, a turma acessa todos os trabalhos, aprendendo a comunicar a sua justificativa para o(a) apresentador(a), externalizando como dado ponto afetou, vinculando-se de alguma forma com outros trabalhos, outros campos, outras linguagens.

É uma atividade que precisa de mediação docente intencional, estimulando a colaboração, a abertura à avaliação (que aqui é entendida como uma forma de receber recomendações e apreciações sobre a sua autoria), ao mesmo tempo que se estimula a comunicação oral (no caso de uma videochamada).

Ao adotar o feedback escrito, ocorrerá a preocupação em comunicar para ser entendido em outro momento, fazendo o uso social da leitura e escrita voltado aos seus pares, mas com a supervisão atenta do professor.

Conclusão

Assim me despeço de vocês, meus colegas inquietos e comprometidos com a Educação efetivamente emancipadora. As sugestões que compartilhei foram vivenciadas por diversos profissionais em cursos formais da rede pública. Há limites a serem considerados de acordo com cada realidade, assim como há possibilidades em todas elas.

Lutemos pela superação dos limites, sem deixar escapar quaisquer possibilidades de instigar nossos alunos(as) a ousarem na autoria e divulgação dos saberes construídos coletivamente!  Espero vocês para a próxima conversa! Até lá!

Referências:

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

MELO, Keite S. A tríade relacional aluno-tutor-orientador e a constituição da autonomia e da autoria na produção do trabalho final de curso na modalidade EaD. Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Educação, 2019.

SANTAELLA, Lucia et al. Educação online: a contribuição do desenho didático. In: SILVA, Marco (org.). Formação de professores para docência online: uma experiência de pesquisa online com programas de pós-graduação. Santo Tirso: Whitebooks, 2015.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

_____________. Pensamento e linguagem. 2. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

Keite Silva de Melo

Doutora em Educação pela PUC-Rio e professora do Ensino do curso de Pedagogia e da especialização em Gestão Educacional Integrada no Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ/FAETEC), além de ser pesquisadora do grupo de Pesquisa Identidades e Saberes Docentes (GPIDOC/ISERJ/CNPq). Também é professora na rede municipal da SME de Duque de Caxias/RJ, onde atua com a formação de professores pelo Centro de Pesquisa e Formação Continuada Paulo Freire (CPFPF/SME-DC). Em 2019 foi agraciada com o Prêmio Paulo Freire, na categoria: Experiência Pedagógica no Ensino à Distância, pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.