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Vamos iniciar partindo da ideia de que trabalhar “democracia”, na escola, não se trata de simulação de eleições para candidatos fictícios. A democracia deve vivenciar e ser objeto de estudo sempre, e não há exercício de cidadania em um ambiente não democrático.

Não é incomum professores e professoras não mais se mostrarem envolvidos quando a conversa é democracia e cidadania na escola, quem sabe, por acreditarem serem temas e conceitos garantidos e já muito discutidos. Ou por não perceberem que muitos dos trabalhos já realizados na escola vislumbram a construção democrática e a formação de estudantes cidadãos.

Mas, precisamos ter sempre a clareza que a democracia está em constante construção, que é um conceito com data e que precisa ser cuidado e sua importância valorizada; o conceito de cidadania, tal qual a democracia, é também um conceito datado e precisa pensar e repensar sempre. São conceitos em constante relação, uma vez que, como salientamos, não há democracia sem o exercício da cidadania. 

Quando afirmamos que democracia e cidadania são conceitos datados, estamos dizendo que a democracia ateniense, na Antiguidade, não nos serve atualmente, por exemplo. E que o conceito de cidadão desse mesmo período, ou mesmo de outro período histórico, também pode não nos servir. 

Por volta de 500 a.C., um legislador ateniense fez reformas políticas para que todos os cidadãos se envolvessem em questões administrativas. Atenas tinha por volta de 400 mil habitantes. Mas… Atenas tinha, aproximadamente, 200 mil pessoas escravizadas e não eram consideradas cidadãs; 100 mil estrangeiros que também não eram considerados como tal e 60 mil mulheres e crianças que não possuíam nenhum direito político. 

Que democracia é essa?

Hoje, há um relativo consenso de que a democracia é a inclusão de todos os cidadãos e cidadãs em decisões políticas e na garantia de direitos sociais, políticos e econômicos plenamente. Portanto, precisamos estar atentos, constantemente, à maneira como esse princípio de “lugar democrático” vai sendo construído – e isso pode começar em sala de aula!

Como deve ser a democracia em sala de aula?

É preciso entender uma sala de aula como um espaço onde:

  • todos tenham voz; 
  • há respeito às diferenças; 
  • professor(a) ouvem os(as) estudantes e procuram fazer com que se ouçam; 
  • a diversidade de opinião é mote para o debate;
  • a colaboração está no lugar da competição;
  • compartilhar saberes e materiais;
  • a todos e todas é garantido o direito de aprender; 
  • todos se levam a se responsabilizar pela manutenção e pela preservação do ambiente de convivência.

São desafios que precisamos enfrentar para a construção de uma sala de aula que busca a vivência democrática, são aspectos do nosso cotidiano.

Democracia, inclusão e representatividade na escola

Vivemos em uma sociedade em que a representatividade é fundamental em muitas instâncias. Ser representado e representar são situações que podemos vivenciar na sala de aula ou em toda a escola. 

Diante de uma questão a ser resolvida dentro da sala, como lixo no chão e carteiras rabiscadas, não cabe mais um professor(a) que determine regras para a solução do problema. Em um ambiente em que se busca viver a democracia, nos cabe levantar o problema e desafiar o grupo a encontrar soluções e responsabilizar a todos e todas pelo problema seja ele qual for.

A eleição de representantes para pensar e aplicar soluções pode ser um exercício simples e muito importante para a vivência do representado e do representante. Ressaltando que os dois papéis são igualmente importantes.

Mas essa importância só será real se o(a) professor(a) tiverem a consciência de que estão trabalhando ideias da democracia representativa e o exercício da cidadania nessas ações que chamamos de cotidianas, mas que não são, por causa disso, pouco importantes. 

Saber que essa compreensão terá alguma repercussão quando seus estudantes elegerem um representante político e como se portarão como representados enquanto eleitores dará um outro significado a essas ações tidas como corriqueiras. 

Qual a finalidade e importância de uma assembleia escolar?

Essa é uma prática que, infelizmente, tem sido muito utilizada para resolver apenas questões disciplinares ou que nomeia qualquer tipo de conversa em sala de aula.  Mas o trabalho com as assembleias é muito mais que isso. 

Provê-las em sala de aula, periodicamente, é uma vivência democrática e é um exercício de cidadania. Todos os seus detalhes precisam de intencionalidade educacional, como: 

  • forma de organização das carteiras;
  • elaboração de pautas coletivas;
  • distribuição de papéis e funções;
  • elaboração de regras de funcionamento;
  • e tudo mais que favoreça o debate e as deliberações do grupo. 

É viver as decisões democraticamente, responsabilizar-se por tudo e todos e ter a consciência de que o problema de um é um problema do grupo.

Aprender a relatar problemas, a ouvir a todos(as), a acatar soluções mesmo que não tenha sido as que você sugeriu, tudo isso é um desafio e merece nosso investimento por ser parte da formação do estudante cidadão. 

Achados e perdidos: qual a relação com democracia e cidadania?

Qual é a sala de aula que não tem uma caixinha onde ficam objetos escolares perdidos? Sua existência está naturalizada, mas vamos pensar sobre isso? 

Em uma democracia, todos os seus cidadãos e cidadãs devem estar comprometidos com as causas que promovam o bem-estar da sociedade e uma delas, que é muito importante, é a questão do meio ambiente. 

Mas qual a relação entre caixinha de achados e perdidos, meio ambiente, democracia e cidadania? 

Muito simples! A questão do desperdício e do consumo.

Consumo consciente e responsável na escola

Em primeiro lugar, é preciso garantir no grupo o hábito de buscar o dono do que foi achado. Uma borracha perdida não é apenas um problema de quem perdeu, mas é responsabilidade de todos(as). 

Em segundo lugar, trata-se de promover um trabalho de reflexão sobre essa caixinha e seu conteúdo. Esse trabalho pode partir de questionamentos do tipo:

  • Quantos litros de água são gastos para a produção de uma folha de papel?
  • Quantos litros de água são usados para a produção dos nossos uniformes?  
  • Qual é o preço total de tudo o que está na caixinha?
  • De onde vem o dinheiro para a compra do nosso material escolar?

O exercício da cidadania não é “apenas” a garantia de direitos, mas é também a formação de estudantes que reflitam sobre o seu entorno, que se comprometam com seus pares e com a construção de uma sociedade democrática. Isso precisa começar na sala de aula com feitos, aparentemente, simples, mas de uma importância sem tamanho. 

Vamos pensar no trabalho com os princípios democráticos e o exercício da cidadania em nosso cotidiano, vamos tornar essas ideias parte da cultura das nossas salas de aula.  

Mariângela Bueno

Graduada em História e Pedagogia, trabalha com formação de professores e professoras em redes privadas e públicas na área das Ciências Humanas e Sociais. Nessa área, é selecionadora do Prêmio Educador Nota 10 desde 2018.

Para saber mais:

PRADO, Ricardo. Assembleias de classe e assembleias docentes: como fazer. Revista Nova Escola. Disponível em:
https://novaescola.org.br/conteudo/18750/assembleias-de-classe-e-assembleias-docentes-como-fazer. Acesso em: 27 nov. 21.

GALLO, Sílvio (Coord.). Ética e Cidadania: Caminhos da filosofia: elementos para o ensino de filosofia. Campinas, SP: Papirus, 1997. 

ROSENFIEL, Denis Lerrer. O que é democracia. São Paulo