Você está em casa agora, provavelmente, com um smartphone ao seu lado. Ou, na verdade, na sua mão. Ele já é quase parte do seu corpo, não é mesmo? Quando o esquecemos, voltamos para buscá-lo, mesmo com pressa. Essa crescente necessidade de preencher espaços vazios, seja com um joguinho, atualizando o feed da rede social ou enviando mensagens, reflete a profunda imersão na tecnologia digital que vivemos diariamente.
Então, precisamos refletir: a presença do smartphone realmente atrapalha nossa concentração? Impede-nos de aprender algo novo? Afeta nossas relações sociais? Essa discussão sobre a transição do mundo analógico para o digital é crucial. Se nós, educadores, já temos essa dependência, imaginemos o cérebro de quem já nasceu imerso em notificações e conteúdos digitais. Para aprofundar, sugerimos retomar nosso artigo anterior: “Mundo digital: dificuldade de concentração”.
Atentos a essa mudança no dia a dia de alunos e alunas no mundo inteiro, escolas e entes administrativos discutem estratégias para combater a desconcentração digital, que tem afetado milhões, especialmente em ambientes escolares, impedindo a atenção a novas aprendizagens formais que exigem maior concentração. Isso nos leva à questão central: a desdigitalização das escolas é o caminho? Por ser um debate recente, as pesquisas acadêmicas ainda são limitadas, por isso analisaremos reportagens nacionais e internacionais sobre o tema.
As Múltiplas Funções e a Perda de Foco: A Tecnologia e o Cotidiano
Por um tempo me orgulhei de, num só compasso, brincar com as minhas filhas, preparar o almoço, responder mensagens inumeráveis, pensar o livro que eu escreveria mais tarde. Depois descobri que aquilo não era brincar, que o feijão ficava ralo, que o livro apenas se adiava. E me bateu uma inconfessável saudade do tempo em que eu era distraído, isto é, concentrado, do tempo em que eu sabia pensar… (Fuks, 2023)
A reflexão de Julian Fuks aborda a superficialidade de nosso cotidiano. O smartphone, esse ‘faz tudo’ que nos auxilia da lista de compras ao projeto complexo, permite gravar áudios, falar com amigos, reservar mesas, solicitar carros de aplicativo. Fazemos inúmeras tarefas, mas será que realmente vivemos o ‘mundo real’ ou estamos nos tornando menos eficazes e mais superficiais? Essa dependência tecnológica é um ponto crucial para professores e educadores.
Não ofereço respostas, apenas uma reflexão. Você, educador, consegue focar e realizar uma tarefa sem ser interrompido pelo smartphone? Desligá-lo ou colocá-lo no modo avião é suficiente, ou sua mente ainda fervilha com notificações perdidas nesse intervalo “desdigitalizado”?
É com esse contexto que a Educação precisa lidar, especialmente com os jovens alunos da Educação Básica, nativos digitais, imersos nessa tecnologia hipnotizante. Nós, educadores, também impactados pelas telas, precisamos definir ações. Mas o que está sendo feito, no Brasil e no mundo, para lidar com essa dependência das novas tecnologias?
O Contexto Externo: Impacto da Tecnologia e a Regulamentação do Uso de Celular nas Escolas
Após anos de investimentos em novas tecnologias na Educação, o mundo reflete sobre o impacto do uso exagerado de telas e recursos digitais por jovens. Há países com piora na concentração dos alunos e resultados inferiores em exames internacionais.
A Finlândia, modelo de eficiência pedagógica, exemplifica essa tendência. William Doyle, da Universidade da Finlândia Oriental, sugere que o investimento em digitalização da Educação, que impulsionou o desempenho inicial, pode estar por trás da queda atual, principalmente pela redução da leitura de livros. As telas, ao prenderem a atenção, tornam livros impressos menos interessantes. O pesquisador destaca que celulares e notebooks:
Distraem adolescentes durante as aulas.
Causam ansiedade devido às redes sociais (‘FOMO’ – fear of missing out).
Atrapalham o sono dos alunos, prejudicando o desempenho.
Comprometem a capacidade de concentração. (Tenente; Vieira, 2025)
Países como França, Espanha, Grécia, Dinamarca, Holanda, Itália e México já proíbem o uso de celulares em sala de aula. A Itália, por exemplo, não permite nem para fins educacionais, citando relatórios da Unesco que apontam o impacto negativo na memória e na concentração. (Crescer, 2024)
No Brasil, pesquisadores, gestores e professores, percebendo a perda de foco dos estudantes devido ao excesso de telas, pressionaram o governo. Em resposta, no final de 2024, a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que proíbe o uso de smartphones em sala de aula nas escolas do país, transformado em lei em 13 de janeiro de 2025.
A Lei Brasileira de Uso de Celular nas Escolas e Seus Impactos para Estudantes
Vale a pena trazer alguns pontos da Lei nº 15.100/2025, recém-publicada no nosso país:
Art. 2º Fica proibido o uso, por estudantes, de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais durante a aula, o recreio ou intervalos entre as aulas, para todas as etapas da educação básica.
§ 1º Em sala de aula, o uso de aparelhos eletrônicos é permitido para fins estritamente pedagógicos ou didáticos, conforme orientação dos profissionais de educação.
§ 2º Ficam excepcionadas da proibição do caput deste artigo as situações de estado de perigo, estado de necessidade ou caso de força maior.
Art. 3º É permitido o uso de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais por estudantes, independentemente da etapa de ensino e do local de uso, dentro ou fora da sala de aula, para os seguintes fins:
I – garantir a acessibilidade; II – garantir a inclusão; III – atender às condições de saúde dos estudantes; IV – garantir os direitos fundamentais.
Art. 4º As redes de ensino e as escolas deverão elaborar estratégias para tratar do tema do sofrimento psíquico e da saúde mental dos estudantes da educação básica, informando-lhes sobre os riscos, os sinais e a prevenção do sofrimento psíquico de crianças e adolescentes, incluídos o uso imoderado dos aparelhos referidos no art. 1º desta Lei e o acesso a conteúdos impróprios. (BRASIL, 2025)
Em resumo, a Lei nº 15.100/2025 estabelece a proibição total do uso de smartphones em sala de aula e intervalos, mas prevê exceções para fins didáticos, acessibilidade, inclusão, saúde dos estudantes e direitos fundamentais.
Focada na saúde mental dos estudantes, a lei também exige que as redes de ensino elaborem estratégias para lidar com possíveis crises de abstinência e impactos no comportamento dos jovens, decorrentes da proibição de smartphones. Casos semelhantes já foram relatados em escolas que implementaram a restrição antes mesmo da nova legislação, conforme reportagem do G1.
Na escola Alef Peretz, em São Paulo, professores relataram revolta e resistência inicial dos alunos, incluindo tentativas de arrombamento de locais de guarda dos celulares. Contudo, após semanas, houve uma percepção de melhora no foco e atenção aos conteúdos, já que a tela deixou de ser um atrativo. Apesar de serem resultados recentes, é fundamental, para os educadores, entender como mediar o uso das novas tecnologias no mundo atual.
Conclusão: A Desdigitalização das Escolas é a Solução?
É preciso cautela ao analisar se a desdigitalização nas escolas, uma medida enérgica, trará bons resultados. Devemos considerar as vantagens do uso de equipamentos conectados: trabalhos em grupo, acesso a informações ilimitadas, atualizações, novas linguagens, acessibilidade. A escola pode realmente ignorar o digital? As exceções pedagógicas podem virar regra, ou a proibição de celulares é essencial para lidar com a atual crise de atenção?
Assim como em doenças graves, tratamentos radicais podem ser necessários, mas o excesso agrava o problema. Em um momento de radicalismos ineficazes, nós, educadores, devemos buscar o diálogo, o esclarecimento e a conversa. Uma conversa atenta, focada e ininterrupta por notificações inoportunas, que resgate nossa humanidade e evite o ‘modo automático’ da tecnologia, é fundamental para a educação.
Referências
BRASIL. Lei n. 15.100, de 13 de janeiro de 2025. Dispõe sobre a utilização, por estudantes, de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais nos estabelecimentos públicos e privados de ensino da educação básica. Brasília, DF: Presidência da República, 2025. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2025/Lei/L15100.htm. Acesso em: 03 mar. 2025.
Tiago da Silva Ribeiro é professor do Magistério Superior no Instituto Nacional de Educação de Surdos nas disciplinas de Língua Portuguesa e Tecnologias da Informação e Comunicação. Tem experiência em turmas do Ensino Fundamental e Médio, além de já ter atuado na modalidade on-line como mediador, orientador de trabalhos finais de curso, desenhista educacional, professor-autor e coordenador de curso. Seu Doutorado em Letras é pela PUC-Rio e teve como tema de trabalho o Internetês. Não vive sem as facilidades do digital, mas sempre luta para que a máquina o sirva, não o contrário.
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