MENU

Inteligência artificial e cotidiano docente: impactos e aprendizagens possíveis

Inteligência Artificial e cotidiano docente - impactos e aprendizagens possíveis

A urgência da IA no contexto docente

A inteligência artificial (IA) é um tema que vem ocupando espaços nas mais diferentes pautas da vida diária. E não tem sido diferente com o campo da Educação. A popularização do acesso às mais diversas plataformas de IA disponíveis faz com que docentes se vejam cada dia mais cercados por situações em que o conhecimento, a relação e o domínio das ferramentas de IA se fazem necessários.

Seja na lida com os/as estudantes em termos de atividades, trabalhos, avaliações ou em questões mais burocráticas do fazer docente, a capacidade de interagir com as ferramentas de IA e integrá-las ao fluxo de trabalho representa uma nova habilidade profissional a ser desenvolvida por professores/as em seu cotidiano.

A dinâmica de trabalho de professores/as da Educação Básica – em especial, dos professores de Música – pode ser bastante exigente. São muitas horas em sala de aula, deslocamentos longos entre diferentes unidades escolares, compromissos e reuniões, que fazem com que o tempo de preparação e reflexão do trabalho seja cada dia mais escasso. Assim, qualquer recurso que auxilie o docente a ter mais efetividade em seu trabalho é bem-vindo.

Neste texto, vamos desmistificar os conceitos basilares da IA, entender seu funcionamento e, sobretudo, explorar os impactos e as aprendizagens possíveis da IA generativa no cotidiano do professor de Música, sempre com um olhar atento à intencionalidade pedagógica e à sensibilidade ética que devem guiar sua integração.

Entendendo a Inteligência Artificial: conceitos fundamentais

Na edição n. 7 do Caderno Pedagógico, escrevi um capítulo onde abordei os impactos da IA na Música e suas implicações para a educação musical na Educação Básica (Barros, 2025). Assim, gostaria de retomar alguns pontos discutidos no capítulo, mais especificamente, sobre os conceitos fundamentais relacionados à IA.

A expressão Inteligência Artificial surgiu no Dartmouth College, nos EUA, em 1956, cunhada por pesquisadores dos campos da Matemática, Ciência da Computação e da Neurociência (Unesco, 2024a, 2024b).

Em sua essência, a IA compreende tecnologias de processamento de informações que integram modelos e algoritmos, conferindo-lhes a capacidade de aprender e realizar tarefas cognitivas, como previsão, catalogação e tomada de decisões em ambientes reais e virtuais (Unesco, 2021).

As três categorias de Inteligência Artificial

É possível classificar a IA em diferentes categorias, com base em suas funcionalidades e no modo como lidam com os dados:

  • A IA discriminativa é empregada para identificar padrões e classificar informações a partir de dados já conhecidos. Por exemplo, o reconhecimento facial de celulares ou os filtros de spam de e-mails.
  • A IA preditiva visa fazer previsões sobre o futuro com base em dados passados. Exemplos comuns são os aplicativos de navegação GPS e as plataformas de streaming de música ou filmes.
  • A IA generativa é aplicada quando o objetivo é criar algo novo, semelhante ao que foi aprendido nos dados de origem, a partir da análise estatística de padrões, como textos, imagens, músicas e códigos de software.

Funcionamento da IA Generativa: Machine Learning e Prompts

A partir da classificação proposta acima, considero que a IA generativa tem maiores possibilidades de implementação, em se tratando das demandas mais comuns do cotidiano docente musical, bem como de outros campos do saber. Embora as ferramentas mais populares criem textos – ChatGPT, Gemini, DeepSeek –, a IA generativa já produz imagens, músicas e códigos de software.

Leia mais: Como usar Inteligência Artificial para personalizar o ensino

Mas como a IA generativa, especialmente a de texto, funciona? Brown et al. (2023) destacam que a IA generativa se baseia no Aprendizado de Máquina (Machine Learning – ML), onde sistemas aprimoram seu desempenho continuamente a partir de abundância de dados fornecidos.

As Redes Neurais Artificiais (RNA) desempenham um papel crucial, mimetizando o funcionamento do cérebro humano e suas conexões sinápticas, construindo um conjunto evolutivo de regras que orientam a geração de novos conteúdos.

A IA representa palavras pelo contexto em que padrões são identificados nos dados de treinamento por meio de análise estatística. Ao descobrir e modelar esses padrões, a IA generativa pode produzir novos conteúdos, garantindo consistência no contexto e, ao mesmo tempo, introduzindo criatividade e novidade.

A interação com os sistemas de IA generativa é realizada por meio de solicitações ou comandos, conhecidos como prompts, pontos de partida para a geração de respostas e conteúdos relevantes. A elaboração estratégica desses prompts, conhecida como engenharia de prompts, é essencial para a obtenção de resultados precisos, requerendo do usuário uma habilidade em duas faces: a capacidade de indicar bem a tarefa e o conhecimento do produto final/resultado desejado para a avaliação de sua funcionalidade.

IA como Assistente Pedagógica: impactos e aprendizagens possíveis

É possível considerar que a IA generativa pode se tornar sua assistente pessoal na docência, otimizando tarefas administrativas e pedagógicas, liberando o professor para focar nos aspectos mais humanos e insubstituíveis do ensino. Para tal, trago algumas aplicações práticas com base em Holster (2024), Bowen e Watson (2024) e Bauer (2023), divididas em três grandes eixos: 1) planejamento, avaliação e feedback; 2) engajamento e personalização do ensino; 3) produção de eventos, organização e comunicação.

Planejamento, Avaliação e Feedback

  • Criação de objetivos de aprendizagem: a IA pode ajudar a gerar metas de aprendizagem versáteis e flexíveis, que respeitem os processos de aprendizagem dos alunos, ao mesmo tempo que garantam o desenvolvimento de competências musicais essenciais.
  • Brainstorm de planos de aula: a IA pode gerar ideias para planos de aula, atividades e estratégias de avaliação.
  • Desenvolvimento de rubricas de avaliação: a IA pode auxiliar na criação de rubricas que articulem vários graus de desempenho, com critérios avaliativos-musicais claros e abrangentes.
  • Elaboração de feedbacks avaliativos: a IA pode ser fundamental na criação de feedback avaliativo detalhado e personalizado, que reconheça as escolhas e estratégias únicas dos alunos e sugira áreas para a melhoria nos processos de criação, apreciação ou performance musicais (Swanwick, 1994).

Engajamento e Personalização do Ensino

  • Integração de interesses estudantis: a IA pode gerar listas de repertório específico de gêneros musicais do cotidiano estudantil para ensinar conceitos de teoria musical. Isso conecta o currículo aos interesses dos alunos, ampliando o significado e o valor das tarefas.
  • Preparação de materiais didáticos: a IA oferece assistência valiosa na criação de materiais didáticos customizados, como exercícios, questionários e materiais de estudo musicalmente contextualizados.
  • Gamificação da aprendizagem: para tornar o aprendizado mais envolvente, a IA pode projetar jogos educativos, com recompensas e progressão de desafios vinculados aos assuntos abordados em sala. Assim, conteúdos de caráter mais teórico-musical/musicológico podem ser trabalhados de maneira mais palatável.
  • Simulação de diálogos: é possível simular conversas com figuras históricas para aprofundar conhecimentos e engajar os alunos, tais como conversas com os grandes compositores ou instrumentistas da História da Música.

Produção de eventos, organização e comunicação

Por vezes, os professores de Música precisam produzir eventos escolares em que as habilidades musicais adquiridas ao longo do período letivo são apresentadas publicamente. Para a produção de eventos escolares, a IA pode gerar manuais de instruções detalhadas para todos os envolvidos, coordenando equipes e responsabilidades. Isso permite que os diretores foquem em outros aspectos do evento, principalmente, nos aspectos vinculados à qualidade da performance musical.

Leia mais: O impacto da inteligência artificial na educação

Considerações Éticas e o Foco no Fator Humano

A IA tem o potencial de enriquecer as experiências pedagógicas com intencionalidade e sensibilidade ética, coexistindo harmoniosamente com práticas pedagógicas já consolidadas. Neste sentido, a IA generativa pode contribuir no gerenciamento e na execução de tarefas rotineiras, liberando o professor para focar nos aspectos mais humanos, nas nuances e complexidades da educação, garantindo que a experiência educacional permaneça centrada no aluno.

Embora a IA ofereça inúmeras possibilidades, é fundamental abordarmos suas considerações éticas e limitações. A IA não possui intuição, adaptabilidade, perspicácia, empatia e criatividade, características exclusivas do ser humano (Holster, 2024).

A educação/educação musical envolve a construção de relações, o fomento da criatividade e o desenvolvimento de habilidades expressivas, aspectos que a IA não pode replicar. Devemos fomentar a criticidade e a reflexão sobre o impacto da IA em uma sociedade capitalista, abordando a geração de renda de artistas e professores e a preservação de sua autonomia criativa (Holster, 2024).

Minibio do autor

Matheus Henrique da Fonsêca Barros é professor do Departamento de Música da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), atuando no curso de Licenciatura em Música e como Coordenador do Programa de Pós-graduação em Música (PPGMúsica/UFPE). É Doutor em Música (Educação Musical) pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Mestre em Educação e Licenciado em Música pela UFPE. Foi pesquisador visitante na University of Delaware (UD). Atua na área de Música, com ênfase em Educação Musical, nos seguintes temas: formação e atuação de professores de música; aprendizagem baseada em problemas; metodologias ativas; educação musical, tecnologias e cultura participativa digital.

Referências

BARROS, Matheus Henrique da Fonseca. Os impactos da IA na Música e suas implicações para a educação musical no ensino básico. Caderno Pedagógico nº 7. São Paulo: Ática, 2025. No prelo.

BAUER, William I. Make AI Your Personal Music Teaching Assistant. NAfME Blog, [S.l.], 2023. Disponível em: https://nafme.org/blog/make-ai-your-personal-music-teaching-assistant/. Acesso em: 25 abr. 2025.

BROWN, Heather et al. 7 Things You Should Know About Generative AI. Educase Review, Emerging Technologies & Trends. Disponível em: https://er.educause.edu/channels/emerging-technologies-trends. Acesso em: 15 maio 2024.

HOLSTER, Jacob. Augmenting music education through AI: practical applications of ChatGPT. Music Educators Journal, [S.l.], v. 110, n. 4, p. 36–42, jun. 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1177/00274321241255938. Acesso em: 25 abr. 2025.

SWANWICK, Keith. Musical knowledge: intuition, analysis and music education. London: Routledge, 1994.

UNESCO. Reportagens sobre inteligência artificial: um manual para educadores de jornalismo. Paris, 2024a. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000391216/PDF/391216por.pdf.multi Acesso em: 25 abr 2025.

UNESCO. AI competency framework for teachers. Paris, 2024b. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000391104/PDF/391104eng.pdf.multi Acesso em: 25 abr 2025.

UNESCO. Guidance for generative AI in education and research. Paris, 2023a. Disponível em:https://unesdoc.unesco.org/in/documentViewer.xhtml?v=2.1.196&id=p::usmarcdef_0000386693&file=/in/rest/annotationSVC/DownloadWatermarkedAttachment/attach_import_d4cbd94b-e183-448f-90a9-ea9bb3b74db2%3F_%3D386693eng.pdf&locale=en&multi=true&ark=/ark:/48223/pf0000386693/PDF/386693eng.pdf#1243_23_Guidance%20on%20Generation%20AI.indd%3A.141705%3A1366 . Acesso em: 15 maio 2024.

UNESCO. Para aproveitar a era da inteligência artificial na educação superior: um guia às partes interessadas do ensino superior. Paris, 2023b. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000386670_por/PDF/386670por.pdf.multi Acesso em: 25 abr 2025.

UNESCO. Currículos de IA para educação básica: um mapeamento de currículos de IA aprovados pelos governos. Paris, 2022. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000380602_por?posInSet=1&queryId=4471886d-ad2a-4f9f-9af0-791a0d037323. Acesso em 15 de maio de 2024.

UNESCO. Recomendação sobre a ética da inteligência artificial. Paris, 2021. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/in/documentViewer.xhtml?v=2.1.196&id=p::usmarcdef_0000381137_por&file=/in/rest/annotationSVC/DownloadWatermarkedAttachment/attach_import_dfcd573c-79c9-443b-8e18-68b5ac6c11e4%3F_%3D381137por.pdf&updateUrl=updateUrl2357&ark=/ark:/48223/pf0000381137_por/PDF/381137por.pdf.multi&fullScreen=true&locale=en#%5B%7B%22num%22%3A77%2C%22gen%22%3A0%7D%2C%7B%22name%22%3A%22XYZ%22%7D%2C0%2C842%2C0%5D. Acesso em: 25 abr. 2025.

Crie sua conta e desbloqueie materiais exclusivos

Voltar
Complete o cadastro para receber seu e-book
Já possui uma conta?Acessar conta
ACREALAGOASAMAPÁAMAZONASBAHIACEARÁDISTRITO FEDERALESPÍRITO SANTOGOIÁSMARANHÃOMATO GROSSOMATO GROSSO DO SULMINAS GERAISPARÁPARAÍBAPARANÁPERNAMBUCOPIAUÍRIO DE JANEIRORIO GRANDE DO NORTERIO GRANDE DO SULRONDÔNIARORAIMASANTA CATARINASÃO PAULOSERGIPETOCANTINSACREALAGOASAMAPÁAMAZONASBAHIACEARÁDISTRITO FEDERALESPÍRITO SANTOGOIÁSMARANHÃOMATO GROSSOMATO GROSSO DO SULMINAS GERAISPARÁPARAÍBAPARANÁPERNAMBUCOPIAUÍRIO DE JANEIRORIO GRANDE DO NORTERIO GRANDE DO SULRONDÔNIARORAIMASANTA CATARINASÃO PAULOSERGIPETOCANTINS

Veja mais

A passagem da Educação Infantil para o Ensino Fundamental 
7 de outubro de 2025

A passagem da Educação Infantil para o Ensino Fundamental 

 Professora, essa escola tem poucos brinquedos, né? Sabe o que eu acho mais engraçado? Na minha outra escola, eu era...
Resgatando a infância na sala de aula: estratégias de como combater a adultização precoce
6 de outubro de 2025

Resgatando a infância na sala de aula: estratégias de como combater a adultização precoce

Se tem uma palavra muito falada em 2025 é a adultização. O termo, que não é novo nas discussões, ganhou...
Inteligência artificial e cotidiano docente: impactos e aprendizagens possíveis
3 de outubro de 2025

Inteligência artificial e cotidiano docente: impactos e aprendizagens possíveis

A urgência da IA no contexto docente A inteligência artificial (IA) é um tema que vem ocupando espaços nas mais...
Variação linguística, gramática e ensino: uma discussão necessária
2 de outubro de 2025

Variação linguística, gramática e ensino: uma discussão necessária

Como sabemos, as línguas variam e também mudam. Nisto reside sua complexidade. Ademais, há uma estreita ligação entre os usuários...
BNCC na Educação Infantil: O que muda na prática pedagógica?
1 de outubro de 2025

BNCC na Educação Infantil: O que muda na prática pedagógica?

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) veio com o intuito de democratizar o ensino no Brasil, buscando formas de fazer...