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O papel da escola na promoção de um ambiente de trabalho saudável para os professores 

2 de setembro de 2025,
E-docente
Promova o bem-estar docente e crie um ambiente de trabalho saudável para professores

Manuela (professora): – Ah, essa semana vai ser difícil… Não aguento mais aquela turma em que ninguém quer saber de nada. Fico pensando por que acabei nessa profissão, já que, por mais que me esforce, parece que nada adianta. Pior que essa dor de cabeça só piora… Às vezes, acho que vou enlouquecer… 

Eugênio (professor): – Só faltava essa… A Manuela só pode estar de brincadeira… Fica inventando atividades novas só pra dar mais trabalho pra gente. Vou falar com a diretora para que ela não incentive essas inovações. 

Joana (diretora): – Meu Deus, faltam três dias para eu entregar o relatório à Coordenadoria Regional e os professores ainda não lançaram as notas no sistema… E ainda tem duas que estão de licença… Vou ter de fazer outra reunião pressionando todos eles. 

Rafael (aluno): – Não consigo prestar atenção em nenhuma aula. A escola está cada vez mais chata… Todo mundo parece cansado, irritado…  

Mariana (mãe de aluno): – Ah, eu vou lá falar com a professora. O caderno do meu filho só vem vazio. Não é possível que ela não esteja passando nada nas aulas… 

Figura 1 – Professora recebendo influências negativas de colegas, diretora, aluno e mãe de aluno. Fonte: OpenAI (2025). 

Viram que ótimo ambiente de trabalho para o professor? Esse é o emprego dos sonhos de todos, não é mesmo? Falta de apoio institucional, pressão de alunos, responsáveis, direção e até mesmo de colegas de profissão… Nesse contexto, o que fazer? Existe um setor nas instituições escolares que deem um suporte a esse profissional tão desgastado?   

Os professores enfrentam um ciclo contínuo de adoecimento em um cenário marcado pela precarização de suas atividades laborais. As exigências inerentes à carreira docente podem desencadear uma série de problemas de saúde, impactando diretamente sua qualidade de vida e propiciando o desenvolvimento de enfermidades (Farias; Wagner, 2024, p. 6). 

Mais do que cuidar de relatórios, materiais, planejamentos didáticos, os gestores escolares precisam ter reservado um espaço para cuidar dos atores que participam do processo educacional. Quando professores estão exaustos, adoecem e precisam se afastar, toda a comunidade escolar sente o impacto. O aprendizado dos alunos cai, a escola perde continuidade e a rede de ensino gasta mais com substituições e afastamentos.  

Os artigos Saúde mental no trabalho da docência: em busca do equilíbrio e Dia dos Professores: a importância do autocuidado trazem abordagens importantes sobre essa questão do cuidado. Aqui, no texto de hoje, pretendemos destacar como a escola pode preservar a saúde do professor e, por consequência, a própria eficácia enquanto instituição, criando um círculo virtuoso. Se é verdade que muitos desses problemas ultrapassam a alçada da própria escola (como salários e políticas públicas), também é fato que a gestão escolar e a cultura da instituição podem fazer uma grande diferença no bem-estar de quem ensina.  

Clima escolar: mais do que uma “boa energia” 

Muitas vezes, ao entrarmos em determinada escola, já sentimos o clima pesar. Parece que a energia daquele lugar não é boa e já influencia negativamente no nosso humor, na nossa vontade de trabalhar. Mais do que uma questão energética, o clima escolar envolve muitos fatores, essencialmente humanos: relações de respeito, regras claras para que todos cumpram, justiça, apoio entre pares, segurança e até a forma como decisões são tomadas, se de forma autoritária ou democrática. 

Quando esses fatores são respeitados e o clima é positivo, professores se sentem mais valorizados e protegidos, e isso reduz o risco da Síndrome de Burnout aumenta a satisfação no trabalho. Por outro lado, um clima escolar marcado por conflitos constantes, violência ou falta de reconhecimento se torna um terreno fértil para o adoecimento. Isso significa que o clima escolar não é apenas “consequência” do trabalho dos professores nem responsabilidade única desse profissional, mas também um recurso importante para protegê-los e que deve ser perseguido por todos os atores. Meu artigo A culpa é do professor? A necessária atenção a todos os atores do processo educacional traz discussões sobre o compartilhamento de responsabilidades. 

A própria escola como uma pista com obstáculos 

Você, professor, apontaria quais problemas como os maiores riscos à sua saúde no dia a dia das escolas? Aproveite para compartilhar conosco nos comentários deste texto no blog. Percebemos, tanto por meio dos estudos quanto ao longo de nossa atuação, que as principais reclamações transitam entre: 

  • Sobrecarga de trabalho: número elevado de turmas, pouco tempo de planejamento, excesso de burocracia. Tudo isso acontece seja em instituições públicas seja em particulares. 
  • Indisciplina e violência: lidar com situações de conflito, principalmente de alunos, sem o devido apoio institucional. 
  • Falta de autonomia: quando tudo é decidido de cima para baixo, sem participação docente. Crescem os casos em que professores são obrigados a seguirem planos já prontos, com a justificativa de que necessitam atingir determinadas metas, igualmente traçadas ditatorialmente. 
  • Infraestrutura precária: salas quentes, barulho excessivo, ausência de espaços de descanso, falta de materiais. 
  • Pressão por resultados: metas, além de irreais, pouco claras, avaliações externas e cobranças por parte da direção (que também é cobrada pela instância superior) sem apoio. 
  • Problemas com a saúde: esforço vocal em ambientes ruidosos, sem orientações de prevenção; falta de acompanhamento emocional; cansaço físico; má alimentação; tudo isso, conjugado, leva à situação da Síndrome de Burnout. 

O que a gestão escolar pode fazer de fato? 

Não temos a intenção aqui de dar soluções mágicas, rápidas, porque sabemos que mudanças estruturais necessitam de planejamento, engajamento coletivo e tempo para serem implementadas com sucesso. Mas existem muitas ações possíveis dentro da gestão escolar que podem contribuir para um ambiente mais saudável para os professores (e, consequentemente, para o sistema como um todo). Claro, é necessária uma articulação entre os trabalhadores da escola para exigir que sejam realizadas essas ações. Então, os itens a seguir são direcionados tanto à gestão quanto aos demais atores do processo educacional: 

  1. Garantir tempo real de planejamento – Você, que me lê, realiza seu planejamento na escola, no horário de trabalho? Acho difícil… Nesses meus 20 anos de magistério, nunca conheci alguém que não levasse esse trabalho pra casa (me incluo nesse grupo). Não é “tempo de planejamento” se ele acontece em casa, de madrugada, depois de cuidar dos filhos. É preciso reservar, no horário de trabalho, blocos de tempo para planejar aulas e trocar com os colegas, pois isso reduz estresse e melhora a qualidade do ensino.  
  1. Criar canais de escuta e participação – Reuniões de escuta, comitês de bem-estar ou mesmo uma caixa de sugestões anônimas podem ajudar professores a se sentirem parte das decisões. Algumas decisões já vêm de instâncias superiores, claro, e são mais difíceis de serem modificadas. Porém, algumas podem ser acordadas dentro da instituição de ensino. Quando percebemos que compartilhamos as decisões, temos uma maior sensação de justiça e pertencimento. 
  1. Reconhecer e valorizar o trabalho do professor – Um elogio público, uma carta de agradecimento, a divulgação de boas práticas. As redes sociais podem ser aliadas nesse ponto, em que todos são reconhecidos por suas melhores valências, compartilhando sucesso e pequenas vitórias no dia a dia. Os likes, aqui, podem trazer incentivos aos profissionais e criar ligações com a comunidade escolar, engajando na divisão de tarefas com os alunos e diminuindo a sobrecarga do professor.  
  1. Criar protocolos de convivência – Na sua escola, existe um protocolo claro para ser seguido no caso de violência ou de assédio? Eles precisam ser construídos também coletivamente a fim de que problemas sejam combatidos e solucionados o mais rapidamente possível.  
  1. Cuidar do espaço físico – Por mais que não pareça influenciar tanto no clima sobre o qual falamos lá no início, condições como ergonomia, iluminação, cadeiras adequadas, espaço de apoio e silêncio fazem grande diferença. Às vezes, uma salinha com uma boa poltrona já nos dá um respiro essencial naquele intervalo entre uma aula e outra.  
  1. Estabelecer limites para o digital – Dê uma olhada no seu WhatsApp e veja quantos grupos você tem. Quase todos nós temos excesso de mensagens, muitas que nem conseguimos ler. Grupos de WhatsApp ativos 24 horas por dia, ainda mais se forem de trabalho, com mensagens da gestão em horários impróprios e excesso de plataformas digitais são fontes silenciosas de esgotamento. A escola pode estabelecer regras para isso. 
  1. Criar parcerias em saúde – Também é possível promover na escola oficinas sobre voz, rodas de cuidado, momentos de relaxamento ou convênios com serviços locais de saúde. Mas sabemos que são poucas as instituições que investem nesses cuidados. 
  1. Integrar os atores do processo educacional – Como observa a Revista de Saúde Pública:  

Criar momentos de debates sobre fatores desfavoráveis à saúde presentes nas realidades dos alunos e da comunidade escolar, mobilizando projetos, ações, com relação à saúde individual e coletiva, considerando a saúde sob seus diferentes aspectos, é possível quando se favorece o desencadear do desejo de conhecer e utilizar os recursos da própria localidade voltados para a promoção da saúde e para a atenção à doença. (Revista Saúde Pública, 2002, p. 535) 

Assim, estabelecer momentos de trocas entre professores, alunos, gestão, responsáveis pelos alunos é um passo importante para criar cumplicidade e dividir responsabilidades, evitando desentendimentos (como a situação hipotética descrita no início do texto) e alinhando expectativas quanto às propostas da instituição.  

Ambiente de trabalho saudável: Como começar?

Mais do que discutir teorias, precisamos pensar em práticas que realmente mudem imediatamente a realidade da instituição, renovando os ares e criando um “clima” com menos nuvens… Seguem possibilidades (que podem ser adaptadas à sua realidade) de ações a serem implementadas pela gestão: 

  • Aplicar um questionário anônimo rápido sobre saúde e clima, além de abrir um canal de sugestões. 
  • Reorganizar horários para garantir pelo menos um bloco contínuo de planejamento por semana. 
  • Instituir observação entre pares com foco em apoio, não em fiscalização. 
  • Realizar uma atividade mensal de bem-estar (oficina de voz, roda de troca de materiais, alongamento coletivo). 
  • Promover encontros bimestrais entre todos os atores do processo educacional a fim de alinhar expectativas. 

Como alertei anteriormente, não é uma receita infalível nem uma proposta mirabolante, mas sugestões de atitudes simples e totalmente possíveis em uma instituição escolar que podem realmente melhorar a saúde física e mental de todos, já que criam uma cultura de cuidado e mostram, na prática, que a escola se importa com seus professores. 

Por falar nisso, mais do que ações pontuais, é preciso criar essa cultura de cuidado. Isso significa colocar o tema no Projeto Político-Pedagógico (PPP), estabelecer metas de bem-estar, monitorar indicadores de clima escolar e incluir saúde do trabalhador nas formações continuadas. 

Tendo em vista a comprovada complexidade da Síndrome de Burnout, as intervenções de enfrentamento devem integrar não apenas as medidas de intervenção microssociais e de relações pessoais, mas especialmente os contextos macrossociais e organizacionais, visando a construção de políticas públicas que possam incidir sobre as condições de trabalho do professor. (Rocha; Rocha, 2024, p. 353) 

Uma gestão verdadeiramente democrática precisa explicar claramente, por exemplo, os critérios para distribuição de turmas e horários, o que já reduziria muito a sensação de injustiça que muitas vezes ronda os professores em uma escola. Essa transparência é uma das formas poderosas de demonstrar cuidado e respeito aos profissionais. 

A gestão também precisa estar atenta aos sinais 

Apesar de todos os esforços, é possível que professores apresentem sinais de esgotamento: dificuldade de concentração, irritabilidade, cansaço extremo, insônia, afastamentos frequentes. Em vez de deixar a burocracia dominar e exercer ainda mais pressão sobre os profissionais, é fundamental que a escola reconheça o problema e oriente os professores para serviços de saúde da rede. Eles não podem ser responsabilizados pelo adoecimento; trata-se de uma questão institucional que precisa ser resolvida também de maneira institucional. 

Conclusão 

Se quisermos uma escola de qualidade, precisamos de professores saudáveis. E a boa notícia, como tentamos alertar ao longo do texto, é que a escola tem, sim, margem de ação para se tornar um espaço de promoção de saúde. Garantir tempo de planejamento, escutar, reconhecer, cuidar do espaço físico e criar protocolos de apoio não dependem de grandes investimentos, mas de decisão e compromisso. 

Cuidar de quem cuida não é luxo: é estratégia de sobrevivência da Educação e inteligência na gestão. Se cada escola for um espaço em que professores se sentem respeitados, protegidos e, principalmente, mais saudáveis, criamos um círculo virtuoso em que toda a educação acaba avançando. 

Referências 

A PROMOÇÃO da saúde no contexto escolar. Revista de Saúde Pública, 36(4), p. 533-535. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0034-89102002000400022. Acesso em: 23 ago. 2025. 

FARIAS, Beatriz Heitich da Silva; WAGNER, Flávia. Condições de trabalho e adoecimento docente: causas persistentes. SciELO Preprints. 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.10323. Acesso em: 23 ago. 2025. 

ILUSTRAÇÃO produzida pelo autor com auxílio de inteligência artificial (ChatGPT, DALL·E). [S.l.], 2025. 

ROCHA, Bethânia Araújo; ROCHA, Marconi. Gestão de pessoas no ambiente escolar e o enfrentamento da síndrome de Burnout, Revista Kiri-Kerê, v. 1, n. 22, 2024. Disponível em: https://periodicos.ufes.br/kirikere/article/view/44818/32711. Acesso em: 23 ago. 2025.  

Minicurrículo do autor 

Tiago da Silva Ribeiro é professor do curso de Pedagogia do Instituto Nacional de Educação de Surdos nas disciplinas de Língua Portuguesa e Tecnologias da Informação e Comunicação. Tem experiência em turmas do Ensino Fundamental e Médio, além de já ter atuado na modalidade on-line como mediador, orientador de trabalhos finais de curso, desenhista educacional, professor-autor e coordenador de curso. Seu Doutorado em Letras é pela PUC-Rio e teve como tema de trabalho o Internetês. Não é meteorologista, mas busca estar sempre atento ao clima das instituições em que trabalha.

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