O que é PEI? Desafios e realidades na implementação do Plano Educacional Individualizado

“Mãe, a escola hoje foi muito chata!”, “Ai, não aguento mais essa escola!”, “As atividades são sempre as mesmas, não me sinto motivado!”, “Não consigo ficar na roda de leitura, é muito chato!”.
Você já ouviu alguma dessas frases de seu filho ou de sua filha em idade escolar? Provavelmente, sim. Mas qual seria o principal motivo de reclamações tão recorrentes, de crianças e adolescentes de todas as regiões, idades, classes sociais? Será que a escola vem atendendo às expectativas de alunos e responsáveis? O planejamento que vem “de cima” consegue ser implementado no “chão da escola”? E os alunos do público-alvo da Educação Especial (PAEE – esta sigla também representa Plano de atendimento educacional especializado) vêm recebendo a atenção especial que merecem? O chamado Plano educacional individualizado (PEI) é uma realidade nas escolas ou apenas uma promessa mal ou nunca cumprida?
Se você já leu outros textos meus, já deve estar acostumado com esse tipo de introdução, em que eu acabo trazendo ao leitor muitas questões… Da mesma forma, já deve saber que busco chegar o mais próximo possível das respostas, sempre baseado em dados teóricos e na realidade que nos cerca. Essa é uma busca incessante como professor, pois sei que a educação real, verdadeira, acontece não só nos artigos científicos, mas também nos relatos de todos que compõem o universo escolar.
Para ampliarmos nossa visão, recomendo a leitura do artigo Educação Especial e Inclusiva: qual o diálogo?, de Márcia Marin, disponível aqui no blog E-docente.
Vamos juntos conversar sobre a realidade brasileira de alunos que fazem parte do PAEE, além de discutir questões que se estendem também para alunos contemplados pelos currículos padrão de nossas instituições, analisando contextos e buscando caminhos para uma educação verdadeiramente inclusiva e que tenha atenção a todas as especificidades de nossos jovens, por mais complexo que isso possa ser.
Traremos, inclusive, algumas comparações com outros países que também trazem em suas legislações textos acerca de planos individualizados para PAEE.
O que a Legislação Brasileira diz sobre o que é o PEI?
É comum ouvirmos falar sobre educação especial, educação inclusiva, termos do tipo, mas nem todos conhecemos o chamado PEI, que é o Plano Educacional Individualizado. Apesar de esse termo não estar literalmente previsto na legislação brasileira, temos esse atendimento garantido pela Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Vejamos o que diz o artigo 28:
Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar:
I – sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida;
II – aprimoramento dos sistemas educacionais, visando a garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena;
III – projeto pedagógico que institucionalize o atendimento educacional especializado, assim como os demais serviços e adaptações razoáveis, para atender às características dos estudantes com deficiência e garantir o seu pleno acesso ao currículo em condições de igualdade, promovendo a conquista e o exercício de sua autonomia;
*[…] *
V – adoção de medidas individualizadas e coletivas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social dos estudantes com deficiência, favorecendo o acesso, a permanência, a participação e a aprendizagem em instituições de ensino;
Nesse artigo temos 18 itens, todos destacando a importância da inclusão dos alunos público-alvo da educação especial (PAEE). Essa sigla também representa Plano De Atendimento Educacional Especializado e, em alguns casos, Professor De Atendimento Educacional Especializado. Na verdade, o que mais importa é pensarmos sobre como e se esse atendimento vem acontecendo de maneira adequada aos alunos que mais necessitam.
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Outro dado importante de que precisamos para iniciarmos nossa reflexão é o texto trazido no artigo 5º pela Resolução n. 2/2001, que institui as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Aqui, vemos o que abrange o PAEE:
Art. 5º Consideram-se educandos com necessidades educacionais especiais os que, durante o processo educacional, apresentarem:
I – dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos:
a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica;
b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências;
II – dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis;
III – altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes.
Ou seja, percebemos que as orientações legais no Brasil abrangem esses três grupos descritos acima, contemplando necessidades tanto de dificuldade de aprendizagem quanto de facilidade de aprendizagem. Essas são as exceções descritas. Os demais alunos, considerados “regulares”, estariam contemplados pelo planejamento padrão das escolas.
A LBI [Lei Brasileira de Inclusão] ao contemplar o conceito de adaptações razoáveis permitiu que sejam realizadas as modificações e ajustes necessários para que a pessoa com deficiência desfrute de seus direitos em igualdade de condições com as demais pessoas. No campo da educação, tais modificações e ajustes ocorrem no âmbito do currículo, são as denominadas adaptações curriculares compreendidas como as adaptações no currículo padrão da escola, a fim de torná-lo apropriado às peculiaridades dos alunos com necessidades especiais. (Barbosa, 2019, p. 19)
Mas aqui surgem novas perguntas: como se classifica alguém como “regular”? O chamado “currículo padrão” está de acordo com as necessidades dos alunos ditos regulares? O diagnóstico desses alunos PAEE, tanto com dificuldades de aprendizagem menos evidentes quanto os superdotados, é feito pelas instituições escolares? E, quando feito, é dada uma atenção especial e adequada a eles?
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Meu leitor, como avisei anteriormente, lanço muitas questões em meus textos… Acho que a minha grande vocação é provocar, fazer com que reflitamos sobre situações que acontecem o tempo todo a nosso redor e, muitas vezes, deixamos passar. Conhecer a legislação, a burocracia, e comparar as situações com as de outros países pode nos ser útil no nosso trato do dia a dia com a educação e com nossos alunos, tão carentes de atenção (tanto os “regulares” quanto os PAEE).
A burocracia para se conseguir um PEI: um relato pessoal
Como forma de exemplificar a dificuldade em se conseguir um PEI, trarei uma experiência pessoal. Com três anos de idade, minha filha recebeu um laudo de altas habilidades, realizado por uma neuropsicóloga contratada de forma particular por nós. A suspeita de que ela seria PAEE veio da diretora da primeira instituição escolar de que ela participou, então, a partir daí, procuramos ajuda especializada.
Percebíamos também que nossa filha enfrentava diversas dificuldades já naquela época ao frequentar as aulas regulares com o planejamento padrão (mesmo sendo ainda em uma creche). Queixava-se de que as atividades eram pouco atrativas, recusando-se a sair de casa para a escola e chegando até mesmo a apresentar sintomas físicos, como dores e enjoos.
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No ano seguinte, já com o laudo em mãos, buscamos uma outra escola, com viés construtivista e voltada a atividades mais lúdicas, que teria, segundo nossa avaliação, maior atenção às necessidades de nossa filha. Logo no início, já apresentamos o laudo de altas habilidades e solicitamos o PEI, amparados pela legislação vigente no Brasil e acreditando que não teríamos muitas dificuldades, já que aquela seria uma escola diferenciada e engajada no atendimento especializado a alunos PAEE.
Porém, após diversas reuniões com a equipe pedagógica da escola, recebemos a “explicação” de que a escola já trabalhava com uma proposta diferenciada, em que nossa filha teria acesso a turmas de anos escolares diferentes (o que não ocorreu) e que suas habilidades e potenciais seriam trabalhados sem a necessidade de um PEI.
Com o tempo, nossa filha voltou a apresentar desinteresse semelhante ao que ocorria na escola anterior, mas, sempre que insistíamos com a escola, recebíamos respostas que fugiam da criação do PEI. O que vimos foram ações isoladas da professora regente, buscando atividades que levassem maior interesse à nossa filha.
Também passamos a frequentar grupos em redes sociais que tratavam de alunos PAEE, com diversas características, desde autistas a alunos com TDAH e outros com altas habilidades.
Os relatos dos responsáveis (inclusive de filiais da escola diferentes da nossa) eram todos bem parecidos, com a recusa em seguir os trâmites legais, o que gerava problemas no acompanhamento dos alunos e insatisfação dos responsáveis.
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Falta de profissionais habilitados, problemas de comunicação na continuidade da escolarização do aluno, até mesmo dificuldades impostas para deslocamento de alunos cadeirantes foram alguns dos problemas apresentados.
Isso tudo ocorre em uma escola particular dita “premium”, com mensalidades acima de três mil reais. Na verdade, pudemos constatar que o grande problema era esse, a valorização do lucro acima de tudo. Uma escola que tinha a fama de ter o foco no humano, o trato com a individualidade do aluno, após ser comprada por um grupo empresarial maior, mudou sua mentalidade.
Criar uma estrutura para receber alunos PAEE e elaborar PEI para aqueles de que necessitam traz um custo adicional para a escola, e, por todos os relatos repetidos que tivemos, a escola não se mostrava interessada em ter tal gasto. Ela permaneceu um ano e meio nessa escola e não teve o seu PEI elaborado.
Quando nossa filha completou cinco anos, decidimos participar de um sorteio para tentar uma vaga em uma escola pública tradicional, mas que também trouxesse uma abordagem diferenciada, principalmente na Educação Infantil, proporcionando mais liberdade e valorizando a criatividade das crianças, principais carcaterísticas que buscamos em uma instituição escolar. Para nossa sorte, ela conseguiu a vaga.
Desde a sua matrícula, os servidores foram bastante receptivos às questões que levamos e ao laudo de altas habilidades. Até o momento, após sete meses do início das aulas, tivemos reuniões com a equipe pedagógica, com a psicóloga da escola (que, inclusive, já entrou em contato com a psicóloga que atende a nossa filha), mas ainda não foi elaborado um PEI para ela.
A escola diz que há poucos funcionários para uma demanda grande, mas que está em processo de elaboração do planejamento e que continua disponível para prestar quaisquer suportes necessários. Em contato com outros responsáveis por alunos PAEE, ouvimos os mesmos relatos.
Como estamos há pouco tempo nessa instituição, ainda há confiança de que essa escola, mesmo com seus problemas comuns de instituições públicas, cumprirá com o prometido e eleborará um PEI para nossa filha, já que, diferentemente da escola anterior, o foco está não no lucro, mas na individualidade do aluno.
Apesar de serem relatos pessoais, vemos aqui uma constância na dificuldade em se conseguir um planejamento tão importante para a vida do aluno. Como pai interessado e professor pesquisador, venho confirmando a cada dia tais dificuldades também em trabalhos acadêmicos. Seja em escolas particulares de alto custo, seja em escolas públicas.
Mas como será que funciona o Planejamento Educacional Individualizado em outros contextos? Trago agora um rápido panorama sobre como outros países tratam da questão do PEI, citando um estudo feito por Tannús-Valadão e Mendes (2018).
O PEI no mundo: a realidade de outros países
Quando olhamos a nossa legislação e percebemos que há teoria, mas pouca prática, ficamos curiosos para saber como o aluno da educaçao especial é tratado em outros contextos. O trabalho de Tannús-Valadão e Mendes (2018) é bastante elucidativo, pois mostra as realidades da França, dos Estados Unidos e da Itália e como suas legislações tratam as pessoas (não apenas os alunos) com necessidades especiais.
Ao focarmos na questão dos tipos de PEI elaborados nesses quatro países, percebemos como o documento elaborado na França tem uma preocupação com a pessoa em sua vida para além da escola (agora fica claro, leitor, por que eu falei antes que não eram apenas “alunos”).
Nos outros países, vemos uma atenção restrita à vida escolar, ou seja, não há um planejamento para a transição até a vida profissional nem em outros contextos de sua vida social. Por mais que, no caso do Brasil, haja programas sociais para atendimento diferenciado de PAEE, essas são iniciativas isoladas, não previstas em um mesmo plano, como acontece na França.
Em relação aos objetivos do PEI, Brasil, EUA e Itália também estão mais voltados a competências formativas acadêmicas, diferentemente da França, que, além das escolas, preocupa-se com competências psicológicas, educativas, sociais, médicas e paramédicas.
A constatação das dificuldades que enfrentamos em nosso país não deve nos desencorajar a exigir o PEI quando necessário. Ainda assim, a busca por um plano que atenda às necessidades do aluno PAEE é essencial para que consigamos chegar mais perto do que acreditamos ser uma educação adequada. Embora percebamos que a luta é árdua e que muitas instituições relutam em elaborar tal plano, precisamos insistir até que realmente tenhamos a atenção de que necessitamos.
Conclusão: a educação de verdade e o olhar individualizado
Muito se discute em diversos textos sobre educação a respeito das estratégias para tornar o ensino mais atrativo, a conectar a escola à realidade atual e respeitar os interesses dos alunos em cada contexto, ao mesmo tempo que lhes é permitido conhecer novas realidades, traçar rumos antes nunca pensados.
Aqui, buscamos trazer pontos a se pensar sobre as necessidades de alunos PAEE, mas, em extensão, a todos aqueles chamados “regulares”. Será que esse “regular” realmente existe ou seria uma criação social para economia de custos e esforços? O currículo que vem “de cima” não deveria ser flexível de modo que o planejamento elaborado nas escolas fosse adaptável a cada necessidade, a cada contexto, visto os seres humanos sociais e únicos que somos?
O trabalho em conjunto com a família, os professores, os diretores, os psicólogos e todos os atores do processo educacional não deveria ser já o “padrão”? Que fique claro, não invalido aqui a necessidade do PEI para alunos com necessidades especiais (muito pelo contrário), mas não seria ele já naturalmente criado caso houvesse um investimento para que todos os alunos tivessem atenção especial quando apresentassem sua dificuldade (ou facilidade) única, particular? Mas não a atenção falsa, “econômica”, como a proposta pela escola da minha filha, e sim a atenção verdadeira, planejada de acordo com os interesses de cada um.
Xiiii, melhor parar por aqui… Estamos no final do texto e a academia não recomenda que se tragam novos questionamentos, pontos que não foram discutidos antes… Mas, como professor “não regular” que sou, acabo subvertendo essa ordem também…
Referências
BARBOSA, Vânia Benvenuti. Conhecimentos necessários para elaborar o Plano educacional individualizado (PEI). Rio Pomba: PROFEPT, 2019. Disponível em: http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/570204. Acesso em: 03 jan. 2025.
BRASIL. Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Brasília, DF: Presidência da República, 2015. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2015/lei-13146-6-julho-2015-781174-publicacaooriginal-147468-pl.html. Acesso em: 06 jan. 2025.
BRASIL. Resolução CNE/CEB nº 2, de 11 de Setembro de 2001. Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB0201.pdf. Acesso em: 07 jan. 2025.
TANNÚS-VALADÃO, Gabriela; MENDES, Enicéia Gonçalves. Inclusão escolar e o planejamento educacional individualizado: estudo comparativo sobre práticas de planejamento em diferentes países, Revista Brasileira de Educação, n. 23, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-24782018230076. Acesso em: 03 jan. 2025.
Minicurrículo do autor
Tiago da Silva Ribeiro é professor do Magistério Superior no Instituto Nacional de Educação de Surdos nas disciplinas de Língua Portuguesa e Tecnologias da Informação e Comunicação. Tem experiência em turmas do Ensino Fundamental e Médio, além de já ter atuado na modalidade on-line como mediador, orientador de trabalhos finais de curso, desenhista educacional, professor-autor e coordenador de curso. Seu Doutorado em Letras é pela PUC-Rio e teve como tema de trabalho o Internetês. Inquieto, questionador, procura atender às necessidades específicas de cada aluno, individualmente, pois acredita que o olhar especial é que deveria ser o padrão.
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