Sala de aula com alunos de Educação especial e Inclusiva com interação entre si

A proposta aqui é estabelecer um diálogo que envolva educação especial e inclusiva, considerando perspectivas e contextos para melhor compreender cada concepção na atualidade.

A educação especial vai acabar…

Como professora com formação em educação especial, como habilitação do curso de Pedagogia (quando isso existia), sempre lidei com a possibilidade de que a área iria se extinguir, de que não seria mais necessária em algum momento. Destaco dois contextos que levaram a essa ideia.

Primeiro, de um modo “romântico”, imaginava que um dia todos os docentes teriam uma “formação mais ampla” e poderiam atuar com todos os estudantes, independentemente de suas diferenças e particularidades.

Essa era uma visão simplista, que, com o tempo e a experiência, foi coletivamente passando por revisão e reconstrução…

Na prática e no cotidiano docente vivenciados por mim, como professora da Educação Básica, o conhecimento especializado foi fundamental para uma atuação educativa que respondesse às especificidades humanas no contexto escolar, com foco principalmente em estudantes com deficiência, Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), Altas Habilidades, distúrbios de aprendizagem.

Depois, comecei a escutar que a educação especial não teria mais espaço e iria acabar por causa dos movimentos mundiais sobre educação inclusiva.

E, de modo tortuoso, em muitos meios se configurou uma noção de que uma se contrapunha à outra, não havendo como coexistirem… Como não? Para efetivar processos de inclusão de estudantes com alguma diferença em seu desenvolvimento, conhecimentos específicos são necessários para garantir a escolarização.

Por aqui, proponho algumas ideias básicas para uma reflexão inicial, vejamos que educação especial e educação inclusiva:

  • não são a mesma coisa, não são sinônimos;
  • não estão em oposição, como se fosse uma ou outra, não se rivalizam;
  • são concepções que se complementam, há diálogo construtivo possível.

Então… Qual o papel da educação especial numa perspectiva de educação inclusiva?

Educação inclusiva é uma concepção calcada nos Direitos Humanos, preconiza que:

  1. toda pessoa pode e tem o direito de aprender;
  2. que a diversidade é uma riqueza que compõe a realidade;
  3. que o ensino escolar precisa atender as especificidades de aprendizagem de variados grupos, culturas e realidades, inclusive de pessoas com condições de desenvolvimento diferentes do padrão esperado.

Ela é para todos, para pessoas com deficiência, com altas habilidades, com autismo, para populações com culturas diversas, como os povos originários e quilombolas. Reconhece toda diferença como característica humana.

Diferenças de gênero, religiosas, econômicas e tantas outras entram em consideração, de modo a garantir equidade de acesso à educação. Educação inclusiva é um paradigma educacional.

E educação especial? Historicamente, no Brasil, ela se constituiu como uma prática voltada para as pessoas com deficiência em espaços exclusivos, como centros de atendimento, escolas e salas especiais. Funcionou como uma educação paralela, com professores da educação especial, estudantes da educação especial.

Com um trabalho ‘muito especializado’, com currículo próprio e práticas específicas. Fica a indicação de leitura do texto de Mendes (2019)[1] que pode contribuir para uma visão mais detalhada sobre o percurso histórico da educação especial no Brasil, a autora aponta que:

até a aprovação da Constituição Federal [em 1988], a preocupação em como educar tais alunos [com deficiência] era da educação especial, organizada enquanto um sistema basicamente paralelo, de cobertura muito restrita, que nem sempre desenvolveu uma vocação de escolarizá-los, de modo a restringir-se, muitas vezes, ao cuidar, reabilitar ou no mínimo a oferecer propostas curriculares alternativas (p. 5).

A autora aponta isso porque a Constituição Federal de 1988 garantiu a matrícula preferencialmente no ensino comum, com o apoio de um atendimento educacional especializado para os estudantes com deficiência.

A promoção da escolarização das crianças

E logo em seguida, em 1990, a Conferência Mundial de Educação para Todos e, em 1994, a Declaração de Salamanca impulsionaram debates e movimentos sobre como promover a escolarização de crianças e jovens com deficiência nas escolas comuns, fora dos espaços exclusivos.

No país, houve um crescente aumento de matrículas nas turmas comuns e professores se depararam com os desafios de ensinar estudantes que antes não estavam em suas salas de aula.

Desde então, muitos dispositivos legais e orientações de políticas públicas foram elaborados, na intenção de garantir o direito à escolarização de todos os estudantes. Inclusive os que antes eram de responsabilidade da educação especial, como educação paralela.

Foi e ainda é um tempo de ressignificação e reconceituação

Para melhor contextualizar, em 2008, divulga-se a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva que aponta a seguinte conceituação:

A educação especial é uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades, realiza o atendimento educacional especializado, disponibiliza os serviços e recursos próprios desse atendimento e orienta os alunos e seus professores quanto à sua utilização nas turmas comuns (BRASIL, 2008).

Educação especial como política pública fica definida como uma modalidade de ensino que acompanha e compõe a escolarização, desde a educação infantil até o ensino superior, passando pela Educação de Jovens e Adultos ou qualquer espaço de escolarização formal.

De forma concreta, é preciso ter profissionais com formação para:

  • realizar o atendimento educacional especializado,
  • participar da elaboração de recursos e de estratégias,
  • promover a elaboração do Plano Educacional Individualizado (PEI), quando necessário, dialogar com docentes e conhecer as necessidades educacionais dos estudantes, numa ação colaborativa.

O mesmo documento da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva indica:

Na perspectiva da educação inclusiva, a educação especial passa a constituir a proposta pedagógica da escola, definindo como seu público-alvo os alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Nestes casos e outros, que implicam em transtornos funcionais específicos, a educação especial atua de forma articulada com o ensino comum, orientando para o atendimento às necessidades educacionais especiais desses alunos.

Educação especial tem um “novo lugar”, está junto aos estudantes que exigem respostas educativas adequadas às suas necessidades para aprender, em qualquer lugar em que estejam matriculados.

A atuação da educação especial se amplia, está para além dos ambientes especializados. Sendo assim, os sistemas escolares precisam se organizar considerando os conhecimentos construídos pela área da educação especial, incorporando-os à sua proposta pedagógica.

É possível afirmar, então, que atualmente a educação especial se configura também como uma área de conhecimento, que apresenta concepções e práticas próprias, dialoga com várias outras áreas, tendo um caráter interdisciplinar.

Há técnicas, recursos, estratégias e propostas pedagógicas que são fruto de reflexões, pesquisas, aplicações, que contribuem significativamente para o ensino de estudantes com condições de desenvolvimento diferenciadas.

Deste modo, a ressignificação para a educação especial numa perspectiva de educação inclusiva a coloca como uma modalidade de ensino com um caráter colaborativo e como uma área de conhecimento com caráter interdisciplinar.

Não há como não existir diálogo entre educação especial e educação inclusiva, é algo inerente. E numa pedagogia da inclusão, experiências possíveis e vivenciadas pessoalmente apontam para alguns resultados de um trabalho colaborativo:

  • Formação de equipes colaborativas – planejamentos, instrumentos e critérios de avaliação, procedimentos didáticos devem ser pensados em conjunto. Nenhuma ação docente pode ser isolada e de responsabilidade de um único profissional, o ato de ensinar é coletivo, com a participação de vários atores para favorecer o pleno desenvolvimento de toda pessoa.
  • Aplicação do sistema de ensino colaborativo[2] – é a presença e a atuação do professor especialista em sala, durante as aulas, para atuar junto aos estudantes e como apoio ao professor regente. É uma alternativa ou uma conjugação ao trabalho realizado nas salas de recursos multifuncional.
  • Organização de estratégias de ensino para todos – é o “como fazer”, planejar estratégias que atendam necessidades de algum estudante, mas que serão aplicadas na sala de aula, em práticas cotidianas, promovendo acessibilidade curricular como possibilidade de aprendizagem para todos.
  • Inserção de recursos, materiais pedagógicos, de comunicação, de apoio ao ensino na sala de aula – outros se beneficiam com determinados recursos elaborados para algum estudante especificamente (recursos táteis, sonoros, manipuláveis; jogos; esquemas; mapas de ideias). Materiais pensados e preparados como apoio a um estudante devem ser disponibilizados na turma para que outros possam também ter acesso.
  • Formação docente em serviço – na troca e no diálogo, docentes aprendem a planejar, a avaliar, a ensinar de maneiras diferentes; o docente da educação especial aprende sobre áreas específicas e busca alternativas para favorecer o ensino; docentes de referência das turmas aprendem sobre ações e materiais específicos que podem promover a aprendizagem dentro da sua área de conhecimento. O fazer pedagógico é realimentado e renovado.

Conclusão

O diálogo entre educação especial e educação inclusiva resulta em melhoria da qualidade de ensino para todos – a dinâmica escolar cotidiana se aprimora com esse olhar para a diversidade e para as possibilidades humanas de aprendizagem e desenvolvimento. É qualidade para todos: estudantes, docentes, famílias.

Para uma educação inclusiva efetiva não é só juntar as diferenças e os diferentes num mesmo espaço. É preciso garantir individualização no ensino para atender as especificidades; planejamentos educacionais individualizados (PEI) são necessários para alguns estudantes que exigem maior suporte.

Docentes precisam de tempos e espaços colaborativos, para a reflexão e o planejamento, para a elaboração de recursos e estratégias específicas, que são caminhos para a acessibilidade curricular.

E a educação especial tem papel fundamental nisso, para produzir práticas e construir novos conhecimentos em favor de uma educação de qualidade com todos.

Referências

[1] MENDES, E. G. A política de educação inclusiva e o futuro das instituições especializadas no Brasil. Arquivos de análise de políticas educacionais[S. l.], v. 22, 2019. DOI: 10.14507/epaa.27.3167. Disponível em: https://epaa.asu.edu/index.php/epaa/article/view/3167. Acesso em: 17 jan. 2024.

[2] Para saber mais sobre ensino colaborativo, vai uma indicação de leitura:

BRAUN, Patrícia; MARIN, Márcia. Ensino colaborativo: uma possibilidade do Atendimento Educacional Especializado. Revista Linhas, Florianópolis, v. 17, n. 35, p. 193–215, 2016. Disponível em: https://www.revistas.udesc.br/index.php/linhas/article/view/1984723817352016193. Acesso em: 17 jan 2024.