Um dos principais e mais tradicionais meios de entretenimento infantil, e que transpassa a sala de aula. Também atravessa gerações e continua encantando e divertindo crianças de diferentes faixas etárias, são os desenhos animados.

Em décadas anteriores, tínhamos animações clássicas como, por exemplo, as produções de Walt Disney ou os desenhos dos estúdios Hanna-Barbera sendo acompanhados através das espaçosas televisões de tubo. Em tempos mais recentes, eram as produções dos canais Cartoon Network ou Nickelodeon, que faziam sucesso entre os mais jovens.  

Atualmente, com a profusão de plataformas de streaming e o acesso cada vez mais facilitado ao conteúdo on-line, as crianças acabam tendo contato com uma infinidade de produções de todos os cantos do mundo, tudo na palma da mão, na tela do celular.

Direcionando nosso olhar para o aspecto pedagógico envolvido nessa relação entre as crianças e seus desenhos animados favoritos, cabe a pergunta. Como a escola poderia se apropriar dessa linguagem e ampliar as possibilidades de práticas de letramento?

Os desenhos animados atrapalham a educação e prejudicam as crianças?

Como dito no início desse texto, as animações não são uma onda recente. Muitos adultos já acompanharam, em alguma fase de suas vidas, os desenhos, tal como seus alunos fazem hoje em dia.

Entretanto, as animações ainda costumam ganhar pouca atenção no espaço escolar, assim como histórias em quadrinhos e videogames. Uma vez que essas produções, muitas vezes, são vistas como algo que pode desvirtuar o foco de aprendizado ou empobrecer o desenvolvimento de práticas pedagógicas mais consistentes. Mas será que é verdade?

Entendendo as animações como narrativas que, além de entreter, muitas vezes ressignificam a curiosidade ou as angústias dos mais jovens através de uma linguagem lúdica. Podemos dizer que é possível trazer essas produções para sala de aula.

E, a partir delas, desenvolver os saberes já cotidianamente trabalhados pelas professoras e pelos professores. Promovendo práticas que abarcam desde o incentivo à leitura e à escrita até mesmo o desenvolvimento de debates sobre temas sociais relevantes.

Não estamos falando aqui em centralizar as práticas escolares somente em torno daqueles conteúdos familiares ao aluno. Até porque a função da escola é ampliar os horizontes de leitura, não ficando circunscrita àquilo que o aluno já conhece e domina. 

Também não estamos tratando daquelas animações que tem como função principal a mediação de algum saber, ou seja, as famosas animações educativas. A proposta é refletir sobre como a escola pode olhar para as animações como um potente complemento de seu cotidiano pedagógico, sem desmerecer outros recursos já presentes em sala de aula e igualmente relevantes.

Como trabalhar os curta-metragens da Disney Pixar em sala de aula?

Quando falamos de desenhos animados, temos uma pluralidade muito grande de temas abordados, perfis de personagens e duração das produções; tudo isso espalhado por múltiplas plataformas.

Vamos nos dedicar, nesta seção, a pensar em possíveis práticas de escrita envolvendo animações mais acessíveis, disponíveis. Por exemplo, no Youtube, direcionadas a diferentes faixas etárias e de menor duração, tendo em vista o já bastante limitado tempo das aulas.

Começando por uma coletânea de animação que consegue englobar um público maior, podendo ser trabalhada tanto com os alunos mais novos dos anos iniciais até mesmo os mais velhos dos anos finais do ensino fundamental. Trata-se da SparkShorts, da Pixar. 

Esse projeto consiste num conjunto de animações bem curtas, muitas sem diálogo, que provocam reflexões bem pertinentes a partir de situações cômicas absurdas. Essas animações também estão disponíveis no serviço de streaming Disney+.

Dentre os curtas, temos, por exemplo, Flutuar, que conta de modo muito sensível a dificuldade de um pai em aceitar o filho pequeno que sabe voar. Ou Purl, que narra as tentativas de um novelo de lã em se adequar no seu primeiro dia de trabalho em uma empresa.  

Por trás de uma primeira camada de humor, temos discussões importantes que podem ser propostas em sala de aula no desenvolvimento de práticas de oralidades, tais como a rejeição às diferenças sociais ou os desafios em se inserir em um novo espaço.

E como utilizar esses curta-metragens para trabalhar a escrita?

No campo da escrita, podemos integrar as discussões iniciais motivadas a partir da exibição dos curtas com o desenvolvimento coletivo de diferentes gêneros textuais.

Podemos indicar que os alunos produzam resumos e resenhas críticas sobre as animações que assistiram e pensem quais seriam as adequações necessárias se o texto tivesse como interlocutor um colega da mesma idade ou se fosse um texto destinado ao público adulto. 

Podemos, ainda, sugerir a adaptação das animações através da produção de contos, explorando, com isso, os elementos do texto narrativo.

Há também a possibilidade de trabalhar a continuidade das histórias apresentadas, a divulgação das animações através de cartazes distribuídos pela escola ou até mesmo a produção da encenação dos curtas, o que integraria a produção textual e a posterior apresentação para o restante da turma.

Todas essas sugestões levam em conta a produção de textos argumentativos, descritivos, narrativos e expositivos, por meio de diferentes gêneros discursivos como:

  • resumo,
  • resenha,
  • conto,
  • cartaz informativo,
  • texto dramatizado,
  • dentre tantas outras possibilidades…

Para os alunos menores, temos Monteiro Lobato e Maurício de Sousa

Pensando nos alunos mais jovens, temos alguns bons exemplos de animações nacionais que podem ser exploradas. São desenhos bem curtos e também disponíveis no Youtube, como é o caso de Mônica Toy e da animação do Sítio do Pica-pau Amarelo.

Além das propostas apresentadas na seção anterior, que também podem ser exploradas aqui, esses dois exemplos de animação permitem um outro tipo de trabalho: a aproximação com as histórias em quadrinhos e a literatura infantojuvenil.

Mônica Toy é um conjunto de minicurtas, alguns com duração de poucos segundos, que apresentam os personagens de Mauricio de Sousa em situações triviais e divertidas. A animação do Sítio do Pica-pau Amarelo é uma produção que adapta, em episódios de 10 minutos, as aventuras dos personagens nacionalmente conhecidos. 

Nessas obras, podemos explorar a maneira como os textos são ressignificados em diferentes mídias, trabalhando com a expectativa dos alunos através da produção de continuações para as histórias ou de finais alternativos. Seja através de um texto coletivo produzido no quadro com as opiniões de todos, seja através da produção de histórias em quadrinhos.

Por se tratar de desenhos que adaptam gêneros originalmente escritos, torna-se igualmente importante incentivar que o aluno entre em contato com exemplares das obras originais, o que enriquece seu repertório e amplia seu conhecimento sobre diferentes gêneros discursivos.

Tanto no caso de Mônica Toy, animação direcionada aos mais novos, quanto em SparkShorts, direcionada a um público mais amplo, temos exemplos de histórias que não utilizam diálogos, contando apenas com o desenvolvimento das ações dos personagens para guiar a narrativa.

Essas duas produções, portanto, podem, também, ser uma boa oportunidade para trabalhar o desenvolvimento de diálogos escritos, com atenção para a pontuação adequada ao discurso direto e o uso de rubricas para indicar as emoções dos interlocutores. 

Novos desafios, novas possibilidades na sala de aula

Desenvolver práticas escolares de letramento é um desafio cada vez maior, tendo em vista o excesso de estímulo ao qual, desde muito cedo, os alunos são expostos. Tal condição nem sempre favorece o desenvolvimento da concentração necessária para que as crianças consigam refletir detidamente sobre o que está sendo mobilizado pela professora ou professor em sala de aula.

Ainda assim, é possível pensar em estratégias e alternativas que não desmerecem as orientações pedagógicas, mas também integram as linguagens que permeiam a vida do aluno, sempre a favor de um ensino de qualidade.

Diego Domingues

Graduado em Letras (UFRJ), mestre em Educação (UERJ) e doutor em Linguística Aplicada (UFRJ). Atualmente é professor de língua portuguesa no Colégio Pedro II.