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Como você está lendo este texto? Provavelmente está online e prestando atenção em outras tarefas ao seu redor, seja do mundo real, seja do virtual.

Vivemos na era da tal ubiquidade, termo bastante usado por Lucia Santaella para se referir ao fato de lidarmos com diversas tarefas simultaneamente, intervindo no mundo físico e virtualmente. Será que você consegue ler este texto até o fim sem olhar alguma notificação no celular?  

Ilustração de Renata Costa, na Revista Arco, da UFSM

Onde está a nossa concentração?

Cada vez mais, impulsionados pelas mudanças tecnológicas, sentimos a necessidade da interação constante e ininterrupta, com algo ou com alguém, o que vem sendo motivo de preocupação por parte de estudiosos de diversas áreas.

O texto de Julian Fuks, intitulado O medo do silêncio e o vício da informação desenfreada, chama a atenção para esse nosso atual incômodo com o silêncio e a consequente dificuldade de concentração. Até mesmo o silêncio de trinta segundos de uma pessoa com quem conversamos em uma rede social e já visualizou nossa mensagem pode nos trazer aflição.

Escrevendo este texto, mesmo, tive de parar, fazer outras coisas, voltar. Às vezes, sentia até uma preguiça de voltar pra frente do computador pra seguir na escrita, mesmo adorando escrever. 

O ato da escrita, a princípio, sempre foi solitário, necessitando de um isolamento físico e mental para que nossos esforços se voltassem para a transposição das inspirações em palavras.

Porém, cada vez mais, estamos distantes desse “momento ideal”, já que os nossos mundos externo e interno se inquietam e quase nunca resistem aos estímulos que nos rodeiam, do mundo real e virtual. Aliás, o virtual vem se tornando cada vez mais o mundo real. 

Como nossa escrita, atualmente, ocorre prioritariamente em dispositivos conectados à internet, é bem comum perdermos a concentração por conta de passeios que fazemos entre as janelas do computador, do tablet ou do celular, conforme demonstra a ilustração do início deste artigo.

E esse é um fenômeno que ocorre também entre leitores, cada vez mais dispersos nesse mundo ubíquo e conectado. Olha aí. Já está você, meu leitor, indo ver a mensagem que te mandaram no WhatsApp. Tá, tudo bem, eu sou paciente. Eu, mesmo, fiz isso agora. Mas peço que volte ao texto, pois ainda nem entrei no ponto principal.

A escrita acadêmica e seu rigor

Claro que, como pesquisador, não posso ignorar que os gêneros textuais que permeiam nossas vidas têm diferentes níveis de formalidade, exigindo de escritores e leitores um compartilhamento e uma aceitação de regras para que o ato comunicativo aconteça de maneira eficiente. 

E também sabemos que a escrita acadêmica sempre se mostrou uma das mais exigentes quanto à formalidade, sendo representada por termos técnicos que, na maioria das vezes, em vez de difundir a ciência, acaba por enclausurá-la no domínio dos poucos “escolhidos” que comungam da mesma “seita”.

Só que todo gênero textual evolui. Então, será que não está na hora de os textos acadêmicos levarem em conta essa nova realidade de leitores e escritores, que precisam estar mais ativos para contribuir e inserir o seu tijolo nessa construção científica? 

Outro dia, escrevi um texto sobre a importância da ciência e as novas formas de divulgação do conhecimento científico. Vale a pena dar uma olhada para prosseguirmos nesta conversa.

Com certeza, um crítico já viria aqui dizer: “Ah, Tiago, então agora você quer anarquia na escrita acadêmica? A ciência precisa ser séria e a seriedade pressupõe formalidade!”. Respeito essa opinião, como toda e qualquer divergência. Críticas são sempre bem-vindas!

Mas você, meu querido crítico, nunca teve de ler um texto acadêmico digitando no Google certos termos que você não entendia? Ou nunca viu nas livrarias livros do tipo “Como entender Fulano” ou “Cicrano para iniciantes”? Ou, então, você nunca foi a uma palestra em uma universidade em que quase dormiu pela falta de clareza do palestrante ou impossibilidade de interação com aquilo que era dito? 

Bom, desculpa se fui duro com você, crítico, não era a minha intenção. Quis apenas mostrar, por meio desses exemplos, que estamos em um momento de mudanças físicas, em que nossos cérebros constroem ligações de forma diferente de antes. Por isso, precisamos trazer novidades e implementar mudanças no meio acadêmico e em toda a nossa educação. 

A relação cumplicidade e interação

Não defendo aqui que deixemos de lado a formalidade dos textos e todos os gêneros passem a ser informais. A questão central está na interatividade com o(a) nosso(a) leitor(a) e na aplicabilidade das teorias discutidas no mundo real. Para que essa conversa ocorra com um número cada vez maior de interlocutores, temos que conhecer o público, tentar prever quais são seus anseios e suas dificuldades.

Assim, fica claro que utilizar jargões ou termos próprios de uma classe de cientistas acaba impossibilitando diálogos, trocas, interatividade. Por mais que as discussões teóricas sejam indispensáveis em diversos setores acadêmicos, elas não podem descartar a prática, o mundo real, pois correm o risco de serem infrutíferas, rasas e efêmeras.

Vejam: este texto, apesar de tratar de um tema importante e utilizar uma linguagem formal na maior parte do tempo, busca interação, cumplicidade com o(a) leitor(a). Entendemos como interatividade essa possibilidade de conexão entre leitor(a) e escritor, um entendendo o outro, respeitando, aproximando-se. É aí que ocorre a conversa, a troca, o avanço da ciência. 

Libertemos o conhecimento

Retomando o início do texto, quantas vezes você parou para olhar seu celular desde o início da leitura? Teve de retomar trechos para voltar à concentração? Ou conseguiu, como grande guerreiro(a), ler do início ao fim sem interrupções? Conversemos nos comentários da página! Lá, temos a chance de interagirmos mais diretamente, trocando ideias e curiosidades. 

É possível, sim, que os textos acadêmicos sejam mais empáticos, agradáveis, claros, já que essas características não confrontam o rigor acadêmico. Quanto mais trocamos, quanto mais a teoria se aproxima da experiência das pessoas, maior o avanço.

O conhecimento não pode ficar preso em bordas de piscina. Sejamos rio, levando-o diretamente ao mar, acolhendo afluentes, de diferentes águas, diferentes origens. 

Tiago da Silva Ribeiro

Professor do Magistério Superior no Instituto Nacional de Educação de Surdos nas disciplinas de Língua Portuguesa e Tecnologias da informação e comunicação. Tem experiência em turmas do ensino fundamental e médio, além de já ter atuado na modalidade on-line como mediador, orientador de trabalhos finais de curso, desenhista educacional, professor-autor e coordenador de curso. Seu Doutorado em Letras é pela PUC-Rio e teve como tema de trabalho o Internetês. 

Recentemente, organizou, junto à professora Tania Chalhub, o livro “Reflexões de um mundo em pandemia: educação, comunicação e acessibilidade”, disponível gratuitamente no site da Editora Ayvu.

Referência

FUKS, Julian. O medo do silêncio e o vício da informação desenfreada. Ecoa Uol, 21 ago. 2021. Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/julian-fuks/2021/08/21/o-medo-do-silencio-e-o-vicio-da-informacao-desenfreada.htm. Acesso em: 23 set. 2021.

KLEIN, Esther. Teletrabalho e ensino à distância na pandemia: quais são as consequências? Revista Arco, Santa Maria, RS, out. 2020. Disponível em: https://www.ufsm.br/midias/arco/teletrabalho-ead-pandemia/?amp. Acesso em 22 set. 2021.

SANTAELLA, Lucia. Desafios da ubiquidade para a educação. Revista Ensino Superior. ed. 04 abr. 2013. São Paulo: Unicamp, 2013. Disponível em: http://www.revistaensinosuperior.gr.unicamp.br/edicoes/edicoes/ed09_abril2013/NMES_1.pdf. Acesso em 23 set. 2021.