A volta às aulas é um momento cercado de muitas expectativas, seja por parte dos pais dos alunos, dos próprios alunos ou, é claro, dos professores. É um novo ciclo que se inicia, uma nova turma, novas demandas, ao lado de outras nem tão novas assim, e tudo isso embalado em um tempo que parece passar cada vez mais rápido a cada ano. Nesse momento inicial, uma das principais atividades que surgem é a produção textual.

Seja em turmas de alfabetização ou mesmo em turmas dos anos finais do ensino fundamental, tal prática, apesar de tão corriqueira, ainda traz, em algumas circunstâncias, uma abordagem que precisa ser repensada. 

A indicação da folclórica redação sobre “minhas férias” já não é suficiente (algum dia foi?), ainda mais quando estamos falando de alunos que estão voltando de um período pandêmico de dois anos. Então, por onde ir?

Avaliação diagnóstica: um movimento fundamental

Uma clareza que é preciso ter sobre a produção textual do início do ano letivo é sobre sua principal função: diagnosticar a turma com a qual a professora ou professor acabou de entrar em contato.

Enquanto as produções textuais indicadas ao longo do ano letivo têm mais o caráter de avaliar o percurso da turma e perceber se os caminhos pedagógicos escolhidos foram os mais apropriados, a produção de começo de ano tem como diferencial, mais do que apenas avaliar, indicar um percurso para determinada turma.

É através da avaliação diagnóstica que os professores vão identificar o nível de letramento da turma, quais as principais lacunas formativas, quais conteúdos já estão dominados pela maioria e quais precisam ser reforçados, enfim, é a partir da avaliação diagnóstica que os professores poderão, com mais consistência, planejar seu ano letivo a partir das demandas reais que os alunos trazem.

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Embora possa parecer um movimento simples, é na avaliação diagnóstica que o docente exerce sua verdadeira autonomia pedagógica, pois, em vez de apenas reproduzir um planejamento engessado direcionado a alunos abstratos, ele estará pensando em como organizar seu trabalho a partir daquela turma que está diante dele. 

Todo professor sabe que em uma mesma escola, em turmas do mesmo ano de escolaridade, é possível encontrarmos realidades bem discrepantes.

Pode ser que em uma turma os alunos tenham maiores dificuldades com ortografia, em outra pode ser que a coesão textual seja um ponto que mereça mais atenção e pode ser que em alguma turma, do mesmo ano, seja necessário trabalhar todos os fundamentos do processo de escrita. Faz parte.

No final das contas, exercer a docência não é apenas cumprir um currículo, encher um quadro ou dar vistos em caderno; mas construir uma prática verdadeiramente dialógica que tenha como suporte o currículo da unidade escolar e os materiais didáticos, mas que nunca perca de vista que o principal objetivo do professor é desenvolver os saberes com os alunos a partir de suas demandas reais.

Ainda que esses saberes não correspondam necessariamente ao esperado para determinado ano de escolaridade.

Primeiro passo: uma produção textual significativa

Uma vez que foi definido que a produção textual de início de ano letivo deve se preocupar primordialmente com a avaliação diagnóstica do aluno, cabe agora pensarmos no gênero textual mais pertinente para exercer esse diagnóstico. 

Evitando a já mencionada e malfadada redação sobre as férias, uma sugestão bastante eficaz é a indicação da produção de uma carta de apresentação, através da qual o aluno poderá se apresentar para a turma, ao mesmo tempo que, para o professor, expõe como está o desenvolvimento de sua escrita. 

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O professor pode começar compartilhando com a turma, no quadro, um breve texto se apresentando. Ele primeiro escreve dois parágrafos e, em cada um deles, apresenta algumas informações.

Por exemplo, no primeiro parágrafo diz: nome, idade, em que cidade ou bairro mora e o que gosta de fazer no tempo livre; e, no segundo parágrafo, poderia contar suas expectativas para o ano que se inicia. Esse momento é importante, pois, além de se apresentar e estreitar a relação entre aqueles que irão conviver por um ano, apresenta para os alunos um modelo de gênero textual.

Após sua apresentação, o professor pode indicar que, em seguida, é a vez dos alunos. Todos devem produzir dois parágrafos em seus cadernos, se apresentando e dizendo quais suas expectativas para o ano. Em seguida, os alunos podem ler esses textos e, ao final, o professor pode recolher as produções para analisá-las e identificar como está a escrita de determinada turma. 

Em todo esse movimento inicial, já foi capaz de reduzir uma possível timidez de alguns alunos diante dos novos colegas, serviu também para exercitar a oralidade através da leitura de cada um e, por último, será uma boa oportunidade de realizar a avaliação diagnóstica.

Cada etapa da produção textual, uma demanda

A sugestão da carta de apresentação como oportunidade para a avaliação diagnóstica pode funcionar em boa parte do Ensino Fundamental e também no Ensino Médio. Entretanto, é sempre importante lembrar que as especificidades de cada turma sempre precisam ser reconhecidas nesse processo. 

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Em turmas em que produzir dois parágrafos pode ser insuficiente, o professor pode ampliar o tamanho do texto, exigindo novas informações dos alunos. Pode ocorrer também de ser necessário reduzir o texto para apenas um parágrafo. 

Em alguns casos, ainda assim não será possível encaminhar a proposta, principalmente levando em conta os anos iniciais; nesse caso, o professor pode propor a produção de uma carta de apresentação coletiva, na qual ele escreverá o texto no quadro a partir das informações trazidas pelos alunos, compondo, assim, um texto de apresentação de toda a turma, enquanto o professor avalia como os alunos estão se posicionando e contribuindo com a produção textual.

Posteriormente, esse breve texto de apresentação da turma pode ser exposto na porta da sala de aula, movimento que pode ser feito em diversas turmas e, assim, incentivar a curiosidade e diálogo entre os alunos a partir de uma produção escrita, o que ratifica a importância em situar socialmente os textos trabalhados em sala de aula.

Escrever é reescrever

Uma ideia ainda muito presente no senso comum escolar, em parte motivada pelas imposições de processos seletivos, é de que a escrita de um texto precisa ser um processo rápido, ou seja, em poucos minutos o aluno deve ser capaz de produzir alguns parágrafos de modo bem objetivo, seja lá qual for o tema ou gênero textual. 

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O grande equívoco dessa compreensão é desmerecer a subjetividade inerente à escrita discente e desconsiderar que a reescrita é parte fundamental da produção textual.  Motivos pelos quais é sempre importante lembrar que a escrita escolar é mais do que a elaboração de um produto com vistas a uma nota, mas a oportunidade em ampliar as capacidades comunicativas em diferentes gêneros e suportes.

Diego Domingues

Graduado em Letras (UFRJ), mestre em Educação (UERJ) e doutor em Linguística Aplicada (UFRJ). Atualmente é professor de língua portuguesa no Colégio Pedro II.