Estamos, mais do que nunca, na era das Fake news (notícias falsas, na tradução do inglês) e não são poucos os estragos e desgastes que elas podem provocar em vários âmbitos: político, social e, mesmo, pessoal. 

Uma mentira dita muitas vezes acaba virando uma verdade. Uma frase de uso frequente, mas que é contraditória na sua própria acepção: ela não representa algo verídico por mais disseminada que tenha sido. Um fato mentiroso, contado e replicado inúmeras vezes, apenas torna-se algo extremamente perigoso e difícil de se refutar.

O que são Fake news

Em 2018, por ocasião do 52º Dia Mundial das Comunicações Sociais, celebrado em 13 de maio, o Papa Francisco enalteceu a importância da comunicação humana, classificando-a como “uma modalidade essencial para viver a comunhão”.

Comunicação apenas possível e cumpridora deste objetivo quando intrinsecamente aliada à veracidade. Por isso, as fake news são tão prejudiciais. Algo a respeito do que muito se fala, mas que talvez nem todos saibam do que se trata.

São criadas por pessoas ou até mesmo empresas, geralmente desenvolvidas especificamente para disseminar estas informações, utilizando a metodologia de manipular algoritmos que alcançam maior audiência dos seus destinatários.

Além do quase onipresente objetivo financeiro, muitas vezes, a disseminação das fake news visa também à obtenção de vantagens de várias ordens, notadamente políticas/eleitoreiras. 

Como funciona a disseminação dos fatos inverídicos

As fake news podem surgir por meio de pessoas, empresas ou bots – programas que simulam ações humanas de maneira repetida.

A partir daí, a engrenagem é efetivamente ativada graças ao compartilhamento incessante de uma informação a respeito da qual as pessoas não checaram a veracidade.

O mais “interessante”, para não dizer assustador, é que elas chegam a se espalhar 70% mais rápido do que notícias verdadeiras, de acordo com estudo publicado por cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), dos Estados Unidos, em março de 2018, na revista Science.

Segundo eles, cada postagem verdadeira atinge, em média, mil pessoas, enquanto uma falsa pode chegar a até 100 mil. Esses padrões de disseminação detectados pela Science foram os mesmos em diversos países de língua inglesa, podendo ser aplicados a publicações de outros idiomas, da mesma forma. 

Por que as Fake News acontecem?

Uma conclusão deste mesmo estudo da Science pode ser surpreendente: informações falsas ou verdadeiras são replicadas na mesma proporção pelos robôs, quando são eles que o fazem. Não seriam as máquinas, portanto, os grandes determinantes da disseminação maior das primeiras.

Quem seriam, então, os responsáveis por isso? Exatamente eles, os humanos. Outra revelação: os usuários que mais espalham notícias falsas não são exatamente os contemplados com maior número de seguidores. No Twitter, por exemplo, o grupo descobriu que os usuários com menos seguidores, menos ativos e com menos tempo de atuação são os que mais compartilham inverdades.

Ferramentas para o combate das Fake news

Antes de mais nada, a regra básica: antes de compartilhar, verifique. Como checar a veracidade? Primeiramente, certifique-se que a fonte responsável pela divulgação da notícia é crível e se os grandes meios de comunicação estão repassando a informação recebida.

Além disso, algumas das principais redes sociais e sites também possuem seus métodos, sendo a informação apresentada em forma de texto ou foto.

Twitter

Sendo texto, primeiramente, deve-se procurar o assunto por palavras-chave e, assim, descobrir quais sites, pessoas e meios de comunicação o abordam. Se as informações forem escassas e não surgirem em nenhum site ou rede conhecida, há motivos para suspeitas.

Google Images

O usuário faz o upload de uma fotografia e pesquisa se existem imagens iguais às já publicadas em outros locais, com contexto e datas diversas. O fato de não encontrar resultados não significa que a imagem seja verdadeira, é importante ressaltar. Trata-se, entretanto, de uma forma de checar a veracidade, inicialmente.

InVID

Plugin disponível no Google Chrome e no Firefox. Consegue indicar a localização original de uma imagem ou vídeo, sua data de criação, miniaturas e quadros-chave. 

TinEye

Site que permite verificar se as imagens que circulam são duplicadas e, se for o caso, em que sites estão publicadas. A única desvantagem é que seu banco de imagens é menor do que o da Google.

Facebook

Ao pé das notícias partilhadas no feed, um pequeno “i” aparece. Ele redireciona para fontes como a Wikipédia e agências de notícias que permitem obter mais contextos sobre a fonte que publicou aquele artigo.

Iniciativa pernambucana contra Fake News premiada pelo Google

No Brasil e no mundo, já há um significativo panorama de iniciativas e pesquisadores visando à desarticulação ou à inativação dos diversificados sistemas de veiculação das fake news. 

São agências, serviços de checagem ou automatização, a exemplo do Projeto Comprova, Aos Fatos, Agência Lupa, Estadão Verifica, Boatos.org. Internacionalmente, há exemplos como o  Latam Chequea, International Fact-Checking Network (IFCN). 

Em Pernambuco, um projeto desenvolvido para combater a onda de notícias falsas durante as eleições presidenciais, em 2018, vem ganhando destaque. Parceria da Unicap com o Sistema Jornal do Comércio e Comunicação, o app “Verifica.Aí” foi desenvolvido pelos professores Dario Brito e Anthony Lins e pela jornalista e então aluna do mestrado de Indústrias Criativas, Alice de Souza.

Inicialmente, a ferramenta – simples e de fácil manuseio –  funcionava da seguinte forma: bastava selecionar a informação desejada, colar o link na área destinada e clicar no botão “verificar”. Em poucos segundos, obtinha-se a comprovação da veracidade da notícia. 

Remodelado para utilização nos próximos processos eleitorais e comunicacionais, em 2020 passou a se chamar “Confere.AÍ”. Tornou-se, então, um medidor de características da desinformação por meio do uso de inteligência artificial para avaliação de links e textos noticiosos.

O resultado é o apontamento do conteúdo como tendo muitas ou poucas chances de ser enganoso. A primeira versão, criada para fins de pesquisa, existiu em formato de aplicativo para IOS e Android. A segunda é disponibilizada via web, sendo responsiva para celular. Até agora, já recebeu mais de 4 mil conteúdos (inputs) para verificação. 

Em 2019, ainda como Verifica.Aí, o projeto foi um dos contemplados pelo Desafio de Inovação do Google News Initiative, ficando entre os 30 vencedores. O evento teve a participação de mais de 300 empreendimentos de toda a América Latina.

De ferramenta para livro: O Grande Boato 

As experiências com as plataformas citadas, além da consequência fatal para uma vítima de fake news no estado de São Paulo, estimularam a jornalista Alice de Souza a ir além destas práticas.

No livro O Grande Boato, lançado em julho deste ano, Alice detalha a sua trajetória na criação das ferramentas e os caminhos que a levaram para essa escolha. Os exemplares custam R$ 20 e estão disponíveis em e-book na Amazon. Assinantes da plataforma Kindle Unlimited têm acesso ao material de forma gratuita. 

Alice conta como aconteceu a transposição de plataformas. “Quando apresentei o projeto do mestrado, em março de 2019, me sugeriram transformá-lo em livro. Precisei, entretanto, descansar e respirar. Depois, veio o lockdown, a minha saída do jornal onde trabalhava, em março de 2020, e só depois comecei a estruturar o livro”, informa. 

A diferença de linguagem entre os dois produtos exigiu uma espécie de retrabalho. “A linguagem acadêmica é muito dura, requer uma série de regras que não se aplicam à realidade prática. Então, revisitei o que fiz, reli tudo, busquei acrescentar casos de impacto da vida real e lembrar das inquietações que tinham me levado a pensar sobre o tema.

Vi também, as mudanças acontecendo ao meu redor e como isso dialogava com a prática. O texto, portanto, passou a ser incorporado com o pensar desse momento, em um contexto da pandemia. O que queria era não deixar minha pesquisa morrer na biblioteca da academia”, explica.

O jornalismo em tempos de Fake news: entrevista Alice de Souza

De acordo com a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), 2020 foi o ano mais violento para os profissionais desde o início da década de 1990. Foram 428 casos de ataques e dois assassinatos, o que representa um aumento de 105,77% em relação a 2019. 

Algo bem significativo de um momento em que trabalhar com o fazer genuinamente jornalístico representa uma verdadeira batalha contra as notícias falsas e suas consequências.

Entrevista Alice de Souza

* O que te motivou a pensar sobre as Fake News, desde o início do mestrado? 

Quando isto aconteceu, em 2017, foi muito em função das eleições de Trump. Na época, a pesquisa sobre o assunto era muito incipiente, com a maioria das pesquisas apenas em inglês. Desde então, entretanto, a gente viu esse fenômeno mais próximo.

Existia muita dúvida, medo. Então, quis utilizar as eleições de 2018 como estudo e espaço de teste. De lá para cá, a proximidade aumentou. Depois, discursos oficiais copiaram essa prática informativa como método.

A pandemia, posteriormente, deixou ainda mais claro o potencial danoso desta prática, como prejudica nossa vida. Por outro lado, as agências de checagem se solidificaram enquanto espaços de prestação de serviços para a sociedade. 

*Acha que avançamos no combate às Fake news?

Acho que parte da sociedade ainda carece muito de alfabetização midiática. Não sabemos o exato potencial da comunicação por um smartphone, os riscos diante do que passamos adiante. Neste sentido, estamos ainda muito inertes.

A pandemia, por sua vez, trouxe a necessidade de maneira mais clara de pensar como é importante encontrar mecanismos quanto à questão da desinformação. Daí a não publicar, são “outros quinhentos”, como se diz.

*Quais são estes “quinhentos”?

O fenômeno da desinformação não é só comunicacional, mas também como enxergamos a realidade, em que há uma alteração da lógica de espaço e tempo vigentes que tínhamos até então. Vem sendo tudo muito mais rápido do que outros fenômenos disruptivos anteriores, como a Revolução Agrícola ou Industrial.

Antes, ligávamos a TV no final da noite para saber das notícias. Hoje, tudo chega a todo momento, então produzir conteúdo ficou mais barato e acessível. A questão espacial alterou-se e podemos, a qualquer instante, acessar conteúdos da China, Austrália, sem precisar ir a bibliotecas ou outros países.

É uma ruptura, também, com a forma como entendemos política e economia. Passamos a acessar instituições que passam a ser mais visíveis e, portanto, questionadas. Vivemos a descrença delas, de forma que as pessoas passam a acreditar na dicotomia do bem e do mal da sociedade.

Elas param de enxergar a partir de espectro de complexidade, de vislumbrar nuances, achando que tudo é notícia, quando nós, jornalistas, sabemos que notícia e sua construção é um processo, não um produto. Além disso, tem a questão de se espelhar e consumir notícias mais pela emoção do que pela razão.

Com isso, as pessoas se prendem e confiam em quem é mais próximo, frequenta a mesma igreja, torce pelo mesmo time. Tudo pela necessidade de segmentar nosso grupo no universo de pessoas desconhecidas. 

*Qual, na sua opinião, é a responsabilidade ética e social que transcende as forças do mercado de empresas como Google, Facebook e Twitter no combate às Fake news?

A gente tende sempre a procurar soluções fáceis para problemas difíceis. Achamos que produção de fake news será resolvida de uma única forma, com a criação de uma ferramenta ou lei, mas este é um problema complexo e, como tal, requer envolvimento de todo mundo.

A ponta das big techs que mais vemos são as redes sociais. Sempre tendemos a pensar que o problema poderia ser resolvido, caso elas mudassem suas políticas. É importante lembrar, entretanto, que elas atendem a um princípio comercial, como todas as empresas.

Antes, as pessoas ganhavam dinheiro com bens e serviços. Hoje, ganha-se com dados, que passaram a ser itens vendáveis, muitos deles fornecidos pelas redes sociais.

Elas, entretanto, precisam agir porque o fenômeno de disseminação de notícias falsas deixou de ser tecnológico. Virou social, causando até mortes. Em resumo, as big techs são parte do problema e têm que ser enxergadas como tais, mas a solução não chegará apenas das mudanças que possam vir delas. É preciso também haver interesse policial, educacional, político e econômico atrelado a isso. 

Patrícia Monteiro de Santana 

Jornalista formada pela Universidade Federal de Pernambuco em 2000. Com atuações em veículos como TV Globo, Revista Veja e Diário de Pernambuco, além de atuante em assessoria de comunicação empresarial, cultural e política.