Paulo  Reglus  Neves  Freire  (1921/1997),  Patrono  da  Educação  Brasileira,  é  um  dos educadores  mais  lidos  e  citados  no  mundo.  Este  ano  completaria  100  anos  e,  por  isso, celebramos  a  vida  e  a  obra  desse  pernambucano,  de  Jaboatão,  que  cursou  Direito  em Recife, mas nunca exerceu essa profissão, preferiu atuar na educação e, com ela, lutar por um mundo mais justo e digno para todos. 

Sua  vasta  obra  –  mais  de  35  livros,  traduzidos  para  mais  de  40  idiomas,  35  títulos de Doutor  Honoris  Causa  de  diversas  Universidades  do  mundo,  ensaios,  publicações, assessoria e participação em projetos de diversas naturezas – traduzem um pouco porque ele é considerado um pensador extraordinário. Freire, ainda menino, rabiscou no chão do quintal da sua casa as primeiras letras do alfabeto, mas antes que pudesse ler as palavras, aprendeu a  ler o mundo.  

Desde cedo, começou a compreender as imensas desigualdades à sua volta, percebendo que alguns tinham muito e muitos não tinham nada. Essa reflexão inicial o inspirou a lutar incansável e permanentemente pela justiça social e pela liberdade.

São muitos os episódios marcantes na vida de Freire, o mais conhecido deles foi a sua experiência em Angicos (1963), cidade do Rio Grande do Norte, onde alfabetizou em 40 horas cerca de 300  trabalhadores rurais, uma  revolução na história do nosso país e da educação brasileira, o que o levou a ser  considerado o maior educador popular pela criação de uma metodologia inédita de alfabetização de adultos, utilizada ainda em vários países.

Exílio, conhecimento e obras ricas

Porém, essa experiência é pausada pelo golpe empresarial militar de 1964, assim, o que era um projeto de desenvolvimento virou, aos olhos dos militares, subversão. Freire foi preso e exilado.

Viveu 16 longos anos no exílio e, em função disto, esteve  na  Bolívia, Chile, EUA, Suíça e diversos países da África, conhecendo outras realidades, atuando com diversos grupos e culturas e vivendo a saudade imensa da sua gente e da sua terra. Freire escreveu no exílio boa parte de sua obra.

Pedagogia do Oprimido, seu livro mais importante, termina em 1968 e publica-se originalmente em espanhol, mas só em 1974 no Brasil.

Nele, Freire apresenta um diagnóstico incontestável sobre as desigualdades no país e na educação, denunciando o processo bancário do ensino, onde o que vale é o conteúdo e não a aprendizagem, os valores morais e éticos. Apesar das notáveis contribuições, Freire é alvo de ataques ferozes, em especial, por alguns grupos que discordam das suas ideias, pesquisas, trabalhos e de sua concepção sobre Educação..  

Educação: um ato político


A perseguição a Freire se dá por sua posição política, já que defende que não há educação neutra e que todo ato pedagógico é um ato político. Para ele, se formos apresentados a uma educação libertadora, não seremos mais submetidos aos abusos e manipulações a que o capitalismo nos mantém.

Por essa convicção, referência da pedagogia crítica, defendeu que o pensamento crítico era fundamental para uma mudança social e o diálogo a base para uma relação horizontal, onde educador e educando aprendem e ensinam juntos.

Conceitos como autonomia, liberdade, direitos sociais são as bases para um debate dialógico impulsionar a conscientização. Para isso, considera que o contexto é fundamental para estabelecer um currículo transformador no qual a participação é condição para a mudança social.

Estes aspectos são permeados pela ideia de que homens e mulheres podem ser donos de suas próprias vidas, no sentido de serem fazedores das suas histórias, não mais vítimas da sociedade, desse modo, para mudar a realidade, é necessário ação, uma ação transformadora.

No entanto, a realidade desigual e opressora precisa ser enxergada com criticidade e com a possibilidade de uma  atuação nos grupos e coletivos em direção à humanização.

Por isso, somos tod@s parte de um processo coletivo de aprendizagem e conscientização, coautores na busca pela construção de uma nova realidade social. 

“O  homem  não  pode  participar  ativamente  na  história,  na  sociedade,  na transformação  da  realidade  se  não  for  ajudado  a  tomar  consciência  da realidade e da sua própria capacidade para transformar […]. Ninguém luta contra forças que não entende, […] A realidade não pode ser modificada senão quando o homem descobre que é modificável e que ele o pode fazer. (Paulo Freire. Pedagogia do Oprimido).”

Democracia e liberdade para ensinar

Para nós, professores que iniciamos com tantas dificuldades um novo ano, depois de um ano desafiador, por conta da pandemia da covid-19, vale ressaltar a experiência de Paulo Freire, quando foi Secretário da Educação, em São Paulo. 

Junto aos professores, pais, alunos e equipes escolares, propuseram e realizaram uma administração democrática, participativa e dialógica, que fez com que aquele momento se tornasse referência para todas as redes de ensino do Brasil. 

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Ainda hoje, sua atuação é lembrada por todes que experimentaram coletivamente aquela proposta inovadora. Por isso, educadores, não nos calemos para que possamos construir, amorosamente, em nossos espaços coletivos, uma vida mais bonita e digna. Que a luta não nos abata, mas nos motive a (re)conquistar nossos direitos. Paulo Freire vive! Viva Paulo Freire!

Lisete Regina Gomes Arelaro

É Pedagoga e Doutora em Educação. Fez parte da equipe do Prof. Paulo Freire na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Atualmente, é Professora Titular Sênior da Faculdade de Educação da USP, e pesquisadora na área de Política   Educacional,   Planejamento   e   Avaliação   Educacional,   Financiamento   da Educação Básica e Educação Popular.