Toda vez que recebo um sexto ano, é um momento empolgante. Identifico sempre aquela energia explosiva, numa mistura muita específica entre o tempo de “criançar” e o tempo de “adolescer”. Segundo o lúcido e bem humorado Leandro Karnal, historiador e também professor, dar aulas num 6º ano nos capacita para “fazer qualquer coisa no planeta Terra”. Desvio padrão à parte, gosto de sempre iniciar o ano letivo dos 6º anos propondo a dinâmica “Onde está a Matemática?”.

Vou trazer esse pequeno monólogo antes de continuar a dinâmica:

Os números governam o mundo.

Platão 

       – Professor! Eu, eu, eu! Onde está a Matemática no café?

      – No tamanho da xícara ou do copo, no diâmetro do pires, no volume métrico do recipiente ou na sua capacidade líquida, na proporção entre a quantidade de pó e de água no preparo, na seleção, classificação e quantidade dos grãos, no tempo da torrefação, na quantidade de açúcar ou adoçante …

      – Peraí! Peraí! Deixa comigo! Agora, quero ver! E nos nossos sonhos?

    – No reconhecimento de padrões, na proporcionalidade dos eventos neles ocorridos em relação às suas preocupações diárias ou projetos desejados, no tempo de sono …

       – Ah, não! Vixi! Tem Matemática pra todo lado!

A coisa funciona mais ou menos assim: seleciono uma série de imagens para aquecer o pensamento dos estudantes e, a cada uma delas, vamos todos comentando o que podemos perceber da matemática ali envolvida.

De repente, faço um suspense, e extrapolo a brincadeira: “Agora, vocês vão me desafiar a identificar a matemática onde, quando e no que imaginarem!”.

Essa brincadeira é cativante. A maioria participa e um tsunami de indagações surge para tentar me afogar. E quanto mais escapo e os surpreendo, revelando especificidades dos meandros matemáticos, mais instigantes são as proposições apresentadas.

Ao final, somos todos preenchidos com a sensação indestrutível da importância dessa ciência em nossas vidas.

Matemática como ciência

Ciência, claro. Um dos caminhos prediletos de muitos estudantes. Um campo fértil para apresentarmos as raízes matemáticas que sustentam e consolidam suas leis e teorias.

Genética e combinações, Química e Geometria Molecular, Física e Vetores, Astronomia e o infinito, Biologia e as grandezas infinitamente pequenas, Engenharia e as mais diversas medidas, Arquitetura e proporções… Um “multiverso” de exemplos podem ser movimentados!

Movimento. Evidente, esportes! Quanta coisa para explorar: tipos, regras, medidas, conquistas, premiações, recordes, desempenhos, tabelas, gráficos, intercâmbio, cronograma, rotina, alimentação, saúde, beleza, padrões!

Ótima emenda. Leonardo Da Vinci e o Homem Vitruviano! A arte dando origem à Geometria Projetiva. Kirigami, as transformações geométricas no plano dando origem à arte. A música e as frações. A pintura e as formas geométricas.

A fotografia e o enquadramento. A literatura e a lógica narrativa. A poesia e a métrica. A dança e a contagem através de potências negativas. O slam e a comparação numérica. O teatro e as incógnitas. Tantas conexões possíveis!

Leia também: Reflexões sobre o ensino remoto de matemática.

Matemática aplicada a tudo

Conexões! Wi-fi! Internet! Celular! Sistema binário! Cotidiano! A matemática em nossa rotina. Atividades e gestão de tempo. Vestimentas e princípio multiplicativo de contagem. Produtos e códigos de barras. Computadores e armazenamento de dados. Televisão e faixa indicativa, identificação de emissora, senha de conteúdos especiais. Transportes, trânsito, consumo, pagamentos, números por toda a parte.

  • Moda e formas geométricas
  • Natureza e padrões, geometria fractal, razão áurea e o famoso Pi
  • História e sistemas numéricos
  • Gastronomia: medidas convencionais e inusitadas
  • Brincadeiras e contagens; jogos, estimativas e probabilidades
  • História da Matemática e curiosidades. Artur Ávila, nosso medalhista Fields e os sistemas dinâmicos
  • Matemática Recreativa: xadrez, uno, tetris, sudoku. Malba Tahan e o encanto literário de complexos problemas lógicos

PNLD 2021 – Objeto 1: Acesse a obra “Vamos Juntos, Profe – Matemática e suas Tecnologias“.

Possibilidades matemáticas, que tal?

São inúmeras as possibilidades para auxiliar os estudantes a “enxergar melhor o mundo através das lentes matemáticas”.

É óbvio, nesse intento, que algumas adversidades precisam ser enfrentadas. Uma delas é romper o mito socialmente construído da suposta dificuldade dessa área e esclarecer que todos são capazes de aprender matemática.

Aliás, já o fazemos desde o útero! Multiplicando, dividindo, adicionando e diminuindo o que for necessário para nosso desenvolvimento! A matemática é muito mais humana que robótica. E, resgatando Paulo Freire, “não há saber mais ou saber menos: há saberes diferentes”.

Outro dilema importante é reconhecer que a formação em nossa profissão é contínua e ininterrupta. E que atuação em sala de aula demanda, além de uma enorme responsabilidade, um engajamento apaixonado: é preciso manter o brilho nos olhos, mesmo diante dos complexos entraves e desafios diários. É bom sentir aquele “friozinho na barriga” diante de toda turma nova que chega.

Leia também: 18 dicas para o ensino da matemática.

Nesse caminho, é preciso investir em aulas diferenciadas: usar a areia da praia ou a terra dos terrenos próximos às escolas como lousas infinitas e laboratórios a céu aberto; promover jogos, debates; estudos de meio; aulas nos supermercados e nas feiras livres; realizar pesquisas nas ruas; executar medições pelos mais diversos ambientes e realizar construções de plantas baixas e maquetes; brincar com os números!

Conclusão

 – Já sei, professor? Não tem Matemática nos sentimentos!

– Será? O que acontece com as batidas do seu coração quando o “crush” se aproxima, hein?

– Ah, meu Deus! Tá bom!

O que realmente almejo, com  essa brincadeira e com outras propostas que busco proporcionar, é que, ao longo da convivência com meus alunos, eles possam acrescentar, em suas listas “de onde está a Matemática”, a resposta de que ela também está em memórias felizes e inesquecíveis de seus tempos de escola.

Rogério Ramos Vidal 

É engenheiro, licenciado em matemática, com especialização em “Novas tecnologias no Ensino da Matemática”. Atualmente, é professor de matemática dos anos finais do Ensino Fundamental, nas redes pública e privada do município de Santos – SP., tendo experiência também com formação de professores e assessoria pedagógica.