O humano é, em essência, um ser gregário. É fato que ele precisa da companhia, da proximidade e, na maioria das vezes, de alguma forma de anuência por parte dos seus semelhantes quanto aos seus comportamentos, pensamentos, atitudes e até sentimentos. Ele precisa ser aceito e compreendido dentro das suas bolhas de informação.

Diante da diversidade e da complexidade das inúmeras características de cada pessoa espalhada pelos quatro cantos do mundo com suas múltiplas culturas e modos de pensar, é natural que uma convergência universal seja uma impossibilidade.

Como conjugar, então, a necessidade humana de aceitação com a total falta de possibilidade de que estejamos todos, sempre, em comunhão de pensamentos? A união em torno dos que possuem maior grau de afinidade, a formação de grupos afins.

Isso é natural, espontâneo e até saudável no que tange às relações humanas, desde a infância. No mundo contemporâneo, entretanto, a formação desses grupos semelhantes acabou ganhando outra conotação quando se analisa o fenômeno das redes sociais e do surgimento das chamadas bolhas de informação.

Como surgiram as bolhas de informação?

De acordo com Carolina Dantas, professora do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), as bolhas de informação são típicas desta fase da internet em que as redes sociais são utilizadas como plataformas de relacionamento que interconectam pessoas.

“Ao promover esta interconexão dentro da plataforma, a informação circula por ali. Não apenas dentro dela, em si, mas, de forma mais restrita, entre grupos de sujeitos com interesses em comum, com alguma familiaridade, que acabam trocando sempre as mesmas informações.

Então, isso define a bolha: uma rede de contatos dentro de uma plataforma na qual o mesmo conjunto de informações é replicado, seja em função de interesses, afetos, sistemas de aprendizado, relações geográficas ou sociais. Como a informação é autorreferente e aparece repetidas vezes, parte-se do pressuposto de que são verdadeiras”, explica.

As redes sociais selecionam o que você irá consumir

Na “vida real”, nós nos relacionamos com quem tende a ser mais parecido conosco, que compartilha valores e interesses similares. Isso, entretanto, também vem acontecendo na internet e nas mídias sociais, tanto devido aos algoritmos quanto por escolha própria do usuário.

O universo online, entretanto, não deveria ser um espaço de debate público, um local de nos conectar com pessoas com quem não nos conectaríamos de outra forma, de receber informações que não chegariam a nós de outra maneira?

Carolina explica que, quando a internet emergiu enquanto fenômeno social, com o uso comercial doméstico no final da década de 1990, mas, principalmente, com a explosão em termos de números de usuário nos anos 2000, acreditava-se que ela traria um certo nível de liberdade para os sujeitos receberem informações do mundo inteiro, fazerem novas amizades, trocarem dados, terem acesso a camadas diferentes de informação.

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“O uso da rede, da forma que se configurou, entretanto, por meio de grandes empresas e corporações de mídia, acabou jogando todas as pessoas para meia dúzia de plataformas.

Globalmente, temos Twitter, Facebook, Instagram, Tik Tok, YouTube e Kawai, além do Snapchat. São as plataformas por onde a informação circula.

E o que acontece? Como são poucas, elas acabam fazendo com que o acesso aos dados seja configurado pelos algoritmos. Então, a gente não alcança, de fato, toda informação que está disponível na web. Tanto é que existe a internet de superfície e a profunda (deepweb) para a qual o acesso exige a capacidade de lidar com outras interfaces ou até mesmo de programar.

Então, esta verdade absoluta de que as conexões entre pessoas e a estruturação dos sistemas democráticos seriam melhores com a internet, não se configurou”, analisa Carolina.

E na mídia analógica, nós temos controle sobre o que consumimos?

Carolina compara, ainda, o alcance entre essas novas mídias e as analógicas. “Nestas, existe o controle de grandes veículos de comunicação. Nas digitais, o de grandes conglomerados de tecnologia e mídia que acabam centralizando tudo.

É muito difícil pensar numa certa utopia, em outras possibilidades para o uso da internet, porque na verdade a gente continua tendo sistemas bastante parecidos sob vários aspectos com o que era a hegemonia e o domínio da mídia tradicional sobre o sujeito”, afirma. 

Ela estabelece, ainda, outro nível de comparação. “Se eu pego como exemplo as mídias tradicionais, também há um recorte do real.

Um programa como Cidade Alerta, por exemplo, muitas vezes trata crimes que acontecem em São Paulo (ou eixo Sul-Sudeste de modo geral), que geram pavor, pânico. Do ponto de vista de relevância jornalística, entretanto, isto não é tão significativo para mim que moro em Recife ou em Rio Branco”, exemplifica.

Desinformação: A importância e o perigo das notícias em redes sociais

Atualmente, cerca de 60% dos usuários das redes sociais informam-se por meio delas. Isso quer dizer que, para mais de metade das pessoas, as notícias que consomem são as que querem ler, não necessariamente o que é importante saber. As redes sociais e a circulação de informação nelas cresce justamente em função desta busca.

“No Agreste ou no Sertão pernambucanos, por exemplo, há grupos de whatsapp de caráter noticioso em que circulam informações que seriam consideradas notícias sobre as regiões, mas que a grande mídia não traz. Então, a força das mídias digitais vem muito em cima disso.

Do que as pessoas querem ler, saber e julgam importante. Claro que não podemos considerar esse conteúdo desimportante, uma vez que há a busca ativa por ele. Não diria, entretanto, que isto necessariamente contribui para as fake news.

As notícias falsas nascem de sistemas de desinformação, de informação mal-intencionada ou mal pesquisada. Na maioria das vezes, deliberadamente compartilhadas por pessoas que estão ali, digamos assim, de peito aberto para receber conteúdo”, considera Carolina, complementando que o sujeito nas redes digitais não deveria ser passivo, consumindo tudo o que recebe. “O grande trunfo das mídias digitais deveria ser justamente a possibilidade de as pessoas questionarem e irem atrás”, complementa.

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Por que, entretanto, os usuários estão aceitando esses conteúdos tão passivamente, sem questionar nem verificar as informações recebidas?

“A bolha de informação, de comunicação, é furada se a pessoa for capaz de questionar não só os conteúdos que parecem verdade, mas tudo o que é recebido, estabelecendo um filtro. As pessoas não fazem isso por comodidade ou porque querem acreditar em informações que são deliberadamente inverdades, simplesmente porque ou são confortáveis para elas ou reforçam o seu modo de pensar.

O sistema da desinformação é cognitivo: quero acreditar em coisas que parecem ou não verdadeiras porque concordo com elas. Na verdade, entretanto, isto é o oposto da noção de verdade, que pode acontecer independentemente da minha crença ou postura a respeito dela. Qualquer coisa que não seja vista desta forma é negacionismo”, opina Carolina.

Quais são as possíveis consequências de estar imerso na dita bolha de informação?

Estar imerso em uma bolha de informação é um problema para o debate e para a democracia. Carolina defende que isso acontece porque dificulta o acesso a outras ideias e concepções. “O nosso modo de pensar, esteja correto ou não, baseado em fatos ou em fake news, é simplesmente reforçado na bolha. Só conseguimos ter acesso a outros modos de pensar que construam e permitam a elaboração do meu pensamento se conseguir acessar os conteúdos que, naturalmente, estarão fora dela”, reflete. 

A falta de confronto de ideias que desafiam nossa forma de pensar ainda ajuda a fortalecer posições radicais e cria uma forte polarização entre a população. “Na bolha há, de fato, o reforço de opiniões políticas que são radicais, da ignorância e da desinformação, de um modo geral. Eu poderia até dizer que existem bolhas “saudáveis”, com informação adequada e onde o debate circula.

Mesmo considerando a existência, entretanto, só vamos ter acesso a elas quando capazes de furar aquela na qual estamos dentro. Só assim teríamos como acessar o contraditório e o debate que são capazes de construir a esfera pública e a democracia plena”, acredita.

Escola, espaço comunitário e democrático construtivo

Estudantes conversando em sala de aula

Como trabalhar, então, a convivência entre universos distintos na instituição de ensino? De acordo com Claudinéa de Araújo Batista, pedagoga, mestre em Novas Tecnologias Digitais na Educação, começar uma resposta afirmando que estamos na era da informação é tão clichê quanto trazer para a discussão a necessidade da criticidade para o contexto social.

Afirma, portanto, que essa convivência é possível com os avanços tecnológicos, a capacitação e o engajamento dos professores no processo de educação midiática das crianças e dos jovens, por meio das habilidades de interpretação crítica das informações, da produção crítica de conteúdo e da participação responsável na sociedade.

“A formação docente é necessária, pois o professor tem um papel central na construção da cidadania e da cultura digital dos estudantes. Para que a cidadania aconteça de maneira plena, é preciso que haja a inclusão social, a educação midiática.

Dessa forma, a escola, por meio da gestão, fomenta as discussões pedagógicas com a sua equipe, incentivando leituras sobre o tema, pois a essência da educação midiática é justamente a leitura mais atenta, interrogando a informação em vez de apenas consumi-las”, explica. 

Prejuízos das bolhas para o ambiente escolar

Ambiente online construído pelos algoritmos a partir de nossas pesquisas na internet e diretamente ligada às informações consumidas na internet, a bolha de informação é construída a partir desse filtro do que pensamos, consumimos.

De acordo com Claudinéa, na instituição de ensino, isso se configura como um desafio diário. “Vivemos em bolhas construídas por nós mesmos e, muitas das vezes, não estamos abertos a novas opções, oportunidades e informações.

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Os jovens precisam entender que as redes são fontes de informação e desinformação, sendo um contexto bastante perigoso porque pode reforçar ainda mais certos pensamentos.

Dessa forma, faz-se necessário educar para a informação, ou seja, formar cidadãos conscientes, mudando inclusive a relação dos jovens com o conhecimento sendo esse um dos papéis fundamentais da escola e dos professores: preparar os estudantes para consumir da melhor maneira os ambientes online e off-line”, opina.

O papel do educador neste contexto

Claudinéa afirma que, em um mundo cada vez mais conectado, o papel do professor passa a ser também daquele que educa para a vida, mudando a relação do estudante com o conhecimento.

“Para que saibam aprender a aprender, promovendo a atuação do jovem de maneira direta na construção do conhecimento, uma criança ou um jovem midiaticamente educado torna-se uma pessoa apta a exercer a sua cidadania e liberdade de expressão, respeitando a diversidade de opiniões dentro e fora da internet”, afirma.

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Ela acredita, ainda, que tanto a seleção realizada pelos algoritmos das redes sociais quanto a elaborada pelo leitor são prejudiciais, porque limitam a forma como os fatos são contados, restringindo-se a um único ponto de vista. “Isso pode tornar as pessoas mais intolerantes com opiniões diferentes, porque elas passam a acreditar que estão sempre certas sobre todos os assuntos”, conclui a pedagoga.

Patrícia Monteiro de Santana

Jornalista formada pela Universidade Federal de Pernambuco em 2000. Com atuações em veículos como TV Globo, Revista Veja e Diário de Pernambuco, além de atuante em assessoria de comunicação empresarial, cultural e política.