Nestes tempos nebulosos em que muitos se munem, sem parcimônia, de um veneno chamado “disseminação desenfreada de fake news, o papel do jornalismo de qualidade pode funcionar como um verdadeiro antídoto. A atividade jornalística também precisa, claro, de constante aperfeiçoamento.

Cada vez mais, entretanto, tem sido vítima de ataques infundados com a única função de minar sua credibilidade e confundir as pessoas, facilitando a reverberação das notícias falsas. Principalmente neste cenário em que a internet deu vez, voz e poder de questionamento a tantos, especialmente, jovens.

Diante disso, como a educação pode auxiliar os estudantes quanto à detecção da notícia real e, no sentido inverso, como o jornalismo pode atuar?

Jornalismo e educação de mãos dadas

Jorge Lira, professor e doutor em Educação, acredita que, como essas temáticas do contexto social atravessam o currículo escolar, elas são pertinentes para se tornarem conteúdos de ensino, que precisam conversar com a sociedade, com o contexto social.

“A doutora em linguística Angela Kleiman afirma que todo professor(a) é professor(a) de leitura. Então, é papel de todos garantir que estas discussões apareçam.

O texto jornalístico é, em suas mais diversas manifestações, uma ferramenta importante para a desmistificação, reorientação e desmascaramento destes processos que usam das notícias falsas.

É de forma bastante sofisticada, para construir repertório ideológico que se aproximam muito com o projeto de sociedade que temos na atualidade.

Projeto de mentira, retrocesso, que que torna invisíveis pautas que garantiriam a democratização do direito de ir e vir das pessoas em suas mais diferentes configurações”, afirma.

Diretora de Redação do jornal Diario de Pernambuco, a jornalista Paula Losada também acredita na necessidade de diálogo entre educação e jornalismo.

“Mais do que nunca, a educação tem um papel fundamental no combate à disseminação das fake news. A desinformação é hoje um problema grave no Brasil e no mundo.

A disseminação das fake news

De acordo com uma análise de conteúdo do Laboratório de Mídia do Massachusetts Institute of Technology, as fake news se espalham seis vezes mais rápido do que as notícias verdadeiras no Twitter. Cerca de 24,3 milhões de crianças e adolescentes, com idades entre 9 e 17 anos, são usuários de internet no Brasil, o que corresponde a 86% do total de pessoas dessa faixa etária no país”, informa.

Paula complementa, ainda, que este dado mostra a relevância do papel dos educadores na preparação destas crianças e jovens para lidar de forma saudável com a web.

“Trabalhar a questão das fake news com esse público nas escolas é um bom caminho para reduzir a desinformação. Acho importante a escola entender como seus/suas estudantes utilizam a internet, como se comportam na rede, quais assuntos os atrai.

O Conselho Nacional de Educação, inclusive, recomendou que as escolas tratem deste tema na perspectiva da pandemia. A divulgação científica é uma aliada contra a desinformação. Por outro lado, o jornalismo também tem uma missão importantíssima no combate à propagação das notícias falsas, com a ampliação do trabalho de checagem de notícias”, analisa.

A também jornalista e professora de redação, Letícia Garcia, atuante na TV Globo há mais de 20 anos, acredita que o jornalismo é e sempre foi aliado da educação. “Seja para compor temas de redação, textos de interpretação textual ou tipologia textual; seja para entender melhor outras disciplinas, como História e Geografia”, pontua.

O diálogo entre jornalismo e educação nas escolas

Fora das redações, considerando até mesmo o ambiente universitário, ainda há pouco conhecimento (ou saber atualizado) sobre a atuação, métodos e rotina de trabalho dos jornalistas, além da complexidade e critérios inerentes à produção de notícias.

Dos currículos escolares, o jornalismo até faz parte. Na maioria das vezes, como reforço em atividades de leitura ou enquanto material complementar quando um assunto do momento está conectado a temas programados pelos professores(as).

Na opinião de Letícia Garcia, algo que ocorre de forma satisfatória. “Acho que o jornalismo é bem explorado nas escolas. Crianças e adolescentes aprendem o tipo textual de reportagem, crônica, artigo de opinião. Leem e escrevem, praticam. Eles também aprendem conteúdos variados por meio de reportagens televisivas e documentários. Fazem jornais impressos, programas de rádio, gravam vídeos, entrevistam pessoas e também recebem profissionais da área para debates”, afirma.

Jornalismo dentro do BNCC

Outros profissionais, no entanto, acreditam que há mais a ser explorado. Paula lembra que o Instituto Palavra Aberta defende que a Educação Midiática faça parte das competências exigidas pela Base Nacional Comum Curricular.

“Este é um caminho para auxiliar as crianças e adolescentes no desenvolvimento de habilidades de interpretação para assimilar com senso crítico o conteúdo das informações que recebem.

Acho que rodas de diálogo de jornalistas com estudantes nas escolas, oficinas realizadas em parceria por jornalistas e educadores, workshops de jornalistas com professores(as) são algumas ações importantes na construção de uma Educação midiática”, comenta.

O professor Jorge Lira acredita que o texto jornalístico deve compor o processo de progressão curricular, acompanhar as etapas de escolarização, com seus níveis de complexidade. “Sendo tratado, inclusive, do ponto de vista da textualidade, dos aspectos composicionais, da estrutura linguística, função social e até estilo numa perspectiva mais bakhtiniana”, aponta. 

Ele acredita, por isso, que é papel da escola, também, utilizar-se da dinâmica próprias dos textos midiáticos dentro do campo semântico.

“Fazer da escola um lugar de ensino, também sobre diversos recursos, possibilidades, modos variados e projetos ideológicos empreendidos quando se faz uso das fake news, que não surgem de maneira inocente, ingênua.

Então, a escola, na perspectiva de formar sujeitos críticos, emancipados, autônomos, precisa garantir que essas discussões sejam asseguradas do ponto de vista do currículo e de estratégias de ensino que vão se reverberar nas práticas pedagógicas”, sugere.

As ferramentas utilizadas por professores(as)

Diante desta necessidade, as técnicas e práticas utilizadas para esta maior interação entre jornalismo e educação com o objetivo de utilizar o fazer jornalístico como aprendizado, podem ser das mais diversas.

“Além dos jornais escolares ou rádios estudantis, uma opção interessante para se trabalhar com adolescentes é o podcast. Os blogs também despertam a atenção dos estudantes. Uma Web TV é outra ferramenta para os jovens”, aponta Paula. 

Jorge corrobora que suportes textuais e plataformas digitais devem fazer parte dos processos e práticas pedagógicas, de maneira geral.

“É importante que professores ampliem seu letramento digital nesse sentido de compreender como estes textos se corporificam nestes ambientes. Para de modo que seja possível que essa exploração aconteça e o texto jornalístico, nesse caso, possa também ser utilizado.

Sobretudo quando a gente pensa no ensino remoto, que impôs novas metodologias e, consequentemente, novos formatos de pensar a leitura do texto”, observa.

Experiências de estudantes nas agências de notícias

Afora os benefícios para os indivíduos enquanto estudantes e seres em aprendizado, a vivência, ainda que experimental e de tempo limitado, dentro de uma agência de notícias (seja TV, rádio ou jornal impresso) pode promover a aquisição de ensinamentos para a vida, segundo jornalistas e professores(as).

O aprendizado é constante. Tanto no que diz respeito aos assuntos que surgem diariamente, uma imensidão de fatos novos que chegam até as redações.

Vale quanto na observação da elaboração da notícia, o processo de fazer chegar as informações até os leitores, o rigor com a checagem, às decisões rápidas que precisam ser tomadas etc.”, pontua Paula, que costuma receber visitas frequentes no Diario de Pernambuco.

Letícia Garcia concorda que este aprendizado é maior do que o que se apreende em nível escolar. “Visitas a ambientes de trabalho podem ajudar o jovem a decidir que profissão escolher, mas também são importantes para desvendar a curiosidade, descobrir elementos que se pensavam ser de um jeito e são de outro. Isso tudo leva o jovem a perguntar, a observar, o que também é importante como fator social”, afirma.

Saindo do convencional da sala de aula

Jorge salienta que essas oportunidades reorientam o processo pedagógico, que deixa de ser vivenciado e pensado exclusivamente dentro do ambiente da sala de aula como espaço convencional (virtual, presencial ou híbrido).

“Percebemos que essa possibilidade de o aluno adentrar em uma agência, em que os gêneros textuais circulam efetivamente, onde a sua circulação é real e a produção desses gêneros acontece, faz muita diferença no sentido da ampliação do letramento destes estudantes. Não é, talvez, a perspectiva de que os alunos se tornem jornalistas. É uma ideia muito mais do ponto de vista do alargamento das competências de leitura e escrita.

Ninguém ensina poesia para que o outro seja poeta, necessariamente, mas para que ele tenha os recursos para subjetivar o texto literário, para compreender a objetividade do texto jornalístico e, consequentemente, as intenções discursivas que estão ali, o contexto ideológico.

É uma rede de possibilidades de explorar o texto na perspectiva de tornar esse aluno sujeito do processo de aprendizagem e do seu progresso enquanto cidadão que transita e trafega de maneira competente pelos diversos espaços de circulação”, finaliza.

Patrícia Monteiro de Santana

Jornalista formada pela Universidade Federal de Pernambuco em 2000. Com atuações em veículos como TV Globo, Revista Veja e Diario de Pernambuco, além de atuante em assessoria de comunicação empresarial, cultural e política.