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Quando pensamos nas pesquisas e estudos que trazem para o centro da discussão o tratamento dado ao ensino de Língua Portuguesa nas escolas brasileiras nas últimas três décadas, é perceptível o quanto já avançamos.    

Na abertura do terceiro capítulo da obra “Muito além da gramática: por um ensino de língua sem pedras no caminho” (2007), a Profª Irandé Antunes convida o leitor à seguinte reflexão:

Os fatos linguísticos sempre estiveram misturados à história dos povos, a seus esforços de expansão e dominação territorial  política, a suas lutas pela hegemonia cultural, a seus intentos proselitistas, a suas necessidades retóricas; enfim, as línguas foram recebendo tratamentos diversos, conforme as também diversas condições sociais e políticas dos grupos, que as tinham como marca de identidade. (ANTUNES, 2007, p.35.)

Torna-se evidente a percepção de que, como nos alerta Antunes, as relações entre língua e contexto social; língua e poder; língua e identidade não pode se ignorar no caso desse propósito. Enquanto professores, seja a promoção de uma educação linguística que contribua para que nossos alunos tenham, com a língua que utilizam em suas diversas práticas de interação cotidianas, uma relação produtiva, consciente e autônoma.

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Novas abordagens do Ensino de Língua Portuguesa

A mudança de paradigma mais significativa pela qual vem passando o ensino de Língua Portuguesa diz respeito à adoção de uma concepção de linguagem como forma de interação.

Nessa perspectiva, o peso antes atribuído ao domínio da norma padrão como garantia de bom desempenho linguístico cede lugar às necessidades impostas pelos usos sociais da língua, o que faz com que as estratégias de construção dos sentidos do texto assumam um lugar central nos estudos linguísticos.

A partir dessa virada pragmática, que se deu nos anos 80, a substituição de uma abordagem meramente estruturalista e prescritiva por uma discursiva e sociointeracionista repercute na forma como passa a ser organizados os currículos, com o desenvolvimento dos materiais didáticos e produção dos documentos orientadores e regulamentadores das práticas de ensino de língua materna.

Leia também: Dia da Língua Portuguesa.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais

Considerados um marco importante para a educação no final da década de 90, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) contribuíram para ressaltar a necessidade de que o ensino de língua fosse voltado para a formação de leitores e produtores textuais a partir do desenvolvimento de competências relativas aos eixos da oralidade, da escrita e da análise e reflexão sobre a língua.

De acordo com o documento, a linguagem concebe como “uma forma de ação interindividual orientada para uma finalidade específica: um processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes numa sociedade, nos distintos momentos de sua história” (BRASIL, 1998, p.20) .

Qual a finalidade dos PCNs?

Na prática, os PCNs incentivavam a adoção de uma metodologia de ensino centrada no trabalho com gêneros textuais, a partir de uma abordagem articulada entre os eixos de ensino.

Assim, os estudantes desenvolveriam condições para que pudessem assumir uma postura reflexiva diante dos usos linguísticos necessários para a construção de um repertório amplo e diversificado de gêneros, os quais mediariam suas interações sociais.

Passados 20 anos desde a publicação dos PCNs e a apresentação das orientações contidas na Base Nacional Curricular Comum (BNCC), é possível verificar algumas semelhanças entre os dois documentos.

Em relação aos pressupostos defendidos nos PCNs, permanece, na BNCC, o entendimento de que a análise do contexto de produção e de recepção de gêneros textuais diversos deve ser tomada como unidade de trabalho para o desenvolvimento de competências que viabilizem o uso significativo da linguagem.

Se essas orientações, já conhecidas pelos professores, amplamente discutidas em atividades de formação continuada, em documentos oficiais e em publicações especializadas não representam uma novidade expressiva, a Base evidencia uma demanda urgente neste momento: a de trazer para o espaço da sala de aula gêneros e práticas de linguagem que emergiram com o desenvolvimento tecnológico e que demandam, tanto dos discentes quanto dos docentes, o desenvolvimento de novas forma de letramento (s).

Leia também: Por que falar sobre letramentos científicos.

Relação entre linguagem e práticas sociais

A relação entre linguagem e práticas sociais, evidenciada e recomendada nos documentos oficiais, revela, no âmbito da escola, o descompasso entre a velocidade com que crianças e adolescentes se apropriam de novas tecnologias e a aplicação desses recursos como objetos de ensino e de aprendizagem.

São diversos os fatores que contribuem para que as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) não sejam contempladas nas aulas de Língua Portuguesa e envolvem desde problemas estruturais como falta de políticas públicas de investimento na infraestrutura das escolas e formação dos docentes até equívocos teóricos como o de acreditar que os estudantes, por serem nativos digitais, não precisam de orientação em relação ao uso de ferramentas tecnológicas.

A grande novidade apresentada pela BNCC em relação ao ensino de Língua Portuguesa é a evidente necessidade de ampliar a noção de letramento com a qual se trabalha. É preciso adotar a noção de multiletramento(s).

Os textos com os quais os estudantes lidam no cotidiano, seja na condição de leitores/curadores ou na condição de produtores, são constituídos a partir de uma combinação de semioses ou de modos de representação da linguagem que subverte os limites do texto verbal.

São textos que mobilizam recursos visuais, sonoros, táteis, linguísticos e paralinguísticos para produzir sentido. É através do domínio desses recursos que os estudantes terão condições de atuar, segundo a BNCC, em diversas esferas da atividade humana, representadas pelos campos da vida privada, da vida pública, das práticas de estudo e pesquisa e artístico-literário.

PNLD 2021 – Objeto 2: Acesse a obra “Estações Lingua Portuguesa“.

Novas práticas através da BNCC

Fez-se necessária, então, na BNCC, uma revisão dos eixos norteadores do ensino de Língua Portuguesa. Além da oralidade e da leitura/escuta, a produção textual é classificada como “escrita e multissemiótica” e as atividades de análise passam a dar conta, além do aspecto linguístico, também do aspecto semiótico dos textos.

Não se pretende, no entanto, que tais mudanças ocorram apenas no âmbito da nomenclatura, mas que as práticas de ensino da língua contemplem os seguintes pressupostos:

1) As práticas de linguagem contemporâneas contemplam não apenas novos gêneros que emergem na contemporaneidade, mas também as novas formas de produzir, editar, configurar, disponibilizar e interagir com esses textos;

2) A fim de que as dimensões estética, ética e política sejam consideradas na seleção/curadoria dos textos, é preciso que os estudantes desenvolvam um senso crítico apurado que lhes permita fazer uma análise madura dos conteúdos aos quais são expostos no cotidiano;

3) Nessa era da pós-verdade, em que as opiniões se tornaram mais importantes/populares do que os fatos, é imprescindível que os jovens aprendam a consultar fontes confiáveis e a verificar sempre a veracidade da informação, a fim de que seja coibida a disseminação de fake news;

4) No que diz respeito à constituição dos textos, é importante que os estudantes percebam que a retórica se faz presente não apenas através do jogo de palavras, mas de recursos como edição de imagens, gestual e postura corporal e até do processo de curadoria de textos e imagens que atuam como elementos de construção dos sentidos.

Leia também: Aprendizagem baseada em competências.

Conclusão

Os fatores que a BNCC destaca como pontos de atenção para os docentes revelam que, na contemporaneidade, a implantação de um projeto de educação linguística que leve em consideração não apenas os anseios, mas as necessidades dos estudantes enquanto usuários da língua, leitores e produtores textuais, deve caminhar no sentido de reduzir as distâncias entre as práticas adotadas no espaço escolar e as vivenciadas fora dos muros da escola, sejam eles físicos ou virtuais. 

Referências

ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola, 2007.

BRASIL, SEB/MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa/Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC / SEF, 1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues.pdf

BRASIL, SEB/MEC. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC/SEB, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/

Paloma Borba é doutora em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É professora adjunta da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Atua na área de Linguística, com ênfase nos estudos sobre Gêneros Textuais, Multimodalidade, Letramentos e na Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Portuguesa.