ensino filosofia viés BNCC

O homem é, por natureza, questionador e praticante da filosofia, sem saber. O ser humano não se contenta com o que sabe e a busca pelo saber é constante, principalmente quando o conhecimento adquirido se torna efêmero e, muitas vezes, contraditório.

“Educar não é transmitir aos outros a forma de ser homem. É, ao contrário, o esforço de cada um para fazer-se homem.”

Diante dessa disposição inerente ao homem para conhecer mais e melhor, surgiu a filosofia, tendo o anseio de preencher as lacunas deixadas pelo mito, pela religião ou pelo senso comum.

O surgimento da filosofia

O surgimento da filosofia é marcado pela ruptura com o saber do senso comum, cujas estruturas de representação são questionáveis e, por isso mesmo, insuficientes para prover ao espírito humano o equilíbrio que ele necessita e deseja.

A filosofia trata da mesma realidade das ciências, porém, enquanto as ciências pesquisam e observam o recorte do real, a filosofia se encarrega de observar o objeto em sua totalidade, ou seja, levando em conta a visão de conjunto. Sendo assim, pensa na realidade presente, nos setores do conhecimento e da ação, de modo a promover reflexão crítica a respeito dos fundamentos do agir humano.

O ato de filosofar é preciso. “(…) nunca se realizou uma obra filosófica que fosse duradoura em todas as suas partes. Por isso não se pode em absoluto aprender filosofia, porque ela ainda não existe” (Kant, 1983, p. 407). A filosofia procura alcançar a realidade, buscando as causas das coisas, ela inspira e determina valores e ideais, como por exemplo, crítica ou análise.

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A filosofia como base para entendermos nossa sociedade

Vivemos uma época de grandes transformações: emergência de um novo paradigma científico, globalização, internet, nova concepção de homem, de sociedade e de mundo, e essas mudanças demandam também uma reorientação da educação, o que requer de nós reflexões constantes acerca das mudanças de pensamento que configuram o cenário social vigente.

Entender tudo isso não é algo simples, e a filosofia pode ser de grande valia para a compreensão do homem e do mundo, mesmo sendo ela bastante questionada enquanto componente curricular. 

(…) Ensinar filosofia é antes de mais nada ensinar uma atitude em face da realidade, diante das coisas, e o(a) professor(a) de filosofia tem que ser, a todo momento, consequente com esta maneira de orientar o pensamento. (CERLETTI, 2003, p. 62)

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Como objeto de estudo

A filosofia sempre foi palco de discussão. O exercício de rever os currículos sempre trouxe sofridas mudanças, tendo em vista a oscilação constante em relação à manutenção desse componente curricular como objeto de estudo nas escolas. Nesse sentido, Gallo (2009, p. IX) descreve que: “O substitutivo Darcy Ribeiro, porém, que seria aprovado como lei no 9.394/96, em seu espírito flexibilizador e ‘minimalista’, optou por afirmar conhecimentos de filosofia e sociologia como obrigatórios, mas sem definir seu caráter disciplinar.”

Dessa forma, a filosofia se torna indispensável ao currículo do Ensino Médio. Em julho de 2006, a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação apresentou como obrigatoriedade a filosofia no currículo do Ensino Médio. Porém, a versão final da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), nos apresenta a ideia de que os(as) estudantes devem “ter noção” de filosofia.

A filosofia para os documentos da Educação Brasileira

Os documentos que norteiam a Educação brasileira, como o Plano Nacional de Educação (PNE), os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) apresentam a filosofia como aquele componente curricular capaz de contribuir para a formação da cidadania e da aquisição de autonomia.

A Lei 11.684 de 2008 trazia a filosofia como obrigatória na progressão do Ensino Médio, mas com a reforma do Ensino Médio, a obrigatoriedade desse componente curricular deixa de existir.

Macedo (2014) considera que a defesa de uma base nacional comum para o currículo tem funcionado como uma das muitas promessas de dar qualidade à educação para diferentes grupos da sociedade.

No entanto, como pensar no ensino da filosofia, na formação de indivíduos para cidadania, quando questões como estética, lógica, existencialismo são negados no documento da BNCC? O que vemos no documento é a redução da matéria à área da Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, contemplando algumas áreas, tais como: Epistemologia e Ética e Filosofia Política.

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Estruturar para ensinar

Ainda de acordo com a BNCC, o esforço hoje dos professores encontra-se em organizar os seus conteúdos de forma temática, pensando, por exemplo, em grandes eixos temáticos, cada um deles desdobrado em três temas, com suas respectivas subdivisões e, assim, o componente segue uma “lógica” de estruturação de conteúdos dos outros componentes curriculares da área de Ciências Humanas e suas tecnologias. 

A reflexão filosófica

A reflexão filosófica é radical na medida em que procura alargar as fronteiras do saber. Não dá para ter noção de filosofia, uma vez que o homem filosofa, isto é, questiona e reflete sobre tudo que o envolve direta e indiretamente.

É verdade que qualquer um de nós poderá viver sem refletir de forma radical, mas se isso acontecer coletivamente, o ser humano corre o risco de retroceder, de perder a consciência de si mesmo e do mundo à sua volta.

[…] Ensinar filosofia é dar um lugar ao pensamento do outro. Não tem sentido transmitir “dados” filosóficos (isto é, informação extraída da história) como se fossem peças de uma loja de antiguidade com a qual os jovens não teriam qualquer relação. Não há sentido em tentar transmiti-los sem vivenciá-los ao perguntar aos alunos. A lógica do antiquário filosófico, que atesoura jóias para oferecê-las a poucos privilegiados, emudece o filosofar e mutila sua dimensão pública.

A filosofia não é uma questão privada, ela se constrói no diálogo. Ensinar significa retirar a filosofia do mundo privado e exclusivo de uns poucos para colocá-la aos olhos de todos, na construção coletiva de um espaço público. Por certo, em última instância, cada um escolherá se a filosofia ou não, mas deve saber que pode fazê-lo, que não é um mistério insondável que apenas alguns atesouram. E, nisso, o professor tem uma tarefa fundamental em estimular a vontade. (Cerletti, 2009, p. 87)

Conclusão

Essas considerações nos colocam diante de provocações básicas para pensarmos sobre o ensino de filosofia: temos uma visão da totalidade à altura dos desafios do tempo presente? A educação como é ministrada responde à crise da civilização que vivemos hoje? Temos um projeto alternativo para o quadro referencial vigente? Filosofemos!

Referências bibliográficas:

CERLETTI, A. O ensino da filosofia como problema filosófico. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

CERLETTI A. Ensino de filosofia e filosofia do ensino filosófico. In: GALLO, S.; CORNELLI, G.; DANELON, M. (Org.). Filosofia do ensino de filosofia. Petrópolis: Vozes, 2003.

GALLO, Sílvio. Prefácio. In: RODRIGO, Lídia Maria. Filosofia em sala de aula: teoria e prática para o ensino médio. Campinas: Autores Associados, 2009. (Coleção formação de professores).

KANT, I. Crítica da razão pura. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção “Os Pensadores”).

MACEDO, Elizabeth. Base Nacional Curricular Comum: novas formas de sociabilidade produzindo sentidos para a educação. Revista e-Curriculum, São Paulo, v. 12, n. 3, p. 1530-1555, 2014.

NIETZSCHE F. Schopenhauer como educador (Considerações extemporâneas III). Trad. Adriana Maria Saura Vaz. Campinas: Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, 1999.

Claudinéa de Araújo Batista 

Pedagoga, Especialista em Filosofia. Possui Mestrado em Novas Tecnologias Digitais na Educação.  Atualmente integra o Núcleo de Produção de Conteúdos e Formações das Editoras Ática, Saraiva e Scipione para a Rede Pública.