leitura arranjo visual

As discussões sobre o ensino de leitura não são recentes. Na verdade, temos um número considerável de trabalhos produzidos por estudiosos de diversas áreas, que se dedicam a investigar as questões que envolvem o ato de ler.

Ainda assim, dada a importância do desenvolvimento desta competência para que os estudantes possam ter um melhor desempenho e aprendizagem não apenas na escola. Mas em todas as situações de interação que fazem parte do seu cotidiano, a discussão sobre a leitura continua sendo relevante e necessária.

Diante de tantas questões que envolvem a maneira como nos relacionamos com os textos que nos circundam, algumas das mais proeminentes fazem referência à relação autor-texto-leitor no contexto da pós-modernidade.

O surgimento de múltiplos recursos para a produção textual e as infinitas possibilidades de interagir com os textos que emergem com a expansão e democratização da tecnologia, nos chamam a atenção para a necessidade de discutir caminhos, percursos para a leitura que ultrapassem a organização linguística do texto.

É preciso observar, também, como os textos se constituem visualmente, pois este é um aspecto primordial para a compreensão.

Qual a importância do design para a leitura e a produção de textos?

A já mencionada democratização da informação, neste século, fez com que alguns conceitos, antes restritos a comunidades especializadas, entrarem em voga. Um deles é o de design.

O uso recorrente do termo no domínio midiático, associado a diferentes campos de interesse, como a publicidade, a moda, a arquitetura, o cinema e a televisão, permitiu que a sociedade percebesse, ainda que intuitivamente, a onipresença do design no nosso cotidiano.

Segundo Kostelnick e Hasset (2003, p.10), o “design está tão saturado da cultura contemporânea que poucos leitores podem escapar de sua inexorável presença”. 

É possível, por exemplo, reconhecer a presença da comunidade japonesa no bairro da Liberdade, em São Paulo, apenas observando traços dessa cultura reproduzidos na arquitetura de alguns prédios existentes no local.

A onipresença do design a que se referem os autores pode se manifestar, também, na superfície textual de diversas formas: a partir da escolha de uma paleta de cores, do desenvolvimento de símbolos e ícones, da seleção de uma família tipográfica e da maneira como o texto ocupará o espaço físico, seja ele representado por uma página impressa ou por uma tela de computador ou celular. A esse último recurso damos o nome de layout ou arranjo visual. 

Leia também: A relevância de um projeto de leitura e dicas para a sua estruturação.

O arranjo visual como “guia” para a leitura 

Durante muito tempo, as propostas de trabalho com leitura nas escolas eram voltadas apenas para a discussão acerca dos aspectos verbais/linguísticos dos textos.

Uma breve observação das seções que constituem os livros didáticos de Língua Portuguesa confirma essa afirmação. São questões dedicadas ao estudo do texto para o desenvolvimento de habilidades de leitura, de reconhecimento das características estruturais e funcionais do gênero em questão e de estudo de vocabulário.

Dá-se pouca – ou nenhuma – atenção à integração de modos semióticos que compõem a rede de sentidos que emanam do texto. 

Convém observar, no entanto, que diante das demandas impostas pelos formatos que os textos vêm assumindo, até o conceito de letramento.

Antes centrado apenas na escrita, vem passando por revisão, a fim de contemplar as experiências dos leitores com múltiplas linguagens. Sobre essa relação entre a imagem e a escrita, Kress (2003, p.1-2), pondera:

Os dois modos – escrita e imagem – são governados por lógicas distintas e têm claramente propiciações diferentes. A organização da escrita – ainda baseada na lógica da fala – é governada pela lógica do tempo e pela lógica da sequenciação de seus elementos no tempo, em arranjos temporalmente regidos.

A organização da imagem, ao contrário, é governada pela lógica do espaço e pela lógica da simultaneidade de seus elementos visuais retratados em arranjos organizados espacialmente. 

Encoraje os estudantes

Sendo assim, é importante que os estudantes, já bastante habituados a analisar, discutir e refletir acerca da organização da escrita, a fim de compreender essa lógica não apenas da perspectiva estrutural. Mas linguístico-discursiva, sejam encorajados a pensar, também, na lógica de ocupação do espaço de composição do texto pelos arranjos visuais.

Com o propósito de ressaltar a importância do arranjo visual para a leitura e pensando em oferecer pressupostos para o desenvolvimento de atividades da leitura que levem em consideração esse aspecto, apresentarei, a seguir, algumas das razões pelas quais devemos observar a constituição visual dos textos com os quais convivemos, seja na condição de leitores ou de produtores.

Arranjo visual e o processo de tipificação dos gêneros

Os estudiosos de gênero afiliados à Nova retórica, como os norte-americanos Charles Bazerman e Carolyn Miller, defendem que os gêneros são formas de ação social. Ou seja, através dos gêneros, realizamos ações e moldamos a realidade da qual fazemos parte.

De acordo com Bazerman (1994, p.19), “os gêneros são os lugares familiares para onde vamos para criar ações comunicativas inteligíveis uns com os outros e as placas de sinalização que usamos para explorar os lugares desconhecidos”. Partindo dessa prerrogativa, analisemos a imagem a seguir:

Fonte: Today’s Front Pages – Freedom Forum

Trata-se da primeira página de um jornal publicado no Japão. Considerando que a maioria dos leitores deste blog não domina a língua japonesa, podemos afirmar, seguramente, que, ainda assim, esses usuários reconhecem o gênero.

Essa familiaridade é possível, entre outras razões, por causa do arranjo visual. Ainda que as convenções da escrita no Oriente sejam tão diferentes das nossas (escreve-se na vertical, e não na horizontal.

Em vez de letras, são usados ideogramas e há um sistema alfabético próprio), a diagramação da página, que conta com “blocos” de texto escrito, títulos em negrito, fotografias, legendas, remete à experiência que temos com o gênero, tão popular no mundo inteiro. 

O arranjo visual, a hierarquização das informações e o juízo de valor

Como é do nosso conhecimento, não existe discurso neutro. Nem mesmo na esfera do jornalismo, na qual ainda há quem defenda a existência de uma suposta neutralidade, as ideologias e as relações de poder determinam as escolhas do produtor dos textos. Vejamos a primeira página a seguir, da edição do dia 28/07/2021, do Jornal do Commercio (Recife/PE):

Fonte: https://jc.ne10.uol.com.br/capa-do-dia

Para esta edição, havia dois eventos em evidência: a primeira medalha de ouro do Brasil nas Olimpíadas, conquistada pelo surfista Ítalo Ferreira, e a proibição do banho de mar em um trecho da praia de Piedade, na Região Metropolitana do Recife, em função dos recentes ataques de tubarão no local.

Partindo da premissa de que ambos os acontecimentos eram importantes e da existência de um elemento em comum entre eles – o cenário da praia -, a construção da capa explorou o recurso do paralelismo não apenas na elaboração dos enunciados, mas também na organização visual do espaço.

Primeiro, a imagem do fato positivo, de repercussão internacional, e na sequência, a imagem do fato negativo (visto que a medida dividiu opiniões da população), de interesse e repercussão prioritariamente em âmbito local. Esta capa é um bom exemplo de que os elementos visuais são tão importantes quanto os linguísticos para a construção dos sentidos no texto.

Leia também: Como incentivar a leitura dos alunos do ensino fundamental 2.

A relação entre arranjo visual, convenções e affordances

A internet e as experiências de navegação que ela proporciona, fez com que nós, usuários, desenvolvêssemos novas habilidades de interação.

A não-linearidade dos textos, a interconectividade entre eles exigiu dos designers o desenvolvimento de soluções que tornassem a experiência do usuário cada vez mais simples e intuitiva.

Para isso, a relação entre o arranjo visual e outros recursos, como as convenções (visuais, sonoras, táteis) e as affordances – definidas como “qualidades ou propriedades de um objeto que definem seus usos possíveis ou deixam claro como ele pode ou deve ser usado” (ROJO & MOURA, 2019, p.21), cria condições de navegabilidade mais dinâmicas, facilitando a experiência dos usuários.

Essa relação fica evidente ao observarmos uma criança manuseando o celular dos pais. Mesmo sem ainda ter sido alfabetizada, ela é capaz de deslizar a tela para desbloqueá-la, percorrer os ícones (convenções) que representam os aplicativos, os quais estão agrupados no mesmo espaço-tela, reconhecer os que interessam a ela (jogos, serviços de streaming), clicar para abri-los, clicar no sinal indicativo de play para iniciar um vídeo, clicar no sinal indicativo de “fechar” para rejeitar uma propaganda, entre outros movimentos retóricos que possibilitem a interação desejada.

Conclusão

Devemos concluir esta breve discussão a respeito do papel do arranjo visual, como recurso que possibilita ao leitor diferentes níveis de compreensão de um texto. Ressaltando que, os diversos modos de representação da linguagem atuam de forma conjunta, motivada e contextualizada social e culturalmente para produzir sentido.

Desta forma, ainda que tenhamos optado por dar destaque à função do layout, analisar a sua atuação de forma isolada além de uma tarefa improdutiva constitui também um equívoco.

Ainda que reconheçamos a onipresença das imagens e de outros recursos semióticos na constituição dos textos contemporâneos, não pretendemos, através desta conversa, estabelecer um critério de hierarquia entre os modos, e sim chamar a atenção para a necessidade de abrir espaço, nas aulas, nas atividades de leitura e produção textual, nas experiências com os textos em ambiente escolar, de forma geral, para o debate sobre o papel de outros recursos de produção de sentido além da escrita. 

Assim como a noção de design vem se familiarizando, ferramentas de produção de conteúdo a partir de recursos gráficos também têm sido usadas por grande parte da população. Aplicativos que permitem a criação de peças como convites, cartazes, cards, têm se popularizado e permitido a leigos terem acesso, de forma amadora, à experiência de criação de um designer.

A escola não pode, nem deve, portanto, se distanciar dessa realidade. Cabe a nós, professores(as), trazer essa experiência para as nossas aulas e estimular a criticidade, a autonomia e a criatividade através de experiências diversificadas de leitura e de produção textual.

Referências

BAZERMAN, C. Systems of Genres and the Enactment of Social Intentions. In: Freedman & Medway (Orgs.) Genre and the New Rhetoric. London: Taylor & Francis Publishers, 1994.

KOSTELNIK, C.; HASSET, M. Visual Language, Discourse Communities and the Inherently Social Nature of Conventions. In: KOSTELNIK, C. Shaping Information: the rhetoric of visual conventions. Carbonale: Southen Illinois University Press, 2003.

KRESS, G. Literacy in the New Media Age. London: Routledge, 2003.

ROJO, R.; MOURA, E. Letramentos, mídias, linguagens. São Paulo: Parábola Editorial, 2019.

Paloma Borba 

Doutora em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professora adjunta da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Atua na área de Linguística, com ênfase nos estudos sobre Gêneros Textuais, Multimodalidade, Letramentos e na Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Portuguesa.