ideia central do texto

No início dos anos 80, ao propor uma pertinente discussão sobre o ensino de leitura na Educação Básica, o Prof. João Wanderley Geraldi, em sua clássica obra “O texto na sala de aula”, já chamava a atenção de todos nós, professores de Língua Portuguesa, para o fato de que “Na escola não se lêem textos, fazem-se exercícios de interpretação e análise de textos. E isso nada mais é do que simular leituras.” (2003, p.90).

Essa artificialidade denunciada por Geraldi tem sido, desde essa época, o pressuposto para o surgimento de muitas propostas, teóricas e metodológicas. Cuja intenção é reduzir as distâncias entre as demandas da escola e as práticas com as quais os estudantes convivem no dia a dia e que precisam ser sistematizadas, também, NA escola. 

A preocupação com o tema justifica-se, uma vez que, ao abordar, na sala de aula, situações reais de uso da língua, investimos na formação de sujeitos capazes de se relacionar – de forma autônoma – com o outro e com o mundo.

Interpretação de texto e produção textual: uma mudança de paradigma

É importante lembrarmos que a diversidade, no que diz respeito às linguagens contempladas em textos e atividades, na escola, não é uma tendência recente. 

Desde a primeira metade do século XX, temos registro do uso de gravuras, por exemplo, como recurso para motivar a escrita das chamadas “composições”. No entanto, as práticas de linguagem nas quais os estudantes estão imersos, desde sempre, no cotidiano, não recebiam o tratamento de objetos de ensino.

Com o advento dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), no final dos anos 90, ocorreu a formalização das discussões, desenvolvidas até então, no sentido de que os nossos currículos privilegiassem o ensino de Língua Portuguesa a partir da leitura e da produção de gêneros orais e escritos. 

De lá pra cá, muita coisa mudou, não apenas no universo da escola, mas na configuração da sociedade como um todo. E, consequentemente, no perfil dos estudantes com os quais convivemos hoje. 

A cultura digital faz parte das nossas vidas de forma definitiva e cada vez mais abrangente, trazendo consigo novas possibilidades de intervenção social através das múltiplas linguagens, o que demanda o desenvolvimento de novos letramentos.

O que a BNCC aponta

Considerando esse cenário, os apontamentos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o mais recente documento oficial voltado para a reorganização do currículo nas escolas brasileiras, propõe que as práticas de linguagem concebam-se como um objeto de ensino de Língua Portuguesa.

Isso a partir da aproximação com os campos de atuação/ de atividade, os quais categorizam as práticas sociais de linguagem exercidas pelos estudantes.

Nessa perspectiva, as práticas de linguagem são vistas como formas de agir e de interagir socialmente, “moldadas” às necessidades e exigências advindas dos campos de atuação.

Para cada etapa de escolarização, a BNCC propõe que o desenvolvimento de habilidades de leitura, interpretação de texto e de produção textual esteja alinhado com as experiências vivenciadas pelos estudantes nos campos em que atuam. 

Em se tratando do Ensino Fundamental, há diferenças representativas entre os anos iniciais e os anos finais. Tanto no que diz respeito tanto à idade cronológica quanto aos papéis assumidos pelos estudantes no convívio social. Essas particularidades refletem nos objetivos definidos para cada etapa de escolarização. 

Enquanto nos anos iniciais privilegia-se a etapa de alfabetização associada às práticas de letramento que envolvem gêneros relacionados, prioritariamente, aos campos literário-artístico e da vida cotidiana.

Nos anos finais sugere-se um aprofundamento, em termos de complexidade, das atividades a eles relacionadas e um enfoque maior aos gêneros relacionados ao exercício da vida pública, como é possível perceber através do seguinte quadro:

(Fonte: Base Nacional Comum Curricular. Brasil: 2018, p.84)

Do 6° ao 9° ano:  A leitura crítica e a formação para o exercício da cidadania

A transição dos anos iniciais do Ensino Fundamental para os anos finais começa por uma série de transformações para os estudantes. 

O início da adolescência traz consigo não apenas alterações físicas e hormonais como também a percepção, para esses jovens, de que eles passam a ocupar um outro lugar no mundo. 

Essa mudança social requer uma tomada de consciência e uma atitude de protagonismo que lhes permitam não apenas compreender melhor as construções sociais nas quais estão inseridos, como também de que forma podem atuar nessa estrutura.

De acordo com a BNCC, os anos finais do Ensino Fundamental são marcados pela participação do adolescente, com maior criticidade, em situações comunicativas diversas, interagindo com um número de interlocutores cada vez maior.

As práticas de linguagem vivenciadas se diversificam, o que demanda dos estudantes não apenas o domínio de um repertório maior de gêneros textuais como uma maior autonomia na relação com os textos com os quais lida no seu cotidiano, seja no papel de produtor ou de leitor.

Diante da ampliação do leque de possibilidades de contato com a leitura e com a produção de textos, dentro e fora da escola, é desejável que os estudantes aprofundem e desenvolvam as competências necessárias para o exercício pleno da cidadania. 

Desenvolvimento do campo jornalístico-midiático

Em função dessa necessidade, a Base sugere um maior enfoque nas atividades de leitura dos gêneros que constituem o campo jornalístico-midiático, no qual se situam gêneros como:

  • notícia,
  • reportagem,
  • podcast,
  • artigo de opinião,
  • anúncio publicitário, entre outros. 

As estratégias linguístico-discursivas e semióticas mobilizadas para a construção desses textos devem ser identificadas, analisadas e discutidas em sala de aula. Com a finalidade de que formemos não apenas leitores proficientes, mas sujeitos capazes de perceber os valores, interesses e relações de poder que estão imbricados nesses textos.

A compreensão dos gêneros do campo jornalístico-midiático requer que o leitor adquira a capacidade de desenvolver diversas estratégias e procedimentos de leitura, como localizar informações explícitas e implícitas, comparar informações advindas de diferentes fontes, levantar hipóteses, fazer inferências, entre outras, pois,

trata-se de promover uma formação que faça frente a fenômenos como o da pós-verdade, o efeito bolha e proliferação de discursos de ódio, que possa promover uma sensibilidade para com os fatos que afetam drasticamente a vida de pessoas e prever um trato ético com o debate de ideias.

(Base Nacional Comum Curricular. BRASIL, 2018, p.137)

É importante, portanto, não apenas formar leitores capazes de desempenhar bem os papéis demandados pela escola, mas também formar sujeitos capazes de aplicar uma visão crítica às situações com as quais se depara em seu cotidiano e, desta forma, assumir uma postura consciente e ética na sociedade. 

Precisamos garantir que os estudantes, nos anos finais do Ensino Fundamental, sejam capazes de compreender, amplamente, gêneros informativos e opinativos, os quais regulam várias de nossas ações. 

Dentre os diversos procedimentos de leitura, um dos que estão diretamente associados à compreensão global do texto é o reconhecimento / identificação do tema central. É sobre as estratégias didáticas para o desenvolvimento dessa habilidade que discutiremos a seguir.

Interpretação de texto: Como desenvolver tal habilidade em seus alunos.

Em uma das definições mais recorrentes de leitura em uma perspectiva sociodiscursiva, a Prof.ª Marisa Lajolo afirma que

Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um texto. É, a partir do sentido, ser capaz de atribuir-lhe significado, conseguir relacioná-lo a todos os outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que seu autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a essa leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista.

(1993, p.59)

Há, nessa definição, alguns pressupostos fundamentais para a discussão que estamos empreendendo aqui.

O primeiro consiste em percebermos que ler não é “adivinhar” o sentido do texto. Embora reconheçamos que nesse processo de interlocução entre o autor e o leitor, mediado pelo texto, há possibilidades diferentes de construção do sentido. 

É preciso levar em consideração, no entanto, a existência de um sentido pretendido pelo autor. Tal constatação nos conduz a outro ponto: é preciso considerar, também, os contextos de produção e de recepção de um texto: foi produzido por quem? Para quem? Quando? Será veiculado em que suporte? Qual é o propósito?

Essas questões, que dizem respeito à instância discursiva, permitem que consideremos leituras possíveis, mas também apontam para o fato de que, como diria o Prof. Sírio Possenti, a leitura errada existe. Isso porque os textos que lemos estão situados em campos de atuação, conforme evidencia a BNCC. 

Se, por um lado, os textos do campo artístico-literário, ao trabalhar com a subjetividade, com as emoções e com uma linguagem, por vezes, conotativa, permitem uma interpretação baseada nas vivências de cada leitor, os textos científicos, didáticos, reguladores da vida pública e jornalísticos exigem uma leitura mais precisa, objetiva. 

Entendimento prático

Concluímos, portanto, que o ensino de leitura precisa levar em consideração a necessidade de o leitor adotar diferentes posturas perante o texto e, em função disso, adotar diferentes percursos.

No caso de um texto jornalístico, há o entendimento de que o seu produtor deve adotar uma linguagem que prime pela clareza e pela objetividade. 

Em função disso, recursos linguístico-discursivos – como a adoção de um léxico acessível ao público-alvo, a preferência por uma estrutura sintática que privilegie períodos curtos e o uso da ordem direta – e semióticos – como o uso de fotografias, gráficos, tabelas – são cuidadosamente orquestrados para que o texto seja facilmente compreendido.

O leitor, por sua vez, deve ter condições de, primeiro, perceber a importância e a função desses recursos para a construção dos sentidos pretendidos. E, depois, adotar um roteiro de leitura que permita-lhe alcançar seus objetivos em relação ao texto. Observemos a seguinte chamada, publicada no Portal G1:

(Fonte: https://g1.globo.com/)

As chamadas que integram a página de abertura de um site ou portal de notícias desempenham função semelhante à das chamadas na capa de um jornal impresso: servem para chamar a atenção do leitor, persuadindo-o a ler o texto na íntegra, e sintetizam o assunto abordado na notícia ou reportagem. 

No caso deste exemplo, a construção do título, associado à fotografia do ator que interpreta o personagem, pressupõe a existência de uma discussão. Ela é anterior ao texto e é sobre as semelhanças entre a construção do personagem Jove e o comportamento dos jovens pertencentes à geração Z.

Interpretação como sucesso da estratégia de Marketing

Essa associação, feita pelo autor da novela e percebida e comentada pelos espectadores, pode ser considerada uma estratégia de marketing muito bem-sucedida. Posto que a obra tem alcançado um bom índice de audiência e gerado bastante repercussão nas redes sociais (importante espaço de interação para os nativos da geração Z), nas quais já circulam memes envolvendo o personagem. 

Um leitor atento deve perceber que o Portal G1 (que integra o conglomerado da Rede Globo de Televisão), ao explorar essa associação, alimenta a discussão e gera, possivelmente, mais interesse dos espectadores pela novela. 

É um ciclo que se retroalimenta: a novela gera pauta para o jornalismo que, por sua vez, ao destacar temas que se relacionem com a trama, contribui para a audiência da novela.

Ao clicar na chamada, o leitor é conduzido à matéria, na íntegra, cujo título e subtítulo oferecem mais informações relacionadas ao tema:

No título da matéria, são acrescidas duas características que, segundo especialistas, marcam o comportamento da Geração Z. 

O subtítulo evidencia tanto informações relativas ao tema quanto à estratégia argumentativa adotada na construção do texto. Esse subtítulo ratifica a relação entre o personagem e os jovens desta geração; ao mesmo tempo em que, ao sugerir que o leitor acesse outros gêneros – vídeo e infográfico – que constituem a reportagem, faz referência à primeira versão da novela, que foi exibida em 1990. 

No texto, o infográfico apresenta as diferenças comportamentais entre os jovens da geração X e os da geração Z. Por isso, usa-se para ilustrar cada uma delas, fotografias dos atores que interpretaram o personagem em cada uma das versões (Marcos Winter, em 1990, e Jesuíta Barbosa, em 2022):

Resumo

Supondo que a referida reportagem integrasse atividades de leitura voltadas para estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental, um dos aspectos a serem destacados na construção de um roteiro de leitura é a diferença entre o tema do texto.

Que, nesse caso, são as características comportamentais e os valores dos jovens da geração Z. E a estratégia empregada para a sua construção, nesse caso, a associação com o personagem do remake da novela Pantanal. 

O roteiro, então, pode ser definido por você, professor(a), de duas formas, a depender da natureza da atividade proposta:

  1. a leitura com o objetivo de responder a questões estabelecidas, o que remete à construção das questões de avaliações externas, como a Prova Brasil,
  2. ou a leitura para verificar as informações fornecidas pelo texto, que se assemelha à situação de leitura de uma reportagem fora do contexto escolar, e que pode ser o mote para uma discussão sobre questões suscitadas pelo tema, promovida na sala de aula.

Conclusão

A compreensão de diversos textos, materializados através de gêneros que compõem campos de atuação como o das práticas de estudo e de pesquisa e jornalístico-midiático, por exemplo, está diretamente associada à mobilização, por parte do leitor, de algumas estratégias e procedimentos de leitura, entre os quais o reconhecimento do tema central do texto é um dos mais importantes. 

O desenvolvimento dessa habilidade pode – e deve – ser ensinado nas aulas, não apenas de Língua Portuguesa, mas também de outros componentes curriculares.

São muitas as estratégias e propostas metodológicas a serem adotadas com o objetivo de contribuir para o processo de construção dos sentidos a partir da leitura de um texto. 

Como vimos, no decorrer deste artigo, os aspectos que devemos considerar como relevantes, em relação à formação de leitores, dizem respeito não apenas à interação entre os recursos linguístico-discursivos e semióticos no interior do texto. Mas também ao fato de que a compreensão depende da mobilização de conhecimentos e vivências social e culturalmente situados. 

Dicas de planejamento de atividades de leitura

Sendo assim, o planejamento de atividades de leitura que visem ao desenvolvimento da habilidade sobre a qual discorremos neste artigo devem considerar que:

  1. Não lemos textos, apenas, e sim gêneros, situados em campos de atuação, que têm características estruturais e funcionais definidas de acordo com seu propósito discursivo;
  2. Os estudantes devem perceber que elementos como título, subtítulo e imagens que integram textos científicos e jornalísticos funcionam como elementos de síntese e que, portanto, remetem à temática central, fornecem pistas sobre ela;
  3. A leitura com o propósito de buscar informações ou de realizar o estudo do texto precisa ter propósitos definidos, os quais diferem dos da leitura de fruição, apreciação do texto, por exemplo;
  4. As atividades de leitura propostas em sala de aula, com fins pedagógicos, precisam ter a tutoria do(a) professor(a), que atua apontando aspectos importantes que podem passar despercebidos pelos estudantes. Essa orientação é importante para que eles possam, posteriormente, já com maior autonomia, trilhar sozinhos esse percurso.

Referências:

BRASIL, SEB/MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa/Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC / SEF, 1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues.pdf

BRASIL, SEB/MEC. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC/SEB, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/

GERALDI, João Wanderley (Org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2003.

 LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 1993.POSSENTI, Sírio. Leitura errada existe. In: BARZOTTO, Valdir Heitor (org.). Estado de leitura. Campinas, SP: ALB/Mercado de Letras, v. 1, 1999. p.169-178.

Paloma Borba é doutora em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É professora adjunta da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Atua na área de Linguística, com ênfase nos estudos sobre Gêneros Textuais, Multimodalidade, Letramentos e na Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Portuguesa. E-mail: palomaborba@yahoo.com.br