Será que é dislexia? Lentidão na leitura ou escrita, dificuldade para entender o encadeamento das letras e as palavras que elas formam, além de pouca aptidão para relacionar as sílabas formadas com seus fonemas. Em um primeiro olhar, para muitos, sintomas de um baixo Quociente de Inteligência (Q.I.) ou algo semelhante. 

O que você diria, então, se soubesse que Albert Einstein, Steve Jobs e Walt Disney estiveram entre as pessoas com propensão a apresentar estes problemas? Se pesquisar um pouco, descobrirá que estas três figuras proeminentes possuíam algo além da genialidade como um traço em comum: eram portadores de dislexia. 

Ao analisar os exemplos dos disléxicos mencionados, até então, pode-se perceber que o distúrbio não é incapacitante nem limitador. E, mesmo que o seu portador não venha a apresentar a mesma capacidade intelectual das três geniais figuras, é capaz de desenvolver todo e qualquer tipo de atividade. 

Que o diga o restante de uma extensa lista de disléxicos, composta também por nomes como Steven Spielberg, Magic Johnson, Will Smith, Jamie Oliver, Cher, Tom Cruise, Lewis Hamilton ou o brasileiro Pedro Cardoso. Para o desenvolvimento do pleno potencial de toda a habilidade dos portadores de dislexia é preciso, entretanto, identificar o problema precocemente e tratá-lo de forma adequada.

O que é Dislexia?

Trata-se de um transtorno do neurodesenvolvimento que afeta habilidades básicas de leitura e linguagem devido a alterações nos sistemas cerebrais responsáveis pelo processamento fonológico. Por isso, a dificuldade do disléxico para processar os sons das palavras e associá-los às letras. 

Em função dessa redução no processamento dessas informações, da capacidade de fluência e memorização, algumas crianças podem demorar até quatro vezes mais do que um não portador de dislexia para compreender uma frase. 

Estudos apontam que, além do caráter hereditário, o gênero masculino é mais propenso à dislexia. De acordo com a fonoaudióloga e especialista em psicopedagogia, Carolina Didier, é, realmente, uma característica mais comum entre meninos. 

“Além disso, por ser um transtorno específico de aprendizagem de origem neurobiológica, traz uma carga genética importante. Então, quando um paciente chega ao consultório, busco resgatar essa história da família. Se alguém já teve dificuldade com leitura escrita, se refez um ano por várias vezes, se a profissão desta pessoa está mais voltada ao meio acadêmico ou não”, exemplifica.

Como a medicina classifica a dislexia?

Para a 10ª revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID 10), a dislexia é considerada um transtorno específico de leitura, independentemente de seus portadores apresentarem problemas quanto à escrita. 

Já o manual mais utilizado para nomenclatura de doenças mentais, o DSM 5 (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), ampliou estes critérios em sua última versão, passando a classificar a dislexia na categoria de Transtornos de Dificuldades Específicas de Aprendizagem. Inclui, consequentemente, um conjunto de habilidades acadêmicas, abarcando também a expressão escrita e a matemática, além da escrita. 

Quais são os sinais e sintomas da dislexia?

É importante identificar e tratar a dislexia desde o início do ingresso do aluno nas instituições de ensino, visto que ela pode limitar o desenvolvimento escolar e acadêmico. Em casos mais extremos, até levar a criança ao abatimento e depressão. 

Por isso, é importante que se esteja atento a alguns comportamentos. “Nos primeiros anos de vida, por exemplo, podem ser perceptíveis dificuldade com nomes das pessoas, de orientação espacial, de memorização quanto a datas de aniversário ou números de telefone. Na alfabetização, dificuldade com rimas, aliterações, de relacionar letra com sons, de memorizar letras do alfabeto e do seu próprio nome.  É mais comum de se perceber, realmente, no ambiente escolar, porque como está associado a um aprendizado da leitura e da escrita, é mais fácil que os pedagogos percebam e façam um encaminhamento para uma avaliação”, explica Carolina.

A lista, abaixo, enumera alguns dos sinais e sintomas da dislexia. É importante, entretanto, que o correto diagnóstico seja feito por uma equipe multidisciplinar de especialistas. Além disso, alguns dos sintomas podem indicar outro problema, que não a dislexia. 

“De toda minha experiência, observo que não temos tantos disléxicos como imaginamos. Se formos observar o histórico escolar da criança, por exemplo, podemos verificar mudanças frequentes de escola, com metodologias e qualidades de ensino diferentes, o que a prejudica na leitura e escrita. Muitos chegam no consultório com esta suspeita, mas ela não se confirma. Em todos estes anos de atendimento, percebo que o disléxico oscila no processo de evolução. Quem não possui o distúrbio, evolui significativamente na leitura e escrita com três, quatro ou seis meses de intervenção. O disléxico, não. Ele persiste mais tempo com erros ortográficos, leituras em que quando termina a frase já não lembra mais o que leu, por exemplo”, informa a fonoaudióloga.

Alguns sinais e sintomas

  • Troca de algumas letras, principalmente quando elas possuem sons parecidos, como “f” e “v”, “b” e “p”, “d” e “t”;
  • dispersão;
  • inversão ou omissão de sílabas durante leitura ou escrita
  • dificuldade de associação entre letras e sons;
  • confusão entre vocábulos semelhantes como macarrão e camarão;
  • erros frequentes de ortografia;
  • dificuldade de aprender rimas, canções e com aliteração (sons iguais no início das palavras);
  • dificuldade de orientação espacial (direita x esquerda); 
  • dificuldade com quebra-cabeças;
  • falta de interesse em livros impressos;
  • dificuldade em copiar de livros e da lousa;
  • dificuldade na coordenação motora fina (letras, desenhos, pinturas etc.) e/ou grossa (ginástica, dança etc.);
  • dificuldade em manusear mapas, dicionários, listas telefônicas etc.

O Cebolinha não tem dislexia, mas dislalia

Troca de letras é, sim, uma característica dos disléxicos. Por isso, muitos acreditam que o carismático personagem da Turma da Mônica seja um exemplo dos portadores da doença. 

No caso dele, entretanto, o distúrbio da fala do Cebolinha é o que se configura como dislalia, mais comum entre crianças e também mais fácil de se identificar. Ele acontece porque o domínio dos fonemas acontece paulatinamente, conforme desenvolvimento e estímulos. O último a ser incorporado no vocabulário é justamente o “R” brando (de prato), que o Cebolinha não consegue pronunciar. 

A dislalia caracteriza-se, apenas, pela dificuldade na articulação destes fonemas, que pode ser pela omissão (“omei” em vez de tomei), troca (“balata” em vez de barata) ou acréscimo (“atelântico” em vez de atlântico).

O diagnóstico da dislexia

O caminho para o diagnóstico começa na idade em que se inicia o processo de alfabetização. “Se a criança começou, realmente, no primeiro ano, vamos observar. Caso estas dificuldades persistam até o terceiro, podemos, sim, fechar o diagnóstico, que é de exclusão, na verdade. Antes dele, recomendamos avaliação oftalmológica e do processamento auditivo central, por exemplo. Muitas crianças com alteração neste processamento possuem dificuldade de compreender o ruído. Então, em uma sala de aula, com muito barulho, isso pode acontecer. Temos que descartar uma otite não diagnosticada ou um rebaixamento de inteligência, com um especialista em neuropsicologia, além de verificar questões mais pedagógicas envolvidas”, revela Carolina. O diagnóstico final, portanto, é definido por uma equipe multidisciplinar de neurologistas, fonoaudiólogos e/ou psicólogos.

O tratamento

Tanto o fonoaudiólogo quanto o psicólogo podem criar estratégias para que a criança, adolescente ou adulto possa superar as dificuldades e barreiras diárias. Além disso, a tecnologia pode ser uma grande aliada em todo este processo: já existem softwares, até videogames específicos, direcionados ao treinamento das habilidades na leitura e escrita e audiobooks que propiciam maior estímulo à associação entre letras e som das palavras. Em alguns casos, a terapia também pode contribuir para suavizar possíveis crises emocionais advindas do problema. 

Dislexia na escola: como identificar e ajudar o aluno?

É na escola que os principais desafios, tanto para o disléxico quanto para o corpo docente, se apresentam. É neste ambiente, então, que eles precisam ser enfrentados, sempre de forma enfática, mas também empática. 

Como o portador da dislexia precisa, efetivamente, de alternativas para a aprendizagem, é importante, primeiramente, que os professores e demais profissionais da instituição de ensino conheçam as características do transtorno e as melhores intervenções pedagógicas. 

A fonoaudióloga Carolina Didier indica, por exemplo, iniciativas como colocar o aluno disléxico mais próximo do professor e dar a ele mais tempo para realização de provas. “Se a dificuldade na leitura ainda é muito grande, o docente pode fazer a leitura de provas e atividades para que o aluno possa responder oralmente. À medida que esta criança vai evoluindo, a ajuda pode ser reduzida. É importante, também, não considerar tanto seus erros ortográficos, ao corrigir as provas, mas o que ela escreve. Não solicitar, também, leitura em voz alta na frente de todos, porque isso pode causar problemas emocionais. Na sala de aula, com todos, o professor que se preocupa com a turma toda faz uma diagnose com cada aluno e traça um perfil daquela turminha, trabalhando cada aluno individualmente”, ensina.

Trabalhando a percepção auditiva

Uma das alternativas é utilizar música em sala de aula. Isto porque esta ferramenta estimula o trabalho com aspectos como ritmo, concentração e atenção, ajudando as crianças disléxicas a perceberem o som e a forma das palavras. Para trabalhar a percepção da sequência auditiva e as habilidades de consciência fonológica, é interessante também que se bata palmas para a criança imitar enquanto se soletra as palavras. Rimas também auxiliam. 

Trabalhando a percepção visual

As atividades que trabalham tanto a percepção auditiva quanto a visual auxiliam na identificação e sequenciamento do processo de leitura e escrita. Neste segundo caso, algumas das ditas são alternativas como jogos dos sete erros, figura e fundo ou caça-palavras, por exemplo. 

Dislexia na fase adulta

Não foi encontrada, ainda, cura para a dislexia. O tratamento realizado desde o início do diagnóstico, entretanto, dá ao disléxico a possibilidade de criar estratégias para ir superando suas dificuldades. 

Na idade adulta, é, geralmente, aquela pessoa que lê muito lentamente, com imprecisões, substituições de palavras, dificuldade de soletrar, que possui erros ortográficos e apresenta dificuldade de preparar resumos. 

“Vão se escondendo, então, com respostas curtas para não mostrar tantos erros de escrita. A dificuldade com a leitura persiste ao longo dos anos mesmo com apoio pedagógico. Intervenções em fonoaudiologia propiciam uma melhora grande, sim, mas, de fato, não há cura. Apesar disso, costumo dizer o seguinte: podemos ir de ônibus ou avião para o mesmo lugar. O disléxico vai de ônibus, mas chega. É muito bom pensar nisso, na possibilidade de ajudá-lo e fazer com que chegue”, finaliza Carolina. 

Gostou de ler sobre o tema? Então saiba mais sobre o professor do presente e o ambiente virtual!

Patrícia Monteiro de Santana

Jornalista formada pela Universidade Federal de Pernambuco, em 2000. Com atuações em veículos como TV Globo, Revista Veja e Diario de Pernambuco, além de atuante em assessoria de comunicação empresarial, cultural e política.dislexia