MENU

Como explicar sobre política e democracia para crianças?

7 de outubro de 2021,
E-docente

Em nosso país, a constituição da democracia parece estar sempre cercada de muita vulnerabilidade. Temos uma Lei Maior, a Constituição de 1988 que é conhecida como Constituição Cidadã, mas esses trinta e três anos de Constituição nos mostram que há muito a se fazer se quisermos superar as idas e vindas, avanços tímidos e retrocessos devastadores no campo democrático. O caminho mais duradouro para essa mudança de cultura é a educação!

É sobre educação para participação, convivência cidadã e para democracia que convido vocês neste esse papo. 

Retomando a nossa Constituição, recuperamos a menção à gestão democrática na Educação Pública. Nas minhas aulas na graduação e na pós-graduação sobre Gestão Escolar, é recorrente a pergunta que me fazem os(as) estudantes: por que não vemos essa gestão democrática que a senhora tanto fala, nas escolas (públicas) que conhecemos?

A pergunta é recorrente por ser muito válida, é a constatação de uma realidade. Mas ainda assim, não estaria considerando de forma mais complexa, o motivo desse distanciamento entre o proposto, o propagado e o vivido cotidianamente no chão da escola.

Estávamos saindo de anos de autoritarismo, então o que conhecíamos se distanciava muito do proposto na Carta Magna.

Foram anos de silêncio, em que não havia qualquer tipo de participação cidadã, a não ser no dia das eleições, mas mesmo essa estava envolta a campanhas atreladas ao assistencialismo e distantes do interesse coletivo. Há, ainda, uma tendência à desresponsabilização dos eleitores, quando dado representante político é eleito.

Ao elegermos esse representante, parecemos assinar um cheque em branco que nos desobriga à participação política de acompanhar o mandato. O autoritarismo conciliado com a educação descomprometida com o letramento político nos forjou e, na atualidade, parece ser mais fácil ser o militante das redes sociais.

As influências internas e externas

 O cenário “externo” influencia diretamente a cultura escolar e a forma como os sujeitos percebem o mundo e nele intervém.

Mesmo as escolas ou redes que já tinham avançado no sentido de elegerem os seus gestores, pareciam se contentar com este único viés da gestão democrática. A eleição dos diretores, sozinha, não efetiva a gestão democrática. A eleição não nos exime da corresponsabilização, da construção coletiva e cotidiana do projeto político-pedagógico como centralidade na escola. A participação não pode ser delegada!

Como formar estudantes para a participação e envolvimento com práticas democráticas, desde os anos iniciais?

Primeiro caminho: revendo a postura de todos os(as) envolvidos na formação do cidadão do amanhã. Quando falo “todos(as)”, estou pensando em todos(as) os(as) profissionais que compõem a comunidade escolar. Todos somos responsáveis pela participação e pela constituição de uma gestão democrática.

Façamos algumas perguntas de autoavaliação:

  • estamos estimulando que os(as) estudantes se posicionem oralmente?
  • Promovemos, junto aos estudantes, a construção coletiva de rubricas de avaliação? Estimulamos a autoavaliação discente?
  • Apresentamos abertura para modificar o plano da aula, de acordo com sugestões dos(as) estudantes?
  • Estamos promovendo escuta ativa e interessada?
  • Estamos respeitando todos os profissionais da escola, mesmo aqueles que não convergem com os nossos ideais/religião/partido político/círculo social/formação acadêmica/tempo de escola/etnia/sotaque, etc?
  • Como estamos comunicando, no espaço físico e ciberespaço, o respeito à diferença, ao argumento diverso e à postura didática de quem se compromete com a diversidade?

E sobre a participação e o letramento político

Lembramos qual foi o deputado estadual, o federal, o senador que votamos? Acompanhamos o seu mandato? Conhecemos a função destes representantes? E na esfera executiva? Sabemos o que é esperado de um presidente ou governador ou prefeito? 

E na microesfera: como participamos para fazer o projeto político-pedagógico se constituir? Há estudantes envolvidos nas diversas etapas desta participação ou eles são convidados de forma burocrática, para marcar presença pontual e comprovar um certo nível de participação? Está havendo distribuição efetiva de poder com os demais profissionais? 

Estas perguntas são para provocar mesmo. Não trazem conforto ou consolo, confesso a vocês, mas alguma angústia, negação, desculpas…

Para educar para participação precisamos ser coerentes! 

Os(As) estudantes dos Anos Iniciais observam nossas ações e encontram ali o exemplo da cultura escolar a ser alimentada.

Quais serão nossas ações

Estamos predispostos a rever nossa posição/ação, para então (ou ao mesmo tempo) observar e praticar as seguintes sugestões para educar para participação e democracia? A se pensar… Mas apresento algumas sugestões que podem ajudar um pouco a sanar o mal-estar que posso ter causado; vamos a elas:

  1. Promover atividades que acessem e valorizem a diferença
    Trabalhar com os(as) estudantes a veiculação de diversas culturas, buscando a constituição do respeito ao diferente, ao processo histórico de silenciamento que dado grupo identitário sofre e entender o diferente como diversidade a ser valorizada e não a ser hostilizada e apagada.
  2. Reconhece a influência das redes sociais na cultura
    Pesquisar, junto aos estudantes, o impacto do “filtro bolha” das redes sociais na atualização do feed, pois a inteligência artificial que provê o sistema de recomendação nas redes intensifica o apagamento das diferenças e a homogeneização de um único ponto de vista. Se minhas redes sociais só me mostram aquilo com o que já compactuo, conseguirei ver menções ou postagens que divergem do meu ponto de vista, sem estranhamento? A abertura estará ali constituída?
  3. Estimular e subsidiar a constituição de coletivos discentes para representação de pautas coletivas
    Ainda não estamos falando de grêmios estudantis, mas propiciar o exercício democrático de ações discentes, descentralizando poder e responsabilidade. Trabalhos em grupo também podem ser o ponto de partida, mas a mediação docente no início é fundamental para a corresponsabilização e trabalho em prol de uma ação em comum.
  4. Instaurar a ética da tolerância
    Avaliar distintas perspectivas de um mesmo fenômeno, notícia ou informação. Promover estratégias como o júri simulado, por exemplo, com argumentos sólidos, fundamentados e respeitosos sobre pelo menos dois pontos de vista de um mesmo fenômeno.
  5. Analisar distintas mídias de grande alcance e visibilidade
    Trazer para análise coletiva, filmes, comerciais, trechos de novela, programa jornalístico, desenhos, músicas, etc. para desvelar o preconceito ali contido e produzir alguma reescrita ou remix da mídia, para superar tal problema.
  6. Promover divulgação positiva de grupos minoritários
    Trazer gêneros textuais e digitais ou produzi-los com os(as) estudantes, para veicular imagem positiva de grupos historicamente marginalizados.
  7. Desconstruir o preconceito veiculado por meio de brincadeiras
    Esta é uma ação fundamental para evitar o bullying e o cyberbullying, além de outras manifestações desrespeitosas e criminosas como o racismo recreativo, por exemplo. Fazer o(a) estudante compreender que, em uma brincadeira, todos os lados precisam estar consentindo e se divertindo.
  8. Abrir as portas da escola para a comunidade
    Muitas das ações acima podem e devem ser contextualizadas e implementadas junto aos responsáveis, para que o currículo e a responsabilidade com a educação e a escola sejam parte da realidade de toda comunidade escolar. Evitemos acionar a comunidade apenas em eventos e em ações assistencialistas. Promovamos a participação da comunidade no trabalho escolar, fazendo-a compreender o que está sendo trabalhado, como e porquê.
  9. Assumir o letramento digital como parte inerente à constituição da democracia
    Trabalhar intensamente o desvelamento das estratégias discursivas veiculadas na rede para manipular, por meio de Fake News ou sensacionalismos. A guerra de narrativas digitais vem se constituindo como o maior obstáculo à democracia nos tempos atuais. Estudemos com afinco as estratégias multimidiáticas de leitura crítica das mídias, o conceito de pós-verdade, a base emocional para propagação de notícias falsas e o risco das deep fakes no cenário político.
  10. Considerar no seu planejamento, as produções digitais já produzidas
    Há distintos recursos digitais educacionais, sites, objetos educacionais e jogos que podem contribuir com o planejamento docente voltado para o respeito, para a veiculação de distintas vozes, perspectivas e para promoção da participação. Deixo alguns materiais como sugestão para vocês:
    Podcasts sobre segurança on-line
    Jogo Caô Digital (MultiRio)
    Quiz sobre verificação de fatos (em inglês)
    Caçadores de balela
    Caça à informação (Flashcards)
    Infográfico interativo
    Jogo De Olho na Fake (pesquisa de doutorado da USP – doutorando Daniel Cerqueira Silva)
    Educação para cidadania – Câmara Legislativa
    Plenarinho

Conclusão

Encerro esta nossa conversa com a contribuição mais que fundamental de Gadotti (2002, p. 55):

“Não se pode formar governantes se não forem sujeitos intelectualmente autônomos. […] a escola burocrática não forma governantes, mas governados. Trata-se, portanto, de construir uma escola pública universal – igual para todos, unificada – mas que respeite as diferenças locais, regionais, enfim, a multiculturalidade, ideia tão cara e fundamental da teoria da educação popular.” 

Referência:

GADOTTI, Moacir. Escola Cidadã. 8. Ed. São Paulo: Cortez, 2002.

Keite Silva De Melo

Doutora em Educação pela PUC-Rio e professora do Ensino do curso de Pedagogia e da especialização em Gestão Educacional Integrada no Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ/FAETEC), além de ser pesquisadora do grupo de Pesquisa Identidades e Saberes Docentes (GPIDOC/ISERJ/CNPq). Também é professora na rede municipal da SME de Duque de Caxias/RJ, onde atua com a formação de professores pelo Centro de Pesquisa e Formação Continuada Paulo Freire (CPFPF/SME-DC). Em 2019 foi agraciada com o Prêmio Paulo Freire, na categoria: Experiência Pedagógica no Ensino à Distância, pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. 

Crie sua conta e desbloqueie materiais exclusivos

Voltar
Complete o cadastro para receber seu e-book
Já possui uma conta?Acessar conta
ACREALAGOASAMAPÁAMAZONASBAHIACEARÁDISTRITO FEDERALESPÍRITO SANTOGOIÁSMARANHÃOMATO GROSSOMATO GROSSO DO SULMINAS GERAISPARÁPARAÍBAPARANÁPERNAMBUCOPIAUÍRIO DE JANEIRORIO GRANDE DO NORTERIO GRANDE DO SULRONDÔNIARORAIMASANTA CATARINASÃO PAULOSERGIPETOCANTINSACREALAGOASAMAPÁAMAZONASBAHIACEARÁDISTRITO FEDERALESPÍRITO SANTOGOIÁSMARANHÃOMATO GROSSOMATO GROSSO DO SULMINAS GERAISPARÁPARAÍBAPARANÁPERNAMBUCOPIAUÍRIO DE JANEIRORIO GRANDE DO NORTERIO GRANDE DO SULRONDÔNIARORAIMASANTA CATARINASÃO PAULOSERGIPETOCANTINS

Veja mais

Nomofobia: como o medo de ficar sem celular afeta estudantes
24 de junho de 2025

Nomofobia: como o medo de ficar sem celular afeta estudantes

A nomofobia, termo que deriva de "no mobile phone phobia", tornou-se um fenômeno crescente entre estudantes de todas as idades. ...
Qual a importância do Ideb para o seu município?
20 de junho de 2025

Qual a importância do Ideb para o seu município?

A importância do Ideb para o seu município é um tema central nas discussões sobre a qualidade da educação no...
10 ferramentas de tecnologia na Educação que todo professor deve conhecer em 2025
19 de junho de 2025

10 ferramentas de tecnologia na Educação que todo professor deve conhecer em 2025

Mais do que nunca, a necessidade de se atualizar toma conta de todas as áreas, e a Educação também não...
Soft skills que os professores devem estimular nos alunos para o sucesso profissional
18 de junho de 2025

Soft skills que os professores devem estimular nos alunos para o sucesso profissional

As soft skills estão cada vez mais frequentes no linguajar corporativo. São aquelas habilidades interpessoais, que não podem ser medidas...
Identidade Saraiva - Língua Portuguesa: o encontro da literatura e gramática no ensino médio
17 de junho de 2025

Identidade Saraiva - Língua Portuguesa: o encontro da literatura e gramática no ensino médio

Você já se perguntou como o estudo da Língua Portuguesa pode ser mais envolvente e conectado com a realidade dos...