Qual a importância da interdisciplinaridade? Você tem algum quadro de um artista famoso em casa? Então chegue bem perto dele ou se não tem, busque um na internet e dê um zoom olhando beeem de perto. 

Vamos tentar com a imagem abaixo:

O que você vê? Uma parte pequena da obra, na qual apenas especialistas ou grandes fãs do autor podem identificar. Porém, quando não remetemos à sua totalidade, ao contexto em que é exposta, e analisamos apenas o que vemos, podemos dizer que temos alguns tons de cores, pinceladas sem retidão, mas que não completam um sentido.

Mas, leitor(a), você deve estar se perguntando: o que isso tem a ver com o tema exposto no título deste texto. Calma, chegaremos lá…

A divisão disciplinar

Quando pensamos no ensino, sempre nos remetemos às divisões impostas para a compartimentalização da educação, que acabam resultando nas chamadas “disciplinas”. A partir dessa divisão, temos toda a organização escolar: currículo, equipe de professores, horários, etc. Já conhecemos bem tal estrutura e como ela se mantém imóvel há décadas em praticamente todo o sistema escolar brasileiro. 

Desde o ano passado, enfrentamos uma pandemia que mexeu e ainda vem mexendo com as vidas de todas as pessoas no mundo. No caso brasileiro, os diversos problemas que o sistema escolar já enfrentava acabaram potencializados e os professores se viram frente a um imenso desafio, tendo de se reinventar em meio a aulas remotas.

Mas, para além dos problemas, será que há novos caminhos a serem seguidos e que podem trazer avanços? O tal ensino fragmentado, por meio das novas tecnologias que invadiram o cotidiano escolar, poderá ser finalmente agrupado?

As diversas concepções de interdisciplinaridade

Poderíamos voltar à antiguidade clássica e citar a divisão do conhecimento:

  1. ou discutir se realmente foi Platão um dos pioneiros em defender uma ciência unificada;
  2. ou traçar um panorama de como chegamos à fragmentação de disciplinas que vemos hoje.

Porém, como temos pouco espaço aqui e uma clara urgência em tempos de pandemia, nossa proposta é trazer caminhos práticos (em vez de discussões teóricas), que indiquem saídas e novos projetos de integração do saber, contextualização dos conteúdos e um trabalho verdadeiramente interdisciplinar, aproveitando principalmente as redes tecidas e já inerentes ao meio digital. 

O sucesso de um projeto educativo depende do convívio em grupo produtivo e cooperativo. Dessa forma, são fundamentais as situações em que se possa aprender a dialogar, a ouvir o outro e ajudá-lo, a pedir ajuda, aproveitar críticas, explicar um ponto de vista, coordenar ações para obter sucesso em uma tarefa conjunta, etc.

É essencial aprender procedimentos dessa natureza e valorizá-los como forma de convívio escolar e social. Trabalhar em grupo de maneira cooperativa é sempre uma tarefa difícil, mesmo para adultos convencidos de sua necessidade. 

A criação de um clima favorável a tal aprendizado depende do compromisso do professor em aceitar contribuições dos alunos (respeitando-as, mesmo quando apresentadas de forma confusa ou incorreta) e em favorecer o respeito, por parte do grupo, assegurando a participação de todos os alunos. (PCNs, p. 91)

PNLD 2021 – Objeto 2: Acesse a obra “Matéria, Energia e Vida: Uma Abordagem Interdisciplinar – Volume 1“.

A importância de tarefas conjuntas segundo o PCN

A seção dos Parâmetros Curriculares Nacionais sobre interação e cooperação nos mostra como é importante a promoção de tarefas conjuntas nas escolas e como essas conversas podem ser proveitosas. Em tempos não só de pandemia, mas também de polarização política, é essencial que tenhamos mais trocas em todos os âmbitos, sejam eles escolares, profissionais ou familiares.

Esse caminho de convivência e respeito às diferenças também é indicado na Base Nacional Comum Curricular, homologada em 2017:

No novo cenário mundial, reconhecer-se em seu contexto histórico e cultural, comunicar-se, ser criativo, analítico-crítico, participativo, aberto ao novo, colaborativo, resiliente, produtivo e responsável requer muito mais do que o acúmulo de informações.

Requer o desenvolvimento de competências para aprender a aprender, saber lidar com a informação cada vez mais disponível, atuar com discernimento e responsabilidade nos contextos das culturas digitais, aplicar conhecimentos para resolver problemas, ter autonomia para tomar decisões, ser proativo para identificar os dados de uma situação e buscar soluções, conviver e aprender com as diferenças e as diversidades. (P. 16)

A interdisciplinaridade busca integrar os saberes

Mais especificamente falando de interdisciplinaridade, há diversas concepções sobre esse termo, inclusive o que Fazenda (1994) nos traz, ressaltando o contexto histórico em que o conceito é reconhecido na Europa:

O movimento de interdisciplinaridade surge na Europa, principalmente na França e na Itália, em meados da década de 1960[…], época em que se insurgem os movimentos estudantis, reivindicando um novo estatuto de universidade e de escola (p. 18)

Porém, para os fins práticos aqui estabelecidos, trabalhemos com o conceito de interdisciplinaridade como busca por uma maior integração dos saberes, em que conteúdos são trabalhados de forma interativa, unindo duas ou mais disciplinas, sempre levando em conta o contexto em que são promovidas as aulas. 

Leia também: Projetos Integradores: o que são e qual seu objetivo no PNLD?

Provavelmente, todos que me leem já tenham tentado, por iniciativa própria e isolada, citar a aplicabilidade de outra disciplina em algum conteúdo discutido em sala; ou, ainda, tenham participado de algum projeto interdisciplinar e enfrentado algumas dificuldades, seja por falta de organização da escola, por má vontade de outros professores, por falta de tempo, por não verem ligações entre as disciplinas ou por falta de maturidade dos alunos em perceberem a ligação entre os conteúdos discutidos e a realidade, etc. Mas, não ache que o problema está em você, leitor(a). Veja o que nos diz Santomé (1998): 

A interdisciplinaridade é um objetivo nunca completamente alcançado e por isso deve ser permanentemente buscado. Não é apenas uma proposta teórica, mas sobretudo uma prática. (p. 66)

O que fazer com a interdisciplinaridade

Ah, então “o que que eu vou fazer com essa tal interdisciplinaridade?”. Calma, afinal, a gente aprende, a vida é uma escola. E, atualmente, uma escola com ensino remoto, que utiliza a grande rede mundial de computadores.

“Só pra contrariar”, você, leitor(a), pode estar me questionando sobre as dificuldades de acesso dos alunos, a falta de formação dos professores para lidarem com as tecnologias, a sobrecarga de trabalho, a impossibilidade de conciliar as tarefas domésticas com as pessoais e as profissionais.

Sim, você tem toda a razão, todos estamos nos sentindo assim. Mas, conforme combinamos no início do texto, a proposta aqui é trazer caminhos e soluções a partir dos problemas que se apresentam. 

Pandemia e ensino

Então, vamos lá: voltando à imagem do início do texto, façamos um paralelo com a forma como nossos alunos têm acesso ao saber dentro das escolas a partir do modelo que encontramos hoje. As disciplinas, estanques, separadas como são oferecidas, mostram apenas uma parte especializada da realidade, vista em zoom a partir do olhar de um especialista.

Quando trabalhadas dessa forma, quadro a quadro, sem ligações, em momentos distintos, sem ligação com a realidade, não passam de tons de cores e pinceladas sem retidão. 

O tão falado trabalho interdisciplinar vem para afastar o aluno do quadro, mostrando o todo, o sentido completo do mesmo, o contexto em que foi criado e está sendo exposto, a intenção dessa exposição. Tudo a partir da visão de cada especialista, claro.

Apenas após esse entendimento do todo é que será possível se atentar aos detalhes, buscando explicações mais específicas, que ajudem a entender ainda melhor aquele “todo” visto somente após a integração dos quadros menores. 

Leia também: O trabalho pedagógico com áreas do conhecimento.

No atual momento da pandemia, vemos a participação dos atores educacionais por meio de seus equipamentos digitais: celulares, notebooks, tablets, todos necessariamente conectados à internet.

O hipertexto, que é a possibilidade de conexão contínua, que nos leva a outros lugares por meio de um simples clique, também facilita essa quebra de barreiras, aproximando pessoas e interesses. Por quê então, essas conexões não são aproveitadas para maiores trocas entre professores, alunos e equipe escolar como um todo para a formação de atividades integradas, interdisciplinares, conectadas à realidade dos alunos?

Talvez pelos mesmos motivos que essas trocas não ocorrem fora da internet. Mas, como eu venho dizendo, busquemos soluções.

Como começar?

O primeiro passo é conhecer a realidade dos alunos com os quais lidamos: seus anseios, suas dificuldades, seus interesses, como está seu acesso às aulas remotas.

Essa tarefa é essencial para que possamos buscar a contextualização dos conteúdos trabalhados à vida  dos estudantes, relacionando as visões separadas das disciplinas e criando uma ligação que as faça ter sentido, pois, como nos alerta o artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação:

Art. 26.  Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos.  

Por falar da LDB, devemos recorrer aos documentos oficiais que regem o ensino no Brasil, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), além, é claro, do plano político pedagógico das escolas em que vocês atuam e outros que auxiliem na busca de um caminho comum entre disciplinas. 

Trabalho em conjunto entre professores

Também precisamos buscar essa comunicação em rede com nossos pares e propor atividades que se apliquem ao contexto em que atuamos, de acordo com as informações coletadas junto aos alunos.

Para que tenhamos acesso a tais dados, é importante uma participação ativa dos diversos atores do processo educativo, como coordenações, direção, representantes de turma, etc. Quanto mais bem formada essa rede, mais êxito teremos na criação das atividades.

A participação efetiva dos estudantes

Outra estratégia bastante interessante e valiosa seria buscar a interdisciplinaridade não apenas por meio dos docentes, mas também a partir dos alunos, já que são eles que têm acesso a todos os conteúdos oferecidos pelos diferentes professores.

Individualmente, podemos propor atividades em que os próprios alunos tenham de pensar na aplicação contextual de aspectos trabalhados em diferentes disciplinas (podem ser pelo menos duas), para que comecem a enxergar de forma diferente como o conhecimento é um só, e as situações oferecidas pela vida exigem múltiplos conhecimentos, sem compartimentalização.

Claro, para que essa estratégia seja viável, é necessário um mínimo de maturidade por parte dos estudantes. Além disso, quanto menor for a maturidade, maior será o detalhamento da atividade que propusermos.

Leia também: Habilidades e ferramentas para realizar um projeto integrador.

Bom, acho que podemos perceber que não existe uma receita pronta de como agir, principalmente porque cada um de nós vive em realidades distintas, com peculiaridades que precisam ser levadas em conta.

Ainda por cima, vivemos em um momento tão atípico, único na história da humanidade, que a principal estratégia, a meu ver, é termos paciência e humildade para aprender constantemente.

Além disso, como venho alertando desde o início do texto, este espaço é curto, então pretendo apenas indicar possíveis caminhos a seguir.  

Porém, sempre há saídas digitais para ampliarmos o espaço de discussão ?. Criei um documento coletivo que vocês podem acessar pelo link.

Aqui, todos os professores de diversas disciplinas e diversos anos de escolaridade, poderão se reunir, conversar e trocar estratégias de como desenvolver atividades interdisciplinares na pandemia e no pós-pandemia (o qual esperamos chegar logo…).

A troca de experiências sempre foi uma das mais poderosas vacinas para males que nos assolam. Então, sigamos juntos!

Conclusão

E claro, eu não poderia deixar de mostrar para vocês a obra de arte completa, com o devido afastamento e com todos os seus frames:

O grito, de Edvard Munch, 1893.

Ou seja, agora sim, podemos apreciá-la integralmente e tecer diversos comentários. Inclusive, utilizá-la interdisciplinarmente, trabalhando formas, cores, traços de Munch; o contexto histórico em que foi pintado; a localização do país em que foi criado e a influência política da época; a interpretação das intenções do artista; etc.

Que tal recriá-la e recontextualizar no momento atual do Brasil e do mundo? Vejam, ao nos afastarmos, conseguimos ver melhor, para depois, nos aproximarmos e podermos, de fato, fazer uma análise mais profunda e detalhada. 

Trabalhar com interdisciplinaridade não significa abrir mão dos especialistas, significa valorizar o que cada disciplina tem de melhor, destacando sua aplicabilidade e sua importância em momentos reais. É esse o grito de inovação e criatividade que esperamos. 

Referências bibliográficas

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental – introdução aos parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. 174 p. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/introducao.pdf. Acesso em 01 jun. 2021. 

_____. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular / Secretaria de Educação Básica. Brasília: MEC/SEB, 2017. 600p. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em 01 jun. 2021.

_____. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96, de 20 dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 01 jun. 2021. 

FAZENDA, Ivani C. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. 4. ed. Campinas: Papirus, 1994.

MUNCH, Edvard. O grito. Disponível em:
https://www.culturagenial.com/quadro-o-grito-de-edvard-munch/. Acesso em: 01 jun. 2021.

SANTOMÉ, J. T. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre, RS: Artes Médicas Sul Ltda., 1998.

Mini currículo

Tiago da Silva Ribeiro é professor do Magistério Superior no Instituto Nacional de Educação de Surdos nas disciplinas de Língua Portuguesa e Tecnologias da informação e comunicação. Tem experiência em turmas do ensino fundamental e médio, além de já ter atuado na modalidade on-line como mediador, orientador de trabalhos finais de curso, desenhista educacional, professor-autor e coordenador de curso. Seu Doutorado em Letras é pela PUC-Rio e teve como tema de trabalho o Internetês. Recentemente, organizou, junto à professora Tania Chalhub, o livro “Reflexões de um mundo em pandemia: educação, comunicação e acessibilidade”, disponível gratuitamente no site da Editora Ayvu, no link:
https://4c940ada-a8f2-4241-ab73-4171a11a5dc8.usrfiles.com/ugd/4c940a_7dd2bd65b600437aa48cd765d9bec7b4.pdf