Você provavelmente já percebeu, em entrevistas públicas na TV ou em experiências próximas, que a maioria das pessoas confessa ter pouca ou nenhuma intimidade com a arte, apesar de se sentirem atraídas e emocionadas em algumas situações.

Nós mesmos como professores(as) também podemos nos perceber ou perceber nossos(as) alunos(as) em condição semelhante. 

Independentemente dos motivos desse acanhamento, a afinidade artística é um dos aspectos que chamam a atenção para a nossa sensibilidade.

Esta pode ser desenvolvida a partir da Educação Estética, que é, inclusive, um elemento da educação para a nossa formação humanística e para a democracia. Vamos refletir um pouco?

Quer saber mais sobre Educação Estética?
Então, confira nosso conteúdo que preparamos sobre o tema!

Motivos da nossa in-sensibilização à arte, às pessoas e às coisas do mundo

Motivos da nossa in-sensibilização à arte, às pessoas e às coisas do mundo

As justificativas em torno de uma suposta “incapacidade” para apreciar a arte são muitas, sendo recorrentes as confissões sobre a falta de instrução para interpretar artefatos como quadros ou esculturas e a falta de tempo, prioridade ou oportunidade para vivenciar exposições e eventos teatrais, musicais ou de dança, por exemplo. 

Só esses dois aspectos já refletem a crença de que o objeto artístico é algo limitado a apenas algumas manifestações, é distante do nosso cotidiano e é reservado a espaços mais consagrados, como o teatro ou o museu. Além disso, revelam a ideia de que a arte é para o seleto público de especialistas ou pessoas com dom artístico ou com maior poder aquisitivo.

As pesquisadoras em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), Verussi Amorim e Maria Eugênia Castanho, no artigo Por uma Educação Estética na Formação Universitária de Docentes (2008), justificam também como as racionalidades neoliberal e pós-moderna contribuem para nosso estado de in-sensibilização contemporânea. Elas apontam fatores como:

Esses são alguns dos fatores que nos fizeram e fazem nos afastar da nossa subjetividade, do nosso autoconhecimento, do nosso direito de nos mostrar sensíveis às coisas do mundo e às pessoas. Portanto, é fundamental atentarmos para o resgate da nossa sensibilidade. 

Educação Estética para quê?

A pouca exposição e reflexão sobre as experiências artísticas, portanto também culturais, pode, eventualmente, deixarmos com a sensação de insensibilidade ou até mesmo constrangidos(as), numa posição desfavorável em determinados ambientes sociais. 

Isso porque o conjunto formado pelos conhecimentos e bens culturais (livros, quadros e demais artefatos artísticos) que adquirimos ao longo da vida em sociedade é o que constitui o nosso capital cultural, como denominado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu. 

Esse capital é essencial para o acesso a espaços e papéis sociais que quisermos vivenciar ― especialmente os mais prestigiados ― e, portanto, para a ampliação do nosso repertório de experiências de vida. Ele é apreendido em nossas práticas cotidianas, na família, na escola e em outras instâncias da sociedade. 

No entanto, sabemos que as diferenças de acesso ao conhecimento e aos bens culturais são inerentes às trajetórias de cada um de nós. A escola, por exemplo, lida com um alunado bastante diversificado, trazendo diferentes níveis de experiências e de acúmulo de capital cultural. 

Mas é também a própria escola a instituição responsável por “[…] desenvolver em todos os membros da sociedade, sem distinção, a aptidão para as práticas culturais que a sociedade considera como as mais nobres” (BOURDIEU, 2007, p. 62). 

Relevância da arte na Educação Estética

A arte, como prática cultural prestigiada, é um dos caminhos pelo qual somos provocados a nos reconhecer em nossos sentimentos e sentidos que produzimos em relação ao outro e às coisas cotidianas do mundo. Porém, defendemos uma sensibilidade ainda mais ampla, que se estenda para uma formação humanística e democrática. 

Assim, concordamos com Amorim e Castanho (2008, p. 1179-1180) ao definirem que: 

Educação estética refere-se à atitude do sujeito perante o mundo, o estabelecimento de uma relação sensível, de beleza, de harmonia com o mundo ― relação que está se ampliando para outros campos que não somente o da arte-educação […]. 

O que estamos defendendo é que a Educação Estética pode e deve ser trabalhada por professores(as) de diferentes áreas, de maneira transversal às suas disciplinas. Isso porque o objetivo central é educar para o sensível, dimensão que constitui todos os seres humanos e que é passível de reflexão nos temas que lhes envolvem. Mas como fazê-lo?

Caminhos para uma Educação Estética

Caminhos para uma Educação Estética

Como nos lembra o professor da Université Lumière Lyon II, Alain Kerlan, no artigo A Experiência Estética, uma Nova Conquista Democrática (2015), o qual indico com entusiasmo a leitura, a democratização cultural compreende as camadas de: acesso ao patrimônio artístico e cultural, acesso às práticas artísticas de sua escolha e acesso a uma verdadeira experiência estética. 

Essas camadas remetem à sensibilização e têm rebatimento na liberdade, elemento fundamental da democracia. Para o estudioso:

[…] algo de essencial para a liberdade está em jogo nessa relação sensível bastante específica que temos não só com as obras de arte, mas também com as da natureza e com muitos outros objetos e situações, relação essa que se manifesta através do prazer estético, do sentimento estético, do gesto estético, do julgamento estético (KERLAN, 2015, p. 270, grifo do autor). 

Abaixo, seguem alguns princípios que podem ser incorporados à sua prática para servirem de estímulo à experiência estética nos(as) alunos(as). 

Sugerimos que você os entenda como pontos de partida e/ou como ideias para adaptar de maneira articulada ao currículo da sua disciplina. Em cada tópico, trazemos apontamentos de estudiosos que podem ser melhor compreendidos em uma leitura mais aprofundada de suas obras, que você pode consultar na lista de leituras complementares. 

Percepção da vida cotidiana

No artigo citado, o professor Kerlan resgata também a filosofia estética de John Dewey. Para esse filósofo, compreender a estética das manifestações culturais e patrimoniais, ou seja, as “bem-sucedidas e reconhecidas”, como as exposições em museus e apresentações teatrais, etc., pressupõe uma experiência estética anterior, que parte da nossa vida cotidiana autêntica, da nossa cultura primária. 

Para Dewey, o ponto de partida para a Educação Estética é perceber o espetáculo ordinário resultante de elementos da vida comum ― exemplificados como a passagem de um caminhão de bombeiros na rua, o cuidado de uma dona de casa com as plantas, um jogador de futebol com seu traquejo num estádio. Isso porque essa cena cotidiana é quem primeiro atrai e dá prazer à nossa atenção audível e visual. 

Portanto, estarmos sensíveis ao que elementos da vida cotidiana provocam ― não apenas de maneira direta, mas também no resgate de memórias de experiências vividas ―, é essencial para experiências mais sofisticadas. 

Contato com elementos da natureza 

O contato com a natureza circundante, para a percepção de suas formas, cores, cheiros e sons é também uma das possibilidades para a experiência estética. 

Gandhy Piorski, artista plástico e pesquisador das filosofias da imaginação, ao dedicar-se às brincadeiras infantis, reflete sobre como o brincar com a natureza explora nossos sentimentos, nossos modos particulares de sermos e nos percebermos quando crianças. 

Considerando que todos(as) nós temos uma criança interior, podemos adaptar e explorar as dimensões dessas experiências em todas as idades: 

“A materialidade do brincar (água, terra, fogo e ar) abre caminhos que desembocam na substancialidade do imaginar. […] Forças, desejos e vontades no brincar são sonhos, provêm do mundo imaginado, uma região do nosso ser formuladora de verdades muito íntimas, empáticas ao conhecimento, à memória e à afetividade. A imaginação é a verdade da criança, o corpo semântico, a camada predileta, a fonte primordial de seus recursos de expressão. É um tempo e um espaço fantástico, conhecedor de origens” (PIORSKI, 2016, p. 19; 25). 

Inserção de artistas na escola 

Outro elemento fundamental da experiência estética autêntica defendido pelo professor Kerlan é a presença de artistas como artistas na educação, na escola. 

No artigo já citado, o autor relata algumas contribuições resultantes da permanência de artistas em escolas, experiências que não se restringem ao contexto escolar francês, mas também que envolvem outros países da Europa e do continente sul-americano.  

O professor defende a importância de expor os(as) alunos(as) a períodos em que vivenciem manifestações autênticas com artistas das variadas esferas no espaço escolar, a fim de oportunizar a todos(as) uma “[…] introdução ao comportamento estético através da experiência pessoal com a arte” (KERLAN, 2015, p. 281). E por meio dessa relação é possível não só o artista ser elemento de formação do(a) aluno como o(a) aluno(a) também ser elemento de (re)construção do artista e de sua arte. 

Práticas dialógicas sobre a experiência estética 

É claro que, inerentemente à Educação Estética, está a prática dialógica, uma prática que considera a relação com o outro e com o mundo na apreciação, que permite que todos(as) resgatem e expressem as memórias que a experiência estética promove. 

Poder falar sobre o que se sente e pensa, expor-se às variadas apreciações de colegas, estender esse relato a demais pessoas, como as da família e da comunidade local, exercitando a atenção e o respeito à experiência sensível de si e do outro são o que senão uma das práticas fundamentais à democracia? Como bem trazem Amorim e Castanho (2008, p. 1.181): 

“Apreender o mundo, ingenuamente, por intermédio da ótica de outrem é o meio contra o qual uma educação que se pretende estética luta, ao reivindicar que o sensível se faça janela por onde o aluno possa ver-se, aos seus companheiros e ao mundo”.

Desejo que essas primeiras reflexões possam sensibilizá-lo(a).


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Izabela Pereira de Fraga é doutoranda e mestre em Educação (PPGEdu/UFPE), na linha de pesquisa Educação e Linguagem, investigando práticas de letramento acadêmico. É também licenciada em Letras Português e Espanhol (UFRPE). Atua como revisora de textos em português. Tem experiência com formação inicial e continuada de professores da Educação Básica com ênfase na área de Língua Portuguesa. É integrante do Grupo de Pesquisa em Alfabetização, Linguagem e Colonialidade (GPEALE), vinculado à Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ) e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e registrado no CNPq. E-mail: izabela.fraga@ufpe.br 

Para saber mais

AMORIM, Verussi Melo de; CASTANHO, Maria Eugênia. Por uma educação estética na formação universitária de docentes. Educ. Soc., Campinas, vol. 29, n. 105, p. 1167-1184, set./dez. 2008. Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/6xKcWL9TkVZXWZwsYr8ykRn/?lang=pt# . Acesso: 25 set. 2022.

BOURDIEU, Pierre. A Escola Conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. _____. Escritos de Educação. Maria Alice Nogueira e Afrânio Catani. (ORG.). 9. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007, p. 39-64. (Ciências Sociais da Educação). 

KERLAN, Alain. A Experiência Estética, uma Nova Conquista Democrática. Rev. Bras. Estud. Presença, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 266-286, maio/ago. 2015. Disponível em: <http://www.seer.ufrgs.br/presenca >. Acesso em: 15 abr. 2021. 

PIORSKI, Gandhy. Brinquedos do Chão. A natureza, o imaginário e o brincar. 1º ed. São Paulo: Editora Peirópolis, 2016.