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Quando a literatura e a brincadeira se entrelaçam na escola de Educação Infantil 

21 de agosto de 2025,
E-docente
Quando a literatura e a brincadeira se entrelaçam na Educação Infantil

Que a escola de Educação Infantil precisa garantir os direitos das crianças, entre eles, o direito de brincar, todos sabemos. Que a brincadeira auxilia no desenvolvimento humano e que o componente lúdico está presente em todas as fases da vida, sobretudo na infância, também.  

Tão difundidas quanto essas certezas, são também aquelas que se referem à importância da leitura, e da escola como instituição partícipe do trabalho de formação de leitores. Já sabemos também que a porta mais favorável para o ingresso no mundo da leitura é a da leitura literária. 

 Como podemos, então, fazer com que a literatura e a brincadeira se entrelacem na escola de Educação Infantil? 

As infâncias e a poesia 

Dois grandes poetas brasileiros nos despertam para repensar as relações entre as infâncias e a poesia. Manoel de Barros (2013) dizia que “[…] a poesia é a infância da linguagem”.  

Antes dele, Cecília Meireles (1984) afirmava, ao falar sobre a infância, que “[…] tudo é mistério nesse reino que o homem começa a desconhecer desde que o começa a abandonar”.  

Para melhor compreender a relação entre poesia e infância, precisamos, portanto, nos abrir à sensibilidade poética e, ouvindo Cecília, abandonar nosso olhar adultocêntrico, buscando perceber o mundo com olhos de criança. 

 A criança se expressa e apreende o mundo por meio de diferentes linguagens. Segundo a abordagem de Reggio Emilia (Edwards et al., 2015), seriam pelo menos cem as linguagens usadas na infância para isso.

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Tal como as crianças, os poetas também não dependem exclusivamente das palavras para se expressarem e interagirem com seus leitores. Os poemas são repletos de nuances, figuras de linguagem, sonoridades e múltiplos sentidos que abrem brechas para que o leitor interaja tanto com aquilo que é dito quanto com aquilo que não é.  

E as crianças percebem isso! Daí se origina a acertada afirmação de Barros, já que o lúdico que permeia a infância está também nos poemas. A poesia é mesmo, portanto, a infância da linguagem.  

Quando têm a oportunidade de interagir com a poesia, as crianças costumam apreciar e interagir com os poemas de forma genuína, como poucos adultos fazem. 

  Desde as cantigas, brincos e parlendas com que os pais acalantam o bebê, até os poemas divertidos, que rompem com a lógica formal e promovem graça e beleza, muitas são as possibilidades de se apresentar poesia às crianças pequenas. 

 As escolas de Educação Infantil podem oferecer poemas em diversos momentos: nas leituras para os bebês; nas cantigas diversas; nas brincadeiras para divertir os pequeninos; na exploração das rimas e aliterações; na relação com textos imagéticos; na construção de antologias; na organização e apresentação de saraus de poemas, entre outras situações.  

Explorar, no maior grau possível, a atratividade que a poesia exerce sobre a infância é uma forma segura e potente de entrelaçar literatura e brincadeira na escola. 

Os contos de repetição e acumulação 

Quem convive com crianças certamente já passou por situações em que elas pedem para repetir, insistentemente, a apreciação de uma obra de que gostaram.

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Seja uma história contada repetidas vezes, dia após dia (e “ai” do adulto que ousar modificar um trecho ou uma palavra!), seja aquele filme que já foi passado tantas vezes que tem seus trechos até decorados, o fato é que as crianças gostam da previsibilidade de reexaminar obras conhecidas. Isso lhes dá segurança e prazer. 

Esse fator de tornar previsível o que se diz faz com que sejam um sucesso, especialmente junto a crianças pequenas, os contos de repetição e acumulação.  

Ouvir uma história em que um mesmo trecho ou expressão se repete várias vezes, por exemplo, faz com que as crianças se divirtam cada vez que ele é repetido – a diversão inclui, logicamente, repeti-lo junto com o leitor, muitas vezes em coro, com uma entonação própria.  

Por outro lado, ouvir um conto em que elementos diferentes vão se acumulando, formando uma lista que se prolonga durante a narrativa de modo quase interminável, exige das crianças a repetição e a memorização que também as diverte, pelo desafio que impõe. 

Muitos são os livros de literatura infantil que trazem essa característica. Ao selecionar obras desse tipo para serem lidas na escola de Educação Infantil, é preciso que os professores preparem a leitura previamente: que escolham uma entonação diferente para os trechos de repetição, ou que enfatizem as acumulações, convidando as crianças a acompanhar a leitura, repetindo também, em uníssono, todos esses elementos previsíveis que fazem da literatura uma gostosa brincadeira. 

A magia dos contos de fada 

As crianças pequenas buscam, em uma narrativa, a clássica sequência de apresentação, conflito, clímax e desfecho.

Não por acaso, os contos de fada são obras atemporais, que atraem crianças de todas as idades há várias gerações (desde muito antes da filmografia de Walt Disney). Trazê-los para a escola de Educação Infantil significa trazer, também, toda magia e encantamento que eles promovem. 

Autores como Bettelheim (2009) já exploraram amplamente as relações entre a psicanálise e os contos de fada. Diferentes elementos nessas histórias clássicas permitem às crianças projetar questões internas, vivenciar conflitos íntimos e explorar, com intensidade, seus medos e sonhos.  

Nem tudo que os contos de fada trazem parece fazer sentido de modo racional, mas tudo faz muito sentido no universo emocional. 

Ouvir contos de fada é prazeroso e é potente. Mesmo nas versões originais dos contos, quando não há uma relativização de todo e qualquer tipo de violência e nem sempre os finais são felizes, as crianças sentem um grande interesse e envolvimento.  

Como adultos, devemos incentivá-las a isso, trazendo para a sala de aula versões ricas em detalhes e sentimentos, sem a necessidade de poupar os pequenos estudantes de todas as dores, a qualquer tempo.  

Explorar, nas histórias, mesmo aqueles sentimentos mais sombrios, ajuda as crianças a se preparar para experienciá-los na própria vida (Vidal, 2019).  

 Além da leitura de diferentes versões dos contos de fada e da conversa sobre eles, é possível trazê-los também nos momentos das brincadeiras simbólicas, típicas das crianças pequenas.  

Quando um professor coloca, por exemplo, uma cesta de maçãs, um espelho e sete pratos e copos em um “canto de brincadeira”, ele incentiva, sem precisar dizer, o entrelaçar da brincadeira com a história da Branca de Neve.  

Em outro canto, pode colocar uma cadeira grande, uma média e uma pequena, junto a um prato de mingau frio, outro quente e outro morno. Está proposta, de modo implícito, a brincadeira com a Cachinhos Dourados!  

No dia seguinte, podem estar presentes uma abóbora, uma varinha de condão, um sapatinho transparente e um relógio, e por aí vai…  

Muitas são as possibilidades, o importante é que esse entrelaçar da literatura com a brincadeira esteja sempre presente. 

Por uma literatura sem adjetivos 

Além dos textos aqui citados, muitos são os gêneros literários favoráveis às crianças pequenas e, portanto, à escola de Educação Infantil.  

É preciso que os professores percebam que literatura é arte e, como toda arte, não precisa ser dirigida a uma faixa etária específica.  

Desde que as obras selecionadas sejam de qualidade, que o laço com o universo lúdico seja preservado e que a oferta dessa literatura seja pensada com intencionalidades pedagógicas – ainda que essa intencionalidade contemple uma leitura livre, com o exclusivo objetivo da fruição –, as atividades têm tudo para ser um sucesso (tanto do ponto de vista do prazer quanto da aprendizagem que promovem junto às crianças).   

Como afirma Cecília Bajour (2012), a literatura, enquanto obra de arte de qualidade, sempre será atrativa às crianças, não precisando do adjetivo “infantil” para atender às suas necessidades e exigências. 

Referências  

BAJOUR, C. Por uma literatura sem adjetivos. São Paulo: Pulo do Gato, 2012. 

BARROS, M. Poesia completa. São Paulo: Leya, 2013. 

BETTELHEIM, B. A psicanálise dos contos de fada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2009. 

Edwards, C. et al. As cem linguagens da criança. Vol. 1. Porto Alegre: Penso, 2015. 

MEIRELES, C. Problemas da literatura infantil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. 

VIDAL, E. Literatura e crianças: um encontro necessário. Santos: Pluralidade Singular, 2019. 

Minibio do autor

Elaine Cristina R. G. Vidal é professora na graduação e pós-graduação da Faculdade de Educação da USP. Ela é formada em Letras pela USP e em Pedagogia pela Universidade Metodista/SP. Possui especializações em Alfabetização: relações entre o ensino e a aprendizagem (ISE Vera Cruz) e Ética, valores e cidadania na escola (Univesp), além de mestrado e doutorado em Psicologia, Linguagem e Educação, também pela FEUSP. 

É autora dos livros Projetos didáticos em salas de alfabetização (2014), Literatura e crianças: um encontro necessário (2019) e A infância na escola: reflexões sobre Educação Infantil (2023). Sua vasta experiência inclui atuação como professora e gestora em todos os níveis da Educação Básica, no Ensino Superior e como editora no Núcleo de Produção de Conteúdo e Formação da Saber Educação. 

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