PEI – Plano Educacional Individualizado: uma Ferramenta para a Inclusão Escolar

O estudante Ulisses não lê, nem escreve, tem dificuldade com as operações matemáticas e não apresenta várias habilidades esperadas para uma criança de 8 anos que frequenta uma turma de 2º ano do Ensino Fundamental.
Ele não sabe, não consegue, não entende… ele não… não… não… Esse é um discurso recorrente para explicar o desempenho escolar do menino.
Mas o que ele já sabe? O que aprendeu? Sua professora, Maitê, da turma do 2º ano, vê muitas aprendizagens: ele reconhece seu nome entre outros, sabe contar até 10, consegue classificar objetos a partir de um atributo, tem boa interação com os colegas, segue as regras nas brincadeiras e está aprendendo a jogar dominó. E muitas outras coisas. Sua autonomia está em desenvolvimento, precisa de apoio para executar determinadas tarefas e, com ajuda, começa a elaborar compreensões e a dar significado ao que está ao seu redor.
Diante de suas potencialidades e dos desafios, surge a pergunta: ele precisa de um PEI?
O que é o PEI?
O PEI é mais uma sigla para complicar a vida? Mais trabalho? O que é isso, afinal? Essas dúvidas podem surgir, já que o PEI parece uma sobrecarga burocrática. Mas a verdade é que ele não é um trabalho extra, e sim um apoio fundamental à prática docente.
Em síntese, o Plano Educacional Individualizado (PEI) é uma ferramenta para efetivar o processo de ensino e aprendizagem na perspectiva da inclusão escolar. Embora possa ter outras denominações, como PDI (Plano de Desenvolvimento Individualizado) ou PAI (Plano de Ação Individual), a sigla PEI é a mais recorrente. Essencialmente, é um planejamento.
Ele busca oferecer respostas educativas mais adequadas às necessidades específicas de estudantes com deficiência ou Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), que necessitam de apoios e suportes para aprender.
O PEI surgiu na década de 1970, nos Estados Unidos, e é utilizado há tempos por lá e em outros países da Europa. Ele foi criado com a finalidade de traçar objetivos e orientações para promover a acessibilidade ao currículo, planejando condições adequadas para a inclusão de crianças e jovens com necessidades educacionais específicas. No Brasil, sua utilização tem se difundido graças a estudos e práticas relevantes (confira as publicações no final deste texto).
Quem Precisa de um PEI?
Todos os estudantes com deficiência ou TEA precisam, obrigatoriamente, de um PEI? Não.
Alguns conseguem ter acesso ao currículo e às propostas pedagógicas com pequenas diferenciações e ajustes pontuais, sem a necessidade de muitos suportes. No entanto, quando essas estratégias não são suficientes, o PEI se justifica para ampliar as possibilidades do estudante. Essa avaliação deve ser feita pela equipe escolar, pois o PEI é um planejamento centrado na pessoa, que visa personalizar o processo de ensino, garantir os apoios necessários e impulsionar o desenvolvimento de forma efetiva.
Para definir se o PEI é necessário, é preciso uma avaliação inicial que responda a algumas perguntas: Por que o estudante precisa de um PEI? Quais os limites para sua aprendizagem? Quais barreiras precisam ser removidas? De quais apoios ele precisa para impulsionar seu desenvolvimento? O que ainda não aprendeu? Como e por quem será ensinado? Mais importante do que tudo isso, é essencial conhecer a pessoa, suas potencialidades, o que já aprendeu a fazer sozinho e com ajuda. A partir dessas respostas, a elaboração do PEI pode ser iniciada.
O PEI Como Processo e Instrumento
O PEI tem as seguintes características: é um registro escrito e individualizado, que considera o nível atual de habilidades, conhecimentos e desenvolvimento do estudante. Ele deve ser avaliado e revisado periodicamente, é formulado por uma equipe colaborativa e está diretamente relacionado ao currículo escolar.
Esse planejamento descreve as ações para que o estudante aprenda e se desenvolva, registrando as reavaliações e as mudanças de percurso. Por ser dinâmico e contínuo, o mesmo PEI acompanha o estudante ao longo de toda a sua vida escolar, mostrando seu desenvolvimento. Ele não é apenas um prontuário ou relatório; é um documento que vai além do cumprimento de imposições legais, funcionando mais como um dossiê que registra ações e serviços adequados.
PEI x PAEE: Qual a Diferença?
PEI e PAEE: quanta sigla! O que é isso?
É importante saber que o PEI é diferente do Plano de Atendimento Educacional Especializado (PAEE). O PAEE é o planejamento feito pelo professor do Atendimento Educacional Especializado (AEE) para as ações realizadas nas Salas de Recursos Multifuncionais, visando promover o acesso ao currículo com recursos e estratégias específicas do AEE. Embora diferentes, esses planos dialogam entre si. Em resumo, poderíamos dizer que o PAEE está contido no PEI.
Elementos Essenciais de um PEI
Existem diferentes formas de estruturar um PEI, mas alguns elementos são essenciais e não podem faltar:
- Identificação: dados pessoais, histórico escolar e acompanhamentos extraescolares.
- Nível Atual de Desenvolvimento: uma avaliação, que pode ser feita com inventários de habilidades, fichas de observação ou relatórios. O objetivo é identificar potencialidades, aprendizados já consolidados, barreiras e limites nas áreas de comunicação, habilidades sociais, autonomia e conhecimentos escolares (leitura, escrita e raciocínio lógico-matemático).
- Objetivos Gerais: de longo prazo, geralmente relacionados a habilidades sociais e autonomia.
- Objetivos Específicos: de médio e curto prazo, relacionados aos conhecimentos do currículo formal.
- Apoios e Suportes: recursos didáticos acessíveis, estratégias de diferenciação, Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA), acompanhamento de agente de apoio e Atendimento Educacional Especializado (AEE).
- Avaliação da Aprendizagem: definição dos formatos e dos apoios necessários para as avaliações.
- Prazos: definição de tempos para alcançar os objetivos.
- Revisão Periódica: avaliação e novos planejamentos.
- Identificação da Equipe: profissionais envolvidos na elaboração do plano.
Quem Elabora o PEI?
Uma das características mais peculiares deste instrumento é que ele exige um processo colaborativo, com a participação de diferentes profissionais e pessoas-chave:
- Professor regente da turma: traz o que a escola espera do estudante em relação ao currículo, compartilha os planos de ensino e as necessidades do docente.
- Professor de Educação Especial (do AEE): aponta caminhos alternativos, como recursos e estratégias, de acordo com as necessidades do estudante e a realidade da turma.
- Coordenação pedagógica: representa a gestão escolar, verificando os suportes e apoios que podem envolver custos ou contratação de pessoal.
- Profissionais que acompanham o estudante fora da escola: podem ser consultados para contribuir, como profissionais de saúde.
- A família: parte integrante da elaboração, traz suas expectativas e informações sobre o contexto do estudante.
- O próprio estudante: sua participação é fundamental, seja por observação direta para entender suas preferências, interesses e modo de comunicação, ou, quando possível, por meio de diálogo e entrevistas.
Desafios e Dinamização
Apesar de a participação de todos ser o cenário ideal, a realidade traz desafios. É difícil reunir tantas pessoas, seja por falta de tempo, conflito de horários ou outras impossibilidades. Nesses casos, a instituição de ensino precisa buscar soluções, como realizar reuniões parciais, agregando as contribuições em momentos diferentes (presenciais ou remotos). É crucial também gerenciar o tempo para que o PEI seja elaborado logo no início do ano letivo. A tecnologia pode ser uma grande aliada, com aplicativos que permitem a elaboração online, facilitando a participação de todos.
Leia mais: O trabalho com nomes próprios na alfabetização inicial
Para garantir que o plano saia do papel, alguém precisa ser o responsável por sua dinamização. A responsabilidade por algo que “é de todo mundo acaba sendo de ninguém”. Por isso, é comum que o professor do AEE assuma essa função, pois já possui informações de identificação, avaliação e uso de recursos por causa do PAEE. Na ausência desse profissional, o coordenador pedagógico pode ser o responsável. Em ambos os casos, é fundamental a parceria próxima com os professores regentes, especialmente no Ensino Fundamental II e Ensino Médio, pois a maior parte das ações planejadas no PEI acontece em sala de aula. O envolvimento do professor regente é, portanto, essencial para o sucesso do plano.
O PEI: Mais que um Documento, um Processo
Infelizmente, em algumas redes de ensino, o PEI é visto como um simples instrumento burocrático a ser preenchido. No entanto, sua proposta é ir muito além disso. Ele é, na verdade, um plano de trabalho feito para ser colocado em prática e reavaliado constantemente. O PEI é, ao mesmo tempo, um instrumento e um processo. É um instrumento por ser um registro escrito ao qual podemos recorrer, e um processo por ser dinâmico, mutável e ajustável.
É importante reforçar que o PEI é fundamental para a inclusão, pois guia a prática pedagógica dos professores em direção às necessidades educacionais do estudante, com base em um trabalho colaborativo entre docentes, famílias e equipe multiprofissional.
Leia mais: Metodologias ativas para desenvolver competências profissionais no ensino médio
No cenário nacional, o uso do PEI tem sido cada vez mais estimulado, difundido e buscado. Apesar de não haver uma lei que torne seu uso obrigatório, ele é um instrumento de organização que deveria fazer parte do trabalho docente diário. Para que isso aconteça, é necessária a formação de professores e a criação de espaços e tempo para o diálogo e o planejamento colaborativo. Assim, o PEI pode se tornar uma ferramenta que contribui significativamente para o desenvolvimento e a aprendizagem de estudantes que têm o direito a respostas educativas adequadas às suas necessidades.
Para ampliar ideias…
- COSTA, D. D. S.; SCHMIDT, C.; CAMARGO, S. P. H. Plano Educacional Individualizado: implementação e influência no trabalho colaborativo para a inclusão de alunos com autismo. Revista Brasileira de Educação, v. 28, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-24782023280098.
- TANNÚS-VALADÃO, G.; MENDES, E. G. Inclusão escolar e o planejamento educacional individualizado: estudo comparativo sobre práticas de planejamento em diferentes países. Revista Brasileira de Educação, v. 23, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-24782018230076.
Minibio do autor
Márcia Marin Professora Titular do Colégio Pedro II, instituição de ensino público federal. Doutora e mestre em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Graduada em Pedagogia, com habilitação em Educação Especial (UERJ). Pesquisadora do grupo Inclusão e aprendizagem de alunos com necessidades educacionais especiais: práticas pedagógicas, cultura escolar e aspectos psicossociais (Programa de Pós-Graduação em Educação da UERJ). Experiência em educação especial e inclusão escolar. Áreas de interesse: formação docente; processos de escolarização de pessoas com Deficiência Intelectual; práticas pedagógicas diferenciadas; ensino colaborativo.
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