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O professor além da sala de aula: conexões que transformam vidas 

26 de setembro de 2025,
E-docente
O professor além da sala de aula

“Às vezes, mal se imagina o que pode passar a representar na vida de um aluno um simples gesto do professor.” (Paulo Freire) 

O fragmento que serve de epígrafe a este texto foi selecionado da obra Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa, publicado em 1996. Nele, o professor Paulo Freire discute os saberes que, segundo ele, seriam necessários a uma prática docente que privilegia – mais que conhecimentos técnicos e acadêmicos – o desenvolvimento de habilidades necessárias à formação humana, ética e afetiva.

O poder de um gesto: a experiência de Paulo Freire

Dentre tantos pontos de atenção e reflexões importantes que, em meio à discussão teórica, a obra propõe, chamou-me à atenção uma passagem em que Freire narra uma experiência vivida quando ainda era um estudante da Educação Básica. Ele conta que era um adolescente mal-humorado, inseguro, com um corpo “anguloso e feio”, que se sentia inferior aos colegas ricos da classe. Qualquer consideração feita por um deles era suficiente para irritá-lo, pois representava, para ele, uma evidência de suas fragilidades.

Certo dia, um professor, durante a entrega dos trabalhos da turma – os quais traziam, além da nota atribuída, os comentários avaliativos –, direcionou ao jovem Paulo Freire um gesto que o marcou profundamente, como ele conta:

Em certo momento me chama e, olhando ou reolhando o meu texto, sem dizer palavra, balança a cabeça numa demonstração de respeito e consideração. O gesto do professor valeu mais do que a própria nota dez que atribuiu à minha redação. O gesto do professor me trazia uma confiança ainda obviamente desconfiada de que era possível trabalhar e produzir. De que era possível confiar em mim, mas que seria tão errado confiar além dos limites quanto errado estava sendo não confiar. A melhor prova da importância daquele gesto é que dele falo agora como se tivesse sido testemunhado hoje. E faz, na verdade, muito tempo que ele ocorreu. (Freire, 1996, p. 23)

A influência do professor: reflexões além da sala de aula

O evento narrado nos leva a pensar sobre quantos sentimentos foram mobilizados por um simples gesto direcionado por um professor a um jovem estudante: confiança, reconhecimento, incentivo, ponderação, clareza. O gesto foi afetivo o suficiente para que o estudante se sentisse visto, reconhecido, mas contido o suficiente para não alimentar uma possibilidade de arrogância. O relato, inevitavelmente, nos leva a pensar: até onde vai a nossa influência, como professores, na vida dos nossos estudantes? Qual é a importância do que ensinamos? O que lhes deixamos como legado?

Leia mais: A importância da rede de apoio para professores: como a ajuda mútua fortalece a educação

A influência do professor na vida dos estudantes: motivação, disciplina, criatividade e empatia

Ao pensarmos sobre a importância da escola para a nossa formação integral como indivíduos, é comum que a reconheçamos como um espaço de aprendizagem. Além de proporcionar a aquisição de conhecimentos e de habilidades fundamentais ao desenvolvimento intelectual, também promove socialização, construção de valores éticos, orientação para a cidadania e despertar da consciência.

Nesse cenário, o professor e os estudantes são atores centrais, protagonistas das relações constituídas. Os papéis desempenhados, apesar de diferentes, têm igual importância, pois, como nos lembra Freire (1996, p.13), eles “

não se reduzem à condição de objeto um do outro”. Essa consciência, que admite que o respeito, e não a hierarquia, conduza os processos de ensino e de aprendizagem, é terreno fértil para a empatia, a afetuosidade e a criação de laços que vão além da sala de aula e do período de escolarização.

Dados e pesquisa: o legado dos professores na formação humana

Além das memórias que todos nós, certamente, temos sobre professores que nos influenciaram e nos inspiraram a escolher a carreira docente, existem dados que constituem importantes registros em relação à forma como somos lembrados pelos estudantes que fazem parte da nossa história. Sobre a influência dos professores na vida dos estudantes, o jornal Correio Braziliense publicou uma matéria que apresenta os resultados de uma pesquisa realizada ano passado por uma plataforma on-line de ensino de idiomas.

Leia mais: O professor como agente de detecção precoce: Guia prático para identificar sinais de sofrimento nos alunos

O questionário, cuja questão central era “Quais das suas características e atitudes atuais foram influenciadas pelo trabalho dos professores com quem já teve contato?”, foi aplicado a 500 pessoas de diferentes regiões do país. A síntese dos principais dados coletados através da pesquisa é a seguinte:

  • 85,8% dos entrevistados tiveram ao menos um professor inspirador na infância ou na adolescência;
  • Para os respondentes, “motivadores” é a palavra que melhor descreve seus professores;
  • As características que tornam os professores inspiradores, segundo os entrevistados, são: entusiasmo e paixão pelo ensino (56,8%), forma criativa de ensinar (50,5%), conhecimento profundo na matéria (50,3%), apoio e incentivo constantes (45,4%) e respeito e igualdade em relação aos alunos (42,6%);
  • Quanto ao legado deixado pelos professores que fizeram parte de sua formação escolar, os participantes da pesquisa declararam que são mais disciplinados graças à influência desses profissionais (42%) e que os professores também os ajudaram a ser pessoas mais empáticas (40,4%) e a pensar com mais criticidade (38,4%).

Os dados apresentados, ainda que referentes às respostas de um número reduzido de entrevistados, considerando a população brasileira, são interessantes. Eles ratificam o que defendem diversos teóricos da Educação e o que nos mostra a nossa experiência em sala de aula: o nosso trabalho não contribui apenas para que os estudantes adquiram conhecimentos relativos às diversas áreas do conhecimento; para que desenvolvam competências e habilidades que os qualifiquem para atuar em diversas esferas da atividade humana; mas também para que se sintam respeitados, acolhidos e, portanto, seguros, empoderados e capazes de intervir positivamente na sociedade.

Conclusão: somos eternamente responsáveis por aqueles que cativamos?

Educação é processo, portanto, ultrapassa os limites da escola/universidade e não se encerra quando concluímos as etapas de escolarização. A atuação do professor também se estende para além dos limites da sala de aula, e não faço referência, aqui, apenas à permanência das informações que nos foram ensinadas e aprendidas, mas às experiências que nos marcam e que carregamos por toda a vida.

Ensinar é um exercício de imortalidade, segundo Rubem Alves

Mais importante do que todo o ensinamento formal que a escola pode proporcionar é o entendimento de que não estudamos para “sermos alguém na vida”, para ingressarmos na universidade, para termos um bom emprego. Estudamos para nos tornar pessoas melhores, não somente do ponto de vista da qualificação, mas pessoas mais curiosas, mais sensíveis, mais empáticas, mais conscientes e autônomas. Estudamos para entender que a vida não é feita apenas de provas, deveres e obrigações, mas de prazer, de contentamento, de encantamento diante do novo e do belo.

Sendo assim, a conexão com os nossos professores e com os nossos alunos é permanente, ainda que a convivência não seja. Rubem Alves, grande educador brasileiro, disse, em dado momento, que “Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre jamais”. Nós educamos, segundo Alves, para que as pessoas possam usufruir melhor a vida.

A inspiração da docência no cinema: Sociedade dos Poetas Mortos

Esse pensamento, que sintetiza tão bem a nossa atuação enquanto docentes, é propagado não só no âmbito da Educação, mas através de obras de arte que alcançam milhares de pessoas e que contribuem, efetivamente, para que a docência siga inspirando não apenas a nós, que fizemos dela nossa profissão e nosso lugar no mundo, mas que também sensibilize a todos os que têm contato com narrativas sobre a relação aluno-professor, como é o caso do filme Sociedade dos Poetas Mortos (1989).

Leia mais: Formação continuada de professores: quem são os protagonistas deste processo?

Na obra, o ator Robin Williams interpretou, com incrível sensibilidade, o professor de Inglês John Keating. O personagem trabalha em uma tradicional escola preparatória de meninos conhecida por sua tradição e alto padrão. Através de métodos pouco ortodoxos, Keating incentiva os estudantes a acreditarem em seu potencial, a seguirem seus sonhos e a aproveitarem a vida.

O filme marcou gerações e segue relevante e inspirando os espectadores a perceberem que nós, professores, com formação científica, correção ética, respeito aos outros, capacidade de viver e de aprender com o diferente, educamos para garantir o direito ao sonho e à utopia. Concluo, então, essa breve reflexão com a beleza dessa sequência:

A sequência foi publicada pelo perfil @umfilmemedisse em 04/09/2025.

Filmes para assistir, se emocionar e inspirar:

  • O Sorriso de Monalisa (2003): Katherine Watson é uma recém-formanda da UCLA que foi contratada, em 1953, para lecionar História da Arte na prestigiosa Wellesley College, uma escola só para mulheres. Determinada a confrontar valores ultrapassados da sociedade e da instituição, Katherine inspira suas alunas tradicionais, incluindo Betty e Joan, a mudarem a vida das pessoas como futuras líderes que serão.
  • Escritores da Liberdade (2007): uma jovem e idealista professora chega a uma escola de um bairro pobre, que está corrompida pela agressividade e violência. Os alunos se mostram rebeldes e sem vontade de aprender, e há entre eles uma constante tensão racial. Assim, para fazer com que os alunos aprendam e também falem mais de suas complicadas vidas, a professora Gruwell aposta em métodos diferentes de ensino.
  • Os Rejeitados (2023): um professor rabugento, uma cozinheira de luto e um aluno inteligente e encrenqueiro são obrigados a passarem o Natal juntos na escola e criam um vínculo inesperado.

Minibio da autora

Paloma Borba é doutora em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É professora adjunta do curso de Letras / Português da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e coordenadora do curso de Especialização em Estudos da Linguagem e Formação Docente (LINFOR/UFRPE). Atua na área de Linguística, com ênfase nos estudos sobre Gêneros Textuais, Multimodalidade, Letramentos e na Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Portuguesa.

Referências

ALVES, Rubem. Entre o saber e o sabor: o dilema da educação. Org. Raquel Alves. E-book disponível para download em: https://especial.revistaeducacao.com.br/ebook-cronicas-de-rubem-alves.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

PESQUISA REVELA A INFLUÊNCIA DOS PROFESSORES NA VIDA DOS EX-ALUNOS. Correio Braziliense, 14/10/2024. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/euestudante/educacao-basica/2024/10/6964628-pesquisa-revela-a-influencia-dos-professores-na-vida-dos-ex-alunos.html#:~:text=Para%20a%20maior%20parte%20dos,a%20pesquisa%20na%20%C3%ADntegra%20aqui. Acesso em: 14/09/2025. 

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