O impacto do uso excessivo de telas e redes sociais no rendimento acadêmico de estudantes

Vivemos no “mundo do futuro”, ou seja, em um mundo mediado pela tecnologia e totalmente conectado; não temos mais como negar essa realidade. A tecnologia vem ganhando espaço em nossas rotinas e, como tudo na vida, tem seu lado positivo e negativo. O uso excessivo de telas se encaixa nos desafios mais urgentes que essa realidade nos impõe.
Novas tecnologias para diagnósticos de doenças complexas, internet das coisas, tecnologias assistivas para autonomia de pessoas com deficiências graves, visita a um museu em outro país sem sair de casa, são alguns dos pontos positivos desse desenvolvimento tecnológico.
Por outro lado, acesso fácil a conteúdos inapropriados para crianças, aliciadores de menores pelas redes sociais, vício em tecnologia, aumento da rede de pedofilia na deepweb, imersão em um mundo virtual como escolha de fuga do mundo real, cyberbullying, são alguns dos pontos negativos. Aquela premissa básica de sempre: o problema não é a tecnologia, mas sim como a usamos. Será?
O impacto das redes sociais e do uso de computadores no desenvolvimento em crianças e adolescentes é um assunto que tem crescido entre os profissionais de saúde mental e não deve ser uma discussão somente da área da Saúde. Nós, educadores, precisamos também participar dessas discussões, uma vez que essa “vida conectada” tem afetado a sala de aula.
Girardello, Fantin e Pereira (2021, p. 34) listam uma série de falas sobre o uso de tecnologia na infância, retiradas de reportagens e redes sociais: “As redes sociais estão dilacerando a sociedade”, diz um ex-executivo do Facebook; “Não quero meu sobrinho nas redes sociais”, diz Tim Cook, CEO da Apple; “Estamos criando uma geração de alienados”, afirma psicólogo do Hospital das Clínicas de São Paulo; “Jamais a gente deveria permitir o contato de uma criança com qualquer tipo de tecnologia antes dos 2 ou 3 anos de idade”; “Os gurus digitais criam os filhos sem telas”.
O que chama a atenção em todas essas falas é que são de pessoas que trabalham com tecnologia ou profissionais de Saúde. Isso mostra o quão preocupante e urgente é esse assunto.
Mediação consciente do uso excessivo de telas
Diante desses fatos, é fundamental uma mediação adulta consciente nesse processo de uso das telas por parte das crianças e adolescentes. Girardello, Fantin e Pereira (2021) propõem três perguntas fundamentais sobre essa temática:
- Quanto tempo, em que idade e em que condições seria recomendável o convívio das crianças com os dispositivos eletrônicos?
- Como lidar com as fake news nas redes sociais digitais e o quanto esse fato exige uma revalorização da dimensão crítica na mídia-educação?
- Qual o lugar reservado à corporeidade das crianças em uma sociedade atravessada pelo digital?
São questões difíceis de serem respondidas e que nos levam a refletir. Outra questão a se pensar é no contexto socioeconômico, pois a tecnologia existe “para todos”, mas nem todos têm acesso a ela, evidenciando a necessidade de políticas públicas voltadas para a inclusão digital e a alfabetização midiática, para justamente seu uso ser de forma mais consciente, sem causar danos, como também, para isso não ser mais um fator de reforço para a desigualdade social em nosso país (Sarmento et al., 2022).
Desenvolvimento infantil e tecnologia
Poderíamos ficar falando eternamente sobre esse complexo assunto, mas, independentemente das questões possíveis a serem debatidas e por motivos de um limite de páginas que esse texto tem, vamos discutir duas questões bem pontuais:
Qual o impacto no desenvolvimento da criança e do adolescente, do uso excessivo de telas e redes sociais? Como esse “dia a dia interconectado” e virtual pode interferir no processo de aprendizado dos estudantes?
Na infância, o Sistema Nervoso Central (SNC) passa por constantes mudanças, especialmente até os 2 anos de idade, o que resulta em transformações biológicas e psicológicas fundamentais para o desenvolvimento motor, social e cognitivo da criança.
Na fase dos anos iniciais, as crianças aprendem, principalmente, observando e imitando, o que faz do ambiente em que vivem um fator crucial para seu desenvolvimento.
Todos sabemos que brincadeiras trazem benefícios à infância por desenvolverem aspectos motores, cognitivos, afetivos e sociais. Sendo assim, um ambiente pouco estimulante ou com interações sociais limitadas pode comprometer esse processo. Demonstração prática disso foi o período pandêmico da covid-19, que restringiu nosso contato social, proporcionando um aumento do consumo de tecnologias digitais.
Esse consumo excessivo trouxe, para muitos, dificuldades de atenção e memória, além de outros impactos nos processos cognitivos quando o período crítico da pandemia acabou e voltamos à nossa rotina “normal” (Megiani et al., 2023).
Costa e Badaró (2021) apontam uma série de pesquisa que abordam a temática do “impacto da tecnologia no desenvolvimento infantil” e colocam que o uso de computadores estimula o interesse nas atividades, pode melhorar a motricidade fina e ser um bom recurso pedagógico.
No entanto, em relação à saúde mental das crianças, os autores colocam que há mais prejuízos do que vantagens no uso excessivo de telas, tais como: dificuldade de delimitação de regras, diminuição do tempo de convívio familiar, colocando que “[…] a dependência tecnológica pode gerar intolerância e ansiedade para adquirir informações reais de forma rápida como no mundo virtual” (Costa e Badaró, 2021, p. 248).
Paiva e Costa (2015) reforçam essa questão e dizem que o uso livre da tecnologia pode desconstruir o vínculo afetivo da família, provocando ausência de referência emocional que dificulta o desenvolvimento da cognição no âmbito escolar.
Recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria
A Sociedade Brasileira de Pediatria (2024) recomenda o uso gradual de tecnologia, com controle rígido de tempo: iniciar com exposição zero durante os primeiros 2 anos de vida; de 2 a 5 anos, no máximo o uso de 1 hora por dia, sempre com supervisão de um responsável; entre 6 e 10 anos, limite entre uma e duas horas diárias, também sob supervisão; e dos 11 anos aos 18 anos, até 3 horas por dia, com restrição ao uso a noite, para que o sono do jovem não seja afetado.
Aqui me pergunto: que adolescente no mundo de hoje fica no máximo 3 horas por dia no celular ou computador? Isso é uma utopia! Lima (2024) mostra dados que apontam para a média mundial de uso da internet de 6 horas e 54 minutos por dia, sendo que, no Brasil, a média é 10 horas e 8 minutos de uso diário de internet, ocupando o terceiro lugar dentre os países que mais consomem tecnologia digital.
O uso excessivo de telas: impactos no cérebro e na cognição
A internet e o uso excessivo de telas podem impactar o cérebro e os processos cognitivos de várias formas. Estudos sugerem que a exposição constante ao conteúdo on-line pode prejudicar a concentração, o processamento de informações e a memória, como já colocado.
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No caso específico dos vídeos curtos, o consumo intenso e sem controle pode trazer efeitos negativos na cognição dessa geração hiperconectada, pois, a cada vídeo que o cérebro acessa, ele produz dopamina, um neurotransmissor envolvido no prazer, o que pode causa dependência, ainda mais em adolescentes que, neurologicamente, já são mais propícios a buscar fontes de “prazer rápido”.
O cérebro de adolescentes é imaturo no que se refere ao controle do comportamento, fazendo com que se tornem mais vulneráveis ao vício e a comportamentos impulsivos. Por conta disso, eles tendem a passar mais tempo conectados e podem desenvolver um uso exagerado e problemático de mídias como os vídeos curtos (Lima, 2024).
Outra consequência disso tudo, está ligada à memória de trabalho, que é responsável por gerenciar nosso pensamento e armazenar/processar informações a curto prazo (Papalia; Martorell, 2022). Com o uso excessivo de telas, a memória de trabalho pode acabar sobrecarregada pela quantidade absurda de dados que o cérebro recebe, principalmente devido aos estímulos audiovisuais rápidos e intensos, como há em algumas redes sociais.
Silva e Silva (2017) comentam que essa sobrecarga pode levar a uma saturação que, com o tempo, leva a grandes prejuízos na atenção e atrapalha o funcionamento das funções executivas. Além disso, afirma que “problemas de saúde mental como níveis mais elevados de depressão, ansiedade, estresse, solidão, ansiedade social, problemas de atenção, menor satisfação com a vida e má qualidade do sono” são consequências do uso problemático de telas entre adolescentes.
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Obviamente, não tem como, diante de tanto impacto na cognição e na saúde mental, os processos de aprendizagem na escola ficarem isentos. Para aprender, precisamos do cérebro. Portanto, se nossas habilidades cognitivas para a aquisição de conteúdos são negativamente afetadas (como atenção, memória, controle inibitório, dentre outras), a resposta a isso tudo será um aprendizado ineficiente. Não tem como o resultado dessa equação ser diferente.
Considerações finais
Volto ao início do texto: os educadores precisam se apropriar dessa discussão e dialogar mais com os profissionais que têm estudado e tratado da questão do impacto das telas na vida de nossas crianças e nossos jovens. Isso é uma demanda urgente e depende de todos nós, enquanto sociedade, tentar minimizar esses danos, a partir de estratégias para o uso mais controlado e consciente das telas.
Por fim, toda essa reflexão não se destina somente aos jovens. Se refere a nós adultos, também, pois, afinal, todos nós vivemos conectados. Portanto, aqui fica uma pergunta para você que está lendo este texto: quantas horas diárias você tem usado as telas e qual o impacto do uso excessivo de telas na sua vida?
Minicurrículo da autora
Viviane Louro – educadora musical e neurocientista. Docente do curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal de Pernambuco. Pesquisadora das áreas de Neurociência do Comportamento, Neuroeducação, Educação Musical Inclusiva e Música e Neurociência. Autora de mais de 10 livros e palestrante em todo o país. Contemplada com 25 prêmios entre concursos nacionais de piano, apresentação de artigos em congressos científicos nacionais e internacionais e implantação de projetos inclusivos com arte. Participou como palestrante do TedTalk (2017), concorreu ao Prêmio Jabuti de literatura (2024) e é coordenadora do site Música e Inclusão (www.musicaeinclusao.wordpress.com).
Referências
COSTA, T.; BADARÓ, A. Impacto do uso de tecnologia no desenvolvimento infantil: uma revisão de literatura. Cadernos de Psicologia, v. 3, n. 5, p. 234-255, 2022.
GIRARDELLO, G.; FANTIN, M.; PEREIRA, R. S. Crianças e mídias: três polêmicas e desafios contemporâneos. Cadernos CEDES, Campinas, v. 41, n. 113, p. 33-43, jan./abr. 2021.
HAI, A. A.; NERIS, V. A. Uso consciente e educativo das ferramentas digitais pelas crianças. Cadernos CEDES, 2023. Disponível em: https://humanas.blog.scielo.org. Acesso em: 3 dez. 2024.
LIMA, B. V. M. de. TikTok: adolescência conectada e cognição sobrecarregada. Contribuciones a las Ciencias Sociales, v. 17, n. 4, e6169, 2024.
MEGIANI et al. O impacto das telas na cognição. ULAKEs Journal of Medicine, v. 3, n. 4, suppl. 1, S73-74, 2023.
PAPALIA, D. E.; MARTORELL, G. Desenvolvimento Humano-14.ed. [s.l.] McGraw Hill Brasil, 2022
SARMENTO, M. J.; SERRÃO, B. O.; SANTANA, J. P. O ativismo digital das crianças em tempos de pandemia. Educação & Sociedade, 2022. Disponível em: https://humanas.blog.scielo.org. Acesso em: 3 dez. 2024.
SILVA, T. de O.; SILVA, L. T. G. Os impactos sociais, cognitivos e afetivos sobre a geração de adolescentes conectados às tecnologias digitais. Revista Psicopedagogia, v. 34, n. 103, p. 87–97, 28 mar. 2017.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. #Menos Telas #Mais Saúde – Atualização 2024. Recomendações sobre o uso de tecnologias digitais para crianças e adolescentes. Disponível em: https://www.sbp.com.br. Acesso em: 3 dez. 2024.
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