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Letramento Digital na Educação Infantil e nos Anos Iniciais: promovendo o uso consciente da tecnologia 

29 de outubro de 2025,
E-docente
Letramento Digital na Educação Infantil e Anos Iniciais Promovendo o Uso Consciente da Tecnologia

É dia de folga em casa, estou com minha filha de 6 anos. Cansado da semana pesada de trabalho que passou, sei que preciso lhe dar atenção, mas meu corpo e minha mente pedem um descanso. Após uma hora brincando de escola (até na brincadeira o ambiente escolar está presente, rs), ela quer mais. Peço para esperar um pouco. Entediada, ela quer ligar a TV. Acabo cedendo, e ela fica ali, por horas zapeando entre um vídeo e outro do YouTube… Deixo jogar um pouco no celular também. 

Se você tem filho pequeno, acredito que entenda bem do que estou falando. Por mais que saibamos que a tal babá digital não seja o melhor caminho para nossas crianças, esses são recursos indispensáveis no nosso dia a dia corrido e estafante. Só que nos sentimos culpados, buscando saídas que deem sentidos pedagógicos a esses acessos digitais. Mas como fazer? 

O texto Jogos eletrônicos para crianças: quais são os benefícios e malefícios?, publicado aqui no blog E-docente, traz discussões interessantes que enriquecem nosso tema e ajudam no desenvolvimento deste texto. 

Se você trabalha com Educação, trago outras perguntas: a escola vem desenvolvendo o letramento digital das crianças? Conseguimos instruir esses jovens, nativos digitais, para um uso mais eficaz das novas tecnologias, mostrando que elas podem ser fontes de coisas para além do entretenimento? 

Neste artigo faremos um passeio, transitando entre teoria e prática no que diz respeito a esse tema que tanto nos aflige em nosso dia a dia e que parece, na maioria das vezes, insolúvel. Ah, claro, buscaremos, juntos, encontrar caminhos que nos orientem para que deixemos de ser reféns de máquinas e passemos a assumir o controle das situações familiares e profissionais. 

Letramento digital (já na infância?) 

Quando falamos em “letramento digital”, você pode imaginar algo restrito ao Ensino Médio ou à universidade. Mas a verdade é que ele começa muito antes – às vezes, antes mesmo da alfabetização formal.  

Basta observar: crianças de três, quatro anos, que ainda não reconhecem todas as letras, já conseguem abrir aplicativos, trocar de vídeo, gravar áudios e até “ensinar” os adultos a mexer em funções do celular (aposto que já aconteceu com você). Isso, além de fascinante, é preocupante. 

Roxane Rojo, em uma entrevista virtual publicada na Revista Educitec, alerta para a necessidade de um novo letramento, que leve em consideração características essencialmente digitais: 

Por exemplo, nessa conversa por meio da videoconferência com vocês, enquanto entrevistadores: a imagem; a diagramação das ferramentas; o que nós estamos escrevendo aqui do lado; a minha fala… Isso tudo exige uma nova Pedagogia. Portanto, tudo passa a fazer parte do ensino. Necessariamente, todas as outras linguagens, que na alfabetização, por exemplo, não tinham esse papel.  (Rojo et al., 2022) 

uando pensamos no acesso a textos digitais, tanto aos verbais quanto aos não verbais, percebemos que é necessário saber mais do que “mexer” em dispositivos. Precisamos  compreender, interpretar, produzir e compartilhar conteúdos digitais de forma crítica, ética e segura.  

Tudo isso envolve produzir sentido sobre o que se vê na tela. E, em se tratando denossas crianças, é necessário um acompanhamento próximo de seus pares mais experientes, como professores eresponsáveis familiares. A seguir, listarei alguns itens essenciais na orientação dessas crianças. 

A importância da segurança 

Jonathan Haidt, em seu livro A geração ansiosa (2024), trata das mudanças que ocorreram com a expansão das novas tecnologias interativas surgidas com o computador. Por conta da crescente violência urbana, muitas crianças perderam a liberdade de brincar ao ar livre, nas ruas, em contato com outras crianças no mundo real, migrando para a “segurança” de seu quarto, onde a interação passou a ser virtual.  

Porém, essa segurança realmente existe? Há uma mediação por parte dos responsáveis que ensine desde cedo que não se compartilha endereço, número de telefone ou informações pessoais em jogos on-line e redes sociais, por exemplo? Uma criança consegue reconhecer quando um site ou link não é confiável?  

A adultização de crianças em plataformas é um problema crescente e deve receber atenção constante, como alerta a reportagem  Adultização nas redes sociais: o que é e como evitar exposição do seu filho (Disponível em:https://www.techtudo.com.br/noticias/2025/08/adultizacao-nas-redes-sociais-o-que-e-e-como-evitar-exposicao-do-seu-filho-edapps.ghtml).  

O vídeo sobre o qual a reportagem fala pode ser visualizado no seguinte link: https://youtu.be/FpsCzFGL1LE?si=XwG2lf4vgME5p2vM. Apesar de ser chocante, ele é necessário.  

Na escola, podemos trabalhar essa atenção à segurança com jogos de faz de conta: criar “sites falsos” em cartolina, com erros e armadilhas, para que os alunos identifiquem onde está o perigo, por exemplo. Assim, a conversa sobre segurança deixa de ser teórica e se torna prática e divertida, utilizando meios analógicos para alertarmos sobre os perigos virtuais.

O ser crítico no uso das telas 

Passar o dedo na tela não é sinônimo de saber usar tecnologia. Precisamos também entender que nem tudo o que aparece nas ferramentas de busca é verdade, que a primeira fonte nem sempre é a mais confiável, e que existe manipulação nas imagens e vídeos.  

Num primeiro momento, que é a infância, não precisamos nos aprofundar sobre interesses das empresas nessa manipulação, mas é importante ligar o chamado “desconfiômetro” desde cedo.

Uma atividade interessante é comparar diversas notícias sobre o mesmo fato – algumas de portais mais confiáveis e outras de fontes duvidosas – e discutir com os alunos as diferenças de linguagem, imagens e dados. 

A ansiedade causada pelos excessos digitais 

Vivemos uma era de excesso de estímulos. Isso aumenta a ansiedade, afeta a capacidade de concentração e, sim, pode exigir de todos nós (adultos, inclusive) períodos de “detox digital”. Trato dessa interferência em nossa concentração (não só na das crianças) no artigo Mundo digital: dificuldade de concentração, disponível aqui no blog também. Para as crianças, essa pausa digital é fundamental para o desenvolvimento da criatividade e da socialização. 

Jonathan Haidt, no livro que citei anteriormente, traz a proposta de quatro reformas fundamentais que precisamos implementar no dia a dia das crianças: 

  1. Nada de smartphone antes do 9º ano escolar (somente celular com funções básicas). 
  1. Nada de redes sociais antes dos 16 anos. 
  1. Nada de smartphone na escola. 
  1. Muito mais brincar não supervisionado e independência na infância, a fim de que desenvolvam habilidades sociais e autonomia.

Além dessas dicas, na escola, podemos instituir, por exemplo, o “Dia sem Tela” – um dia de jogos, leitura, teatro e exploração do ambiente. Depois, pedir às crianças que relatem como se sentiram e o que descobriram sem usar aparelhos. 

Como pai e educador, entendo que nada disso é fácil de ser implementado, ainda mais porque todos nós temos cada um nossas tarefas e estamos quase que escravizados pelos smartphones. Mas precisamos fazer algo que mude a realidade que encontramos atualmente. 

O uso consciente da tecnologia 

Se o letramento digital é o “saber ler” o mundo on-line, o uso consciente é o “saber escolher” o que fazer com ele. 

Um de nossos papéis é o da mediação, conforme já alertei anteriormente. Não basta vigiar, é preciso conversar. Perguntar: “O que você viu? O que achou? Por que gostou desse vídeo?”. Essas perguntas estimulam a reflexão e ajudam a criança a perceber padrões e valores presentes nos conteúdos que consome. Sei que isso dá trabalho, mas é uma forma de criarmos rotinas para uma maior atenção sobre a navegação.

Professores podem adotar a “roda digital”: a cada semana, um aluno traz um conteúdo on-line (vídeo, imagem, jogo) para apresentar à turma, explicando o motivo da escolha. O grupo, então, debate sobre a relevância, segurança e utilidade desse conteúdo.  

A parceria com responsáveis é essencial para que todos entendam as intenções dessa atividade e que não haja “surpresas” na apresentação de conteúdos inadequados na atividade. 

Nem toda ferramenta educativa é adequada 

Não é qualquer aplicativo “educativo” que cumpre o que promete. Não podemos deixar de observar: 

  • A quantidade de publicidade presente (muitas vezes, elas são abusivas). 
  • A adequação à faixa etária da criança e do adolescente. 
  • O potencial para estimular criatividade e resolução de problemas. 

Na Educação Infantil, aplicativos de desenho e música interativa funcionam muito bem; nos Anos Iniciais do Fundamental, jogos de lógica, plataformas de leitura e ferramentas simples de programação (como o Scratch) são ótimas opções. 

A ética digital 

Ainda na infância, não podemos nos esquecer de tratar da ética (que muitas vezes parece não existir no mundo digital). Respeitar a autoria de imagens, citar fontes, não espalhar boatos, pedir permissão antes de postar fotos de colegas – tudo isso é letramento ético.  

Mostrar a nocividade de comportamentos como o cyberbullying e as suas consequências também traz uma maior conscientização dos nossos jovens e os ajuda na socialização com empatia e altruísmo. 

Podemos incluir, nos projetos escolares, a criação de “cartilhas de bom uso da internet”, feitas pelos próprios alunos, para serem distribuídas na comunidade escolar, o que promove uma integração entre diversos atores do processo educacional. 

A interdisciplinaridade na prática 

Por falar de integração, podemos aproveitar uma das coisas que a internet e as novas tecnologias têm de melhor, que é a conexão entre pessoas e assuntos. Podemos, por exemplo, programar um jogo para ensinar tabuada, criar um vídeo de animação para apresentar um trabalho de ciências, montar uma exposição virtual (ou presencial) de obras de arte feitas na aula. O roteiro pode ser criado previamente, trabalhando questões de língua portuguesa. Ou seja, a sua experiência e a sua sensibilidade como professor que vão orientar esses alunos.  

Desafios e estratégias 

Claro que falar é mais fácil que fazer. Existem obstáculos reais – e é aqui que precisamos ser criativos. Desde o início do texto, deixo claro que nosso dia a dia muitas vezes esmaga qualquer intenção nossa de sermos diferentes.  

Esbarramos, por exemplo, na falta de infraestrutura de diversas instituições. Nem todas as escolas têm laboratório equipado ou internet rápida. Nesse caso, a tecnologia pode ser trabalhada de forma rotativa: um único tablet pode ser usado em estações de aprendizagem, onde cada grupo explora uma ferramenta. Ou, ainda, atividades analógicas podem simular situações virtuais, alertando os alunos para questões reais.  

Outro ponto é que muitos professores ainda se sentem inseguros com o uso pedagógico da tecnologia. Mas isso não pode ser empecilho para o trabalho, já que podemos começar com projetos simples, como um mural colaborativo ou uma pesquisa guiada, os quais já são suficientes para iniciar o processo. A parceria com os alunos, muitas vezes até mais criativos e habilidosos do que nós no trato com a tecnologia, tende a ser o melhor caminho nesses projetos.  

Vocês percebem que, em diversos momentos, são trazidas aqui possibilidades de trabalho também analógicos, os quais vêm perdendo espaço gradativamente com o crescimento das tecnologias digitais. Diversos países vêm percebendo a necessidade da “desdigitalização”, como trato no texto “Desdigitalização” das escolas: esse é o caminho?, também publicado aqui no blog. 

A busca do equilíbrio  

A humanidade, desde os primórdios, busca em todos os sentidos o equilíbrio. Em tempos de radicalidades, equilibrar os polos é essencial em um mundo de ódios e discussões violentas. Seja analógica ou digitalmente, não podemos perder o contato humano. Por mais que a virtualidade nos permita conhecer realidades antes inacessíveis, brincar, olhar nos olhos, correr no pátio, sentir texturas – nada disso pode ser substituído por uma tela.  

Tanto no ambiente familiar quanto no escolar, podemos propor atividades híbridas: pesquisar um tema on-line e depois construir um objeto manualmente, ou fotografar trabalhos artísticos e depois imprimi-los para expor em um mural virtual. Ou seja, tudo vai depender da sua realidade, das suas possibilidades, mas sempre com um olhar humano, que é o essencial na educação. 

Conclusão 

O letramento digital é inevitável. As crianças de hoje já nasceram em um mundo conectado e seria uma tarefa fadada ao fracasso tentar afastá-las totalmente disso. O nosso papel – como responsáveis familiares e professores – é guiá-las para que usem a tecnologia como ponte. 

A tecnologia é uma importante ferramenta e o equilíbrio entre o que é virtual e o que é presencial depende das escolhas que fazemos, todos os dias, em casa e na escola. Seria importante, o quanto antes, observarmos e anotarmos como temos equilibrado esses dois mundos em nossa rotina. Essa pode ser a primeira etapa para transformar a relação das nossas crianças com o universo digital. 

Ah, quanto ao trato com minha filha de seis anos, tento seguir as dicas descritas aqui no texto. Além disso, venho limitando seu acesso às telas, tanto ao celular (que não tem redes sociais instaladas nem chip, somente alguns joguinhos instalados) quanto à TV.  

Comprei uma pequena ampulheta de 15 minutos e combino uma quantidade diária de tempo em que ela pode acessar esses aparelhos. Assim, além de ver a passagem do tempo na ampulheta, ela aprende a gerenciá-lo ao longo dos dias, sem exageros. Não é fácil manter esse controle, mas é necessário e vem dando certo.  

Referências 

FELCA. Adultização. [s.l.], 2025. 1 vídeo (50 min.). Disponível em: https://youtu.be/FpsCzFGL1LE?si=XwG2lf4vgME5p2vM. Acesso em: 9 ago. 2025. 

GOMES, Eduardo. Adultização nas redes sociais: o que é e como evitar a exposição do seu filho, Techtudo, Globo.com, 8 ago. 2025. Disponível em https://www.techtudo.com.br/noticias/2025/08/adultizacao-nas-redes-sociais-o-que-e-e-como-evitar-exposicao-do-seu-filho-edapps.ghtml. Acesso em: 9 ago. 2025.  

HAIDT, Jonathan. A geração ansiosa: como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais. Tradução: Lígia Azevedo. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2024. 

ROJO, Roxane; KARLOS-GOMES, Geam; SILVA, Ana Maria dos Santos Honorato. Multiletramentos na escola: uma entrevista com Roxane Rojo. Educitec – Revista de Estudos e Pesquisas sobre Ensino Tecnológico, Manaus (AM), v. 8, 2022. Disponível em: https://shre.ink/tXh8. Acesso em: 08 ago. 2025. 

Minicurrículo 

Tiago da Silva Ribeiro é professor do Magistério Superior no Instituto Nacional de Educação de Surdos nas disciplinas de Língua Portuguesa e Tecnologias da Informação e Comunicação. Tem experiência em turmas do Ensino Fundamental e Médio, além de já ter atuado na modalidade on-line como mediador, orientador de trabalhos finais de curso, desenhista educacional, professor-autor e coordenador de curso. Seu Doutorado em Letras é pela PUC-Rio e teve como tema de trabalho o Internetês. Ele investe no diálogo, na cooperação e no olho no olho em seu dia a dia, tanto pessoal quanto profissionalmente. 

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