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Leitura pelo professor e formação do leitor literário na escola

Leitura pelo professor e formação do leitor literário na escola

Ninguém pode passar vinte e quatro horas sem mergulhar no universo da ficção e da poesia, a literatura concebida no sentido amplo parece corresponder a uma necessidade universal, que precisa ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito. […] A literatura é o sonho acordado das civilizações. Portanto, assim como talvez não haja equilíbrio psíquico sem o sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem a literatura. Deste modo, ela é fator indispensável de humanização e, sendo assim, confirma o homem na sua humanidade. (CANDIDO, 1995, p. 170)

Que à escola cabe a função de ensinar o estudante a ler, todos sabem. Que a leitura literária é parte importante desse aprendizado, idem. Nem sempre se pensa, porém, na ideia expressa na epígrafe que abre este texto: a de literatura como um direito. A fabulação é inerente ao ser humano, e poder vivenciá-la por meio da linguagem, tal como possibilita a leitura literária, deveria ser um direito de todos.

Como a escola pode contribuir, então, para a formação do leitor literário?

O primeiro passo, ao se pensar nessa questão, é garantir que a literatura esteja presente na escola como um fim em si mesma e não como meio para se obter alguma aprendizagem.

É essencial proporcionar, a estudantes de todas as idades, a vivência da experiência estética propiciada pela leitura literária e, para isso, a escola não pode querer controlar essa experiência. Como afirma Lerner (2002), para a escola formar leitores, é imprescindível que ela abra mão do controle sobre a leitura dos estudantes.

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Se, por um lado, essa maior liberdade ao estudante enquanto leitor é necessária; por outro, a escola deve ter uma intencionalidade pedagógica em tudo o que propõe e, por isso, também o ensino da leitura literária precisa ter algum grau de supervisão.

Achar esse equilíbrio não é tarefa fácil, e ele pode ser pensado a partir das diferentes modalidades de leitura.

Modalidades de leitura

Chamamos aqui de modalidades de leitura os diferentes modos pelos quais a proposta do ato de ler pode ser realizada na escola (Vidal, 2019). Pensando nas situações didáticas fundamentais da alfabetização (Inoue; Amado; Zen; Molinari, 2019), algumas modalidades de leitura enquadram-se na categoria de leitura pelo estudante, enquanto outras estão relacionadas à leitura pelo professor.

Entre as modalidades de leitura pelo estudante, podemos citar a leitura livre, quando o acervo é disponibilizado para que o estudante tenha livre escolha e, nesses casos, nenhum controle sobre a leitura é necessário. Pelo contrário, é o momento de assegurar os estudantes os chamados direitos do leitor (Pennac, 1993): o direito de não ler, o direito de pular páginas, o direito de não terminar um livro, o direito de reler, o direito de ler qualquer coisa, o direito ao bovarismo, o direito de ler em qualquer lugar, o direito de ler uma frase aqui e outra ali, o direito de ler em voz alta, o direito de falar sobre o que se leu, o direito de calar.

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Outra modalidade de leitura pelo estudante pode ser a leitura colaborativa, quando o texto é lido em voz alta por um estudante, e os demais o acompanham.

Fundamentais para a formação literária na escola, também, são as modalidades de leitura que se encaixam na leitura por meio do professor, e é sobre ela que nos debruçaremos neste texto.

A Leitura pelo Professor: Um Ato de Humanização e Formação

Se compreendemos a leitura como um processo ativo de atribuição de sentidos ao texto escrito (Chartier, 1999; Colomer, 2007), compreendemos que o ato de ler não precisa estar vinculado, necessariamente, à leitura por si mesmo. Assim, quando um professor lê para seus estudantes, todos estão lendo juntos, na medida em que estão atribuindo sentidos próprios ao texto lido.

Para a alfabetização, a leitura pelo professor é essencial por vários motivos:

  • Em primeiro lugar, porque permite aos estudantes acesso a textos que não poderiam acessar por si próprios, seja por sua extensão ou complexidade, por ainda não terem desenvolvido sua competência leitora.
  • Em segundo lugar, porque, ao colocar o professor como leitor, a proposta cria um modelo para os estudantes, que têm a oportunidade de observá-lo e, assim, se aproximarem de comportamentos leitores, tais como usar um índice, um marcador de páginas, fazer pausas durante a leitura, usar entonação diferenciada na leitura em voz alta etc.
  • Em terceiro lugar, porque ela comunica aos estudantes propriedades da linguagem que se usa para escrever: a estabilidade, construções típicas da modalidade escrita da língua, progressão temática, recursos estilísticos, entre outras.
  • Em quarto lugar, porque, nessa situação, a leitura cumpre um de seus papeis, que é o papel comunicativo (quando lemos para outra pessoa, estamos também comunicando algo a ela).

Além disso tudo, o ato de um professor ler para seus estudantes – independentemente de eles serem ou não alfabetizados – é uma forma eficiente de implantação de uma rotina de leitura na sala, com construção de vínculo e partilha de preferências pessoais.

O professor, ao selecionar o que vai ler, mostra aos estudantes do que gosta, como se sente, e faz daquele momento uma experiência compartilhada entre todos, colaborando também para que os estudantes desenvolvam seus próprios critérios de seleção de livros.

Modalidades de Leitura na Leitura pelo Professor

Uma das modalidades de leitura que se enquadra nessa categoria é a da leitura compartilhada, quando o professor lê para os estudantes e faz intervenções antes, durante e após a leitura.

Essas intervenções contribuem muito para a formação do leitor literário, pois oferecem boas pistas para que o estudante antecipe o que vai ler, estabeleça relações entre diferentes partes do texto enquanto está lendo e reflita sobre o que leu ao final.

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Além disso, quando o professor lê e abre a discussão com a turma sobre o que foi lido, ele possibilita um aprofundamento na interpretação, que é essencial ao leitor literário. Ao ler em conjunto com seus pares, os estudantes, com o apoio da mediação do professor, têm a oportunidade de se relacionar com o texto segundo os passos propostos por Silva (2003):

  • Primeiro passo – “constatar”: é o momento em que o estudante, individualmente, tem um contato inicial com o texto e atribui a ele os sentidos que lhe são próprios, a partir da sua vivência individual.
  • Segundo passo – “cotejar”: nesta etapa, cada estudante pode compartilhar com os demais os sentidos que atribuiu àquele texto na primeira etapa, a partir de suas vivências. É o momento de falar e de ouvir.
  • Terceiro passo – “transformar”: nessa fase, cada leitor tem a oportunidade de atribuir novos sentidos, modificar a interpretação que fez inicialmente, incorporando as visões dos colegas (total ou parcialmente) ou não, transformando, assim, sua própria interpretação.

Outra modalidade importante de leitura pelo professor é a chamada leitura aos pedaços ou hora da novela (Vidal, 2019). Nela, o professor seleciona textos que seriam mais difíceis dos estudantes lerem por si mesmos – seja por sua extensão ou complexidade – e programa a leitura a ser realizada em vários dias.

A cada sessão diária de leitura, somente um trecho do texto é lido, e é importante que o professor selecione os pontos de pausa em momentos de maior suspense da narrativa. Dessa forma, os estudantes envolvem-se com a leitura e, ao vê-la interrompida nos momentos-chave, desenvolvem ainda mais interesse por ela.

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Não é raro que, ao usar essa estratégia, o professor veja seus estudantes retirarem o livro na biblioteca, para não precisarem esperar mais pelo desfecho. Está posto, dessa forma, o imenso potencial para a formação do leitor literário.

Conclusão

Assim, se a literatura é um direito inalienável do ser humano, cabe à escola a responsabilidade primordial de garanti-lo. Nesse cenário, as diversas situações de leitura mediadas pelo professor não são apenas um recurso pedagógico, mas uma ferramenta poderosa e indispensável para a formação do leitor literário. Ao ir além do simples ato de decodificar palavras, a leitura em sala de aula, como afirma Garzo (2012), é a chave para construir uma escola ideal: pública, laica e, sobretudo, literária, capaz de humanizar e de empoderar seus estudantes através da palavra.

Minibio

Elaine Cristina R. G. Vidal é professora na graduação e pós-graduação da Faculdade de Educação da USP. Ela é formada em Letras pela USP e em Pedagogia pela Universidade Metodista/SP. Possui especializações em Alfabetização: relações entre o ensino e a aprendizagem (ISE Vera Cruz) e Ética, valores e cidadania na escola (Univesp), além de mestrado e doutorado em Psicologia, Linguagem e Educação, também pela FEUSP.

É autora dos livros Projetos didáticos em salas de alfabetização (2014), Literatura e crianças: um encontro necessário (2019) e A infância na escola: reflexões sobre Educação Infantil (2023). Sua vasta experiência inclui atuação como professora e gestora em todos os níveis da Educação Básica, no Ensino Superior e como editora no Núcleo de Produção de Conteúdo e Formação da Saber Educação.

Referências

CANDIDO, A. O direito à literatura. In: CANDIDO, A. Vários escritos. 3. ed. SP: Duas Cidades, 1995. p. 169-191.

CHARTIER, R. A aventura do livro – do leitor ao navegador. São Paulo, Editora da UNESP e Imprensa Oficial, 1999.

COLOMER, T. Andar entre livros, a leitura literária na escola. São Paulo, Global, 2007.

GARZO, G. M. Por uma escola pública, laica e literária. Revista Emília, Out/2012. Disponível em: https://emilia.org.br/por-uma-escola-publica-laica-e-literaria/. Acesso em 12.03.2025.

INOUE, A; AMADO, C.; ZEN, G.C.; MOLINARI, C. Situações didáticas na alfabetização inicial. Salvador: ICEP, 2019.

LERNER, D. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Porto Alegre: Artmed, 2002.

PENNAC, D. Como um romance. São Paulo: Rocco, 1993.

Silva, E. T. Unidade de Leitura – Trilogia Pedagógica (Col. Linguagens e Sociedade). Campinas: Autores Associados, 2003.

VIDAL, E. Literatura e crianças: um encontro necessário. Santos: Pluralidade Singular, 2019.

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