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Quando pensamos em inclusão escolar, logo vem a nossa mente: estudantes com algum tipo de deficiência ou com autismo.


De fato, historicamente, a inclusão escolar sempre foi atrelada a esse público; logo, nada mais esperado do que pensarmos imediatamente em pessoas que possuam deficiência visual, surdez, autismo, que seja cadeirante ou que tenha Síndrome de Down, ao ouvir a expressão “inclusão escolar”.


Mas, precisamos expandir a ideia de inclusão, pois não são somente estudantes com deficiências que necessitam, muitas vezes, de adaptações pedagógicas, tempo diferenciado para aprender e avaliações adaptadas. 


Na verdade, se queremos mesmo uma escola inclusiva, todo e qualquer estudante deveria poder usufruir de adaptações ou recursos personalizados, caso necessitasse. 


Os documentos legais garantem ferramentas e estratégias para contribuir com o aprendizado de pessoas com deficiências e colocam que isso é importante para a inclusão. 


No entanto, quando consideramos que só pessoas com deficiências necessitam de tais recursos e auxílios, estamos excluindo uma parcela considerável do alunado que pode não ter deficiência.


Mas pode ter outras questões que levam a dificuldades de aprendizado ou de permanência na escola: crianças e jovens que sofrem de problemas de saúde mental é um dos exemplos.

Quer saber mais sobre a inclusão escolar e saúde mental no processo de aprendizagem dos alunos? Então, confira o conteúdo que preparamos para você!

Qual a relação entre saúde mental e o processo de aprendizagem?

Qual a relação entre saúde mental e o processo de aprendizagem?

Muito se engana quem acha que saúde mental é uma coisa e aprendizado é outra ou que uma pessoa com depressão, ansiedade, bipolaridade, síndrome do pânico, transtornos alimentares ou traumas de infância possuam dificuldades somente psicológicas/emocionais, sendo, portanto, possível separar emoção de cognição.

A ideia de que cognição é algo racional, vinda do cérebro, e emoção, algo subjetivo, vindo do “coração”, só existe nos contos de fadas.

Na vida real, tudo vem do cérebro e o cérebro que adoece emocionalmente é o mesmo que está em nossa sala de aula tentando aprender, mas muitas vezes não consegue.

Logo, problemas emocionais = adoecimento do cérebro em relação ao processamento das emoções = alterações de comportamento e aprendizado.

Somos seres integrais e isso significa que não há separação entre o biológico, o emocional e o social. Sendo assim, uma mente adoecida significa um comportamento disfuncional e um aprendizado comprometido.

No filme Coringa, de 2019, o personagem principal que sofre de transtornos psiquiátricos graves diz uma frase que resume o cerne da questão: “A pior parte de ter uma doença mental é que as pessoas esperam que você aja como se não a tivesse”.

Essa citação talvez reflita a dificuldade que temos em compreender e em lidar com os transtornos mentais. Ainda há um tabu imenso quando o assunto é saúde ou adoecimento mental ou problemas psiquiátricos.

Não é apenas uma brincadeira!


Muitos acham que depressão é “mi mi mi”, “falta de Deus no coração”, frescura ou preguiça. Ainda romantizamos a violência contra criança, achando que é bullying, “brincadeira” ou que apanhar dos pais é “dar uma boa educação”, e não vemos o quanto coisas desse tipo podem prejudicar a formação psíquica do indivíduo e o tornar um adulto socialmente disfuncional (violento, inseguro, carente etc).

Meninas cada vez mais magras e meninos cada vez mais tomando anabolizantes para serem “fortes” é sinônimo de beleza, pois estar bem nas redes sociais é prioridade para muitos hoje em dia.

Poderia dar uma infinidade de exemplos de como normalizamos certos comportamentos que deflagram adoecimento mental e, ao mesmo tempo, desprezamos ou minimizam os sintomas graves de adoecimento mental, como no caso da depressão.

O agravamento das questões de saúde mental com a COVID-19

O agravamento das questões de saúde mental com a COVID-19

A pandemia da covid 19, por um lado, trouxe muita tristeza e problemas ao mundo todo, mas, por outro, trouxe o assunto “saúde mental” à tona. Nunca se falou tanto em saúde mental, desde 2019. Mas falar somente não adianta, temos que agir.

Agora talvez seja o momento de inserir essa temática na escola: como conteúdo de certas disciplinas, como ações para melhoria da saúde mental da comunidade acadêmica e como proposta de suporte para alunos que, devido a problemas de saúde mental, estejam precisando de apoio pedagógico.

Cerca de 10 a 20% dos adolescentes do mundo, em algum momento, podem ter sua saúde mental abalada (KESSLER et al., 2007).

A Organização Mundial de Saúde comenta que 16% das doenças e lesões em pessoas entre 10 e 19 anos desrespeita as condições de saúde mental sendo que “metade de todas as condições de saúde mental começa aos 14 anos de idade, mas a maioria dos casos não é detectada nem tratada” (OMS, 2018a, online).

Além disso, 800 mil suicídios são cometidos por ano em todo mundo, sendo a segunda maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos (período escolar e universitário); o Brasil é o sexto colocado no ranking de suicídio no mundo, representando a quarta maior causa de mortalidade no país entre jovens de 15 a 29 anos (FIGUEIREDO, 2018).

Não podemos ver esses dados e achar isso normal. Não podemos nos deparar com índices altíssimos de suicídio entre jovens e dizer que é “mi mi mi”.

Algo acontece que leva tantas pessoas ao adoecimento emocional a ponto de tirarem suas vidas devido a tanto sofrimento. A maioria dessas pessoas estão em nossa sala de aula e, como educadores, temos o dever moral de olhar para isso com mais cuidado e atenção. 

Quais os efeitos do adoecimento mental em sala de aula? Entendendo o quadro atual

Quais os efeitos do adoecimento mental em sala de aula? Entendendo o quadro atual

Estudantes com um nível de sofrimento psíquico altíssimo precisam de apoio emocional, acolhimento, compreensão, tratamento psicológico e, muitas vezes, apoio pedagógico.

Depressão, ansiedade e outros problemas de saúde mental causam problemas cognitivos, como:

  • Perda de atenção;
  • Falhas de memória;
  • Distúrbios do sono;
  • Distorção da realidade;
  • Desmotivação;
  • Déficits na função executiva.

Muitos desses sintomas estão presentes em indivíduos com autismo, com dislexia e com deficiência intelectual.

Sendo assim, não seria lógico que estudantes adoecidos psiquicamente pudessem ter os mesmos direitos em relação à inclusão dos alunos com deficiências, já que as dificuldades no aprendizado, muitas vezes, são as mesmas?

O papel da Educação Inclusiva no Brasil

No que cabe à Educação Inclusiva do Brasil, os documentos legais não abordam a temática acerca dos transtornos mentais ou psiquiátricos e adoecimento mental.

Duarte e Melo (2019), em sua pesquisa, analisaram 31 documentos legais brasileiros (gráfico 1) e concluíram que não há nenhuma informação voltada para a inclusão ou para a formação de professores em relação aos transtornos mentais.

Isso é assustador! Uma vez que os dados apontam para índices altíssimos de crianças e jovens adoecidos emocionalmente, uma vez que o princípio da escola é ser inclusiva, uma vez que alunos com deficiências têm direito a apoio especializado, como deixamos nosso alunado adoecido emocionalmente tão desamparado?

Gráfico 1 – Documentos Legais voltados para inclusão

Documentos Legais voltados para inclusão

Fonte: (Duarte e Melo, 2019).

Conclusão

Enfim, saúde mental é algo relacionado a todos nós e, sem ela, o aprendizado fica comprometido e o comportamento disfuncional.

É urgente ampliarmos as discussões sobre inclusão de estudantes com problemas emocionais, sofrimento psíquico e adoecimento mental.

Por isso, é fundamental e urgente a escola acolher e incluir tais estudantes e contribuirmos, de alguma forma, para diminuição dos sintomas emocionais que levam, muitas vezes, nossos jovens a tirar a própria vida. Somente assim, a escola será, de fato, inclusiva. 


Prof. Dra. Viviane Louro é pianista, educadora musical e neurocientista. Docente do departamento de música da Universidade Federal de Pernambuco, onde além de lecionar, coordena os seguintes projetos: PROBEM DO CAC (programa para saúde mental dos estudantes de música); Liga Acadêmica de Neurociências Aplicada (LIANA); Especialização em Neurociências, Música e Inclusão; Comissão de humanização e saúde mental da UFPE. Autora de 8 livros na área de educação musical inclusiva e palestrante sobre as áreas de neurociências da música, psicomotricidade e música e educação musical inclusiva. Atualmente está se especializando em Criminal Profile e psicologia investigativa.

Gostou de saber mais sobre inclusão escolar e saúde mental no processo de aprendizagem dos alunos? Então, confira o nosso artigo sobre saúde mental pós-pandemia, neurociências e aprendizado!


Para saber mais 

ADÃO, Anabel do Nascimento. A ligação entre memória, emoção e aprendizagem. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 6., 2013, Curitiba. Anais […]. Curitiba: Universidade Católica do Paraná, 2013. 

BRITTO, Priscylla Souza. Música e  Neurociências: O  impacto  neurofisiológico  da  rotina  do  estudante universitário de música. 2019. 45 f. TCC (Graduação) – Curso de Música, Departamento de Música, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2019.

DUARTE, Plínio Gladstone; MELO, Maria Aparecida Vieira de. Educação para todos: um estudo sobre os transtornos mentais, e as leis educacionais. In: Maria Aparecida Vieira de Melo; Ricardo Santos de Almeida. (Org.). Currículo, políticas educacionais e formação discente-docente: trilhando caminhos no ensino-aprendizado. 1ed. São Paulo/SP: Perse, 2019, v. 1, p. 215-230.

FIGUEIREDO, Carlos Guilherme. Suicídio em jovens. Associação brasileira de Psiquiatria, 2018. Disponível em: < http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento/download/e4032f2a-e82d-4ff2-8ff9-c17034551ef3 >. Acesso em: 25 Set. 2019.

KESSLER, Ronald C., et al. Lifetime prevalence and age-of-onset distributions of mental disorders in the World Health Organization’s World Mental Health Survey Initiative. World Psychiatry, 2007. p.168–176.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Folha informativa – 

Saúde mental dos adolescentes. Set. 2018a. Disponível em: <https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5779:folha-informativa-saude-mental-dos-adolescentes&Itemid=839 >. Acesso em: 31 de mar. 2019.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Folha informativa – Suicídio. Ago. 2018b. Disponível em: < https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5671:folha-informativa-suicidio&Itemid=839 >. Acesso em: 02 dez. 2019.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Folha informativa – 

Transtornos mentais. Abr. 2018c. Disponível em: < https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5652:folha-informativa-transtornos-mentais&Itemid=839 >. Acesso em: 05 mai. 2019.

LOURO, Viviane; LOURO, Fabiana; DUARTE, Plínio. O estresse gerado pela pandemia como risco para adoecimento mental e físico do músico a partir das neurociências cognitivas. Revista Música. v. 20 n. 2 – Dossiê Música em Quarentena Universidade de São Paulo, Dez. de 2020.