Diálogo entre a família na escola

Quando pensamos em quais os pilares para o desenvolvimento social, intelectual e emocional de uma pessoa, a escola e a família, sem dúvida, representam boa parte da base que vai fundamentar o modo como um indivíduo se relaciona com o mundo e se percebe inserido nele.

Pelo lado da escola, é lá que, de modo rotineiro, podemos entrar em contato com outras formas de ser no mundo, novos repertórios, culturas e trajetórias de vida, além dos saberes historicamente consolidados que são mediados pelos profissionais da educação.

Já no âmbito familiar, estamos em contato com outros sujeitos que compartilham conosco uma mesma história, um percurso parecido pela vida, com referenciais semelhantes em que podemos nos identificar e aprofundar a ideia de pertencimento a um grupo.

Ainda que seja fácil identificar a importância da presença desses dois espaços, de maneira complementar, para o desenvolvimento de alguém, por vezes também é fácil encontrar discussões pouco produtivas que querem delimitar qual o limite de atuação de cada um, com argumentos que chegam a defender que a família é responsável pela educação e a escola pelo ensino, como se isso fizesse algum sentido para além da simples retórica.

Em edição mais recente de pesquisa realizada pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), com jovens de 15 anos, constatou-se que a participação da família tem grande impacto no rendimento dos alunos.

Segundo o Relatório Brasil no Pisa 2018:

Estudantes que se sentem mais apoiados emocionalmente pelos pais em seu cotidiano escolar, ou seja, estudantes inseridos em famílias cujos pais ou responsáveis se interessam mais pelas atividades escolares, incentivam a autoconfiança e apoiam as dificuldades escolares enfrentadas pelos filhos, possuem melhores resultados acadêmicos. (BRASIL, 2020, p. 181)

A participação da família na escola faz a diferença!

O relatório segue dizendo que é necessário estabelecer políticas escolares que incentivem e auxiliem a participação da família na vida escolar dos alunos, com ênfase nos casos em que “as barreiras ao aprendizado são maiores, seja por questões financeiras ou por questões culturais”.

Esse último ponto, aliás, merece atenção redobrada quando falamos das dinâmicas escolares que solicitam a participação da família.

Em primeiro lugar, vale destacar que, quando falamos em educação no Brasil, estamos falando basicamente de escolas públicas, uma vez que mais de 80% de todas as matrículas da educação básica são nessas instituições, segundo Censo Escolar de 2022.

Em segundo lugar, é importante lembrar também que falar de qualquer tema que envolva a sociedade brasileira é falar de uma população que, em sua maioria, faz parte da classe popular, já que, conforme os recentes dados da Pnad Contínua, 90% dos brasileiros recebem menos de 3,5 mil reais por mês, ou seja, vivemos em um país em que a esmagadora maioria da população vive, mensalmente, com menos de três salários-mínimos[1].

Trago esses dados para que, antes de mais nada, tenha-se clareza que tratar de educação no Brasil é tratar de ensino público por alunos de classes populares, informações que não podemos desconsiderar quando queremos pensar em estratégias de aproximação entre família e escola.

Quais as possíveis causas?

Se a maior parte das famílias de nossos alunos compõe-se por trabalhadores, muitas vezes sobrecarregados em posições profissionais precarizadas e mal remuneradas, o que a escola pode fazer para que a participação desses sujeitos na rotina educacional dos filhos e filhas seja significativa e não apenas uma demanda desgastante e impositiva?

Sabemos que a participação dos familiares na educação dos jovens deveria ser parte de um comprometimento constante, independentemente do esforço demandado nesse processo, mas sabemos também que na dinâmica complexa da vida nem sempre se consegue, ou se pode, exigir aquilo que dificilmente irá acontecer.

Muitos familiares não participam da vida escolar dos estudantes não por falta de vontade ou interesse, mas por falta objetiva de tempo ou condições que envolvem as lacunas de sua própria formação escolar. Por onde ir, então?

Criando condições para o diálogo entre a família na escola

Começando por, talvez, a mais tradicional forma de contato entre a escola e a família de maneira mais sistemática: a reunião com responsáveis.

A frequência desse tipo de reunião costuma variar de acordo com a rede de ensino e com a etapa em que o aluno se encontra, mas, seja qual for a regularidade, tal encontro serve para passar informes gerais sobre o andamento do ano letivo e a situação dos alunos, seja em relação ao rendimento, através da divulgação de notas, seja em relação a aspectos do comportamento e interação social com o restante do corpo escolar.

Podemos, então, começar pensando sobre como tornar esse rotineiro encontro algo mais produtivo para todos os envolvidos.

Em uma sociedade bastante conectada como a nossa, com a facilidade de acesso a e-mails e a popularização aplicativos de conversa, como o WhatsApp ou Telegram, cabe nos questionarmos se há mesmo necessidade de ocupar boa parte das reuniões só para avisos protocolares que podem facilmente ser objeto de divulgação por outro meio.

Nessa reflexão, vale pensar em como deslocar os responsáveis de uma posição altamente passiva e receptiva, de quem passa a maior parte do tempo ouvindo recados ou esperando a vez de receber as notas do aluno.

As reuniões poderiam ser uma oportunidade para que as famílias prestigiassem as apresentações dos alunos, entrassem em contato com as produções discentes expostas pela escola e conversassem de maneira mais profunda com os docentes.

Para além das reuniões

Poderiam ser organizadas salas temáticas em que os professores de uma determinada disciplina pudessem compartilhar com os pais o que está sendo trabalhado naquele momento em cada turma, aproveitando a oportunidade para conversar com os familiares sobre o aluno, com escuta atenta às demandas trazidas.

Para além das reuniões e demais eventos escolares, há também que se pensar em estratégias cotidianas que envolvam a família sem, necessariamente, contar com a sua participação presencial, levando em conta a dificuldade que muitos podem ter de comparecer ao colégio com regularidade.

Uma forma de promover esse envolvimento é através de atividades pedagógicas que demandem a participação dos responsáveis, com, por exemplo, solicitar aos alunos que pesquisem sobre a história dos parentes mais idosos, incentivando um movimento de valorização de sua própria história.

Pode-se ainda indicar uma pesquisa sobre alguma receita culinária famosa na família ou alguma tradição, como a maneira como datas comemorativas geralmente são celebradas em casa ou nas casas de outros familiares.

Estratégias de envolvimento para os demais alunos

Pensando em alunos adolescentes, o estudo sobre a variação linguística, que costuma ocorrer nos Anos Finais do Ensino Fundamental e durante todo o Ensino Médio, pode ser uma oportunidade para que pesquisem com seus parentes quais eram as gírias mais comuns quando eles eram jovens e depois comparar com aqueles que atualmente são usadas.  

Há também a possibilidade de pedir que o aluno busque informações sobre sua vida. Por exemplo, pode-se sugerir que ele converse com os familiares e procure saber como foi o dia de seu nascimento, se nasceu na mesma cidade em que mora atualmente ou em outro lugar, quais familiares ou conhecidos estavam presentes nesse dia e qual a motivação para a escolha de seu nome.

Para alunos mais novos, a leitura do livro infanto-juvenil Histórias da Cazumbinha (ed. Companhia da Letrinhas), de Meire Cazumbá, pode ser uma ótima forma de motivar essas discussões sobre o início da vida do aluno, envolvendo o diálogo com os familiares e aproximando-os da rotina escolar do jovem estudante.

Para alunos um pouco mais velhos, em um diálogo com os saberes dos componentes curriculares Geografia e Língua Portuguesa, pode-se indicar que pesquisem com seus familiares sobre características do bairro ou da cidade em que moram, quais as principais mudanças ocorridas nos últimos anos e quais melhorias poderiam ser feitas.

Esse tipo de pesquisa poderia ser encaminhada no formato do gênero discursivo entrevista, embasando uma produção textual que sintetize os dados colhidos em um gênero textual expositivo.

Como, provavelmente, os alunos de uma mesma turma moram no entorno do colégio, esse trabalho poderia, após a etapa individual, se desdobrar em uma atividade em grupo, com a produção de reportagens que abarcariam diferentes olhares sobre o mesmo tema.

Por último, tais produções poderiam compor uma exposição para que os familiares entrevistados pudessem, em alguma reunião durante o ano letivo, conhecer o resultado de suas participações.

Conclusão

Todas essas são apenas algumas maneiras de contemplar o conhecimento dos familiares nas atividades escolares, buscando a integração deles no cotidiano dos alunos. Vimos que, ao pensar o fundamental diálogo entre família e escola, temos que pensar também em proporcionar situações para que esse diálogo não ocorre somente em momentos pontuais e presenciais, mas que possa ocorrer de modo contínuo por todo o ano letivo.

Ainda que a presença dos pais na escola nem sempre seja possível, é possível que a escola sempre esteja disponível para as famílias, com uma postura acolhedora e compreensiva para os desafios que muitos pais e mães enfrentam diariamente na busca de um futuro melhor para seus filhos.

[1] Fonte: https://economia.uol.com.br/noticias/bbc/2021/12/13/calculadora-de-renda-90-brasileiros-ganham-menos-de-r-35-mil-confira-sua-posicao-lista.htm Acesso em 16.10.2023

Referências

BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Brasil no Pisa 2018. Brasília, 2020.

BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Censo Escolar da Educação Básica, 2022: Resumo Técnico. Brasília, 2023.

CAZUMBÁ, Meire; BORDAS, Marie Ange. Histórias da Cazumbinha. Companhia das Letrinhas. Rio de Janeiro, 2010.

IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2019. Fonte: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101709_informativo.pdf . Acesso em 16.10.2023