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A Educação Física na erradicação do bullying

3 de agosto de 2022,
E-docente

Conforme exposto em textos anteriores, acreditamos na importância da Educação Física na educação formal para a promoção da cidadania.

Tendo isso em vista, não poderíamos nos esquivar de discutir como a Educação Física se configura um componente curricular eficaz na erradicação do bullying na escolarização básica.

Embora seja pouco debatido no âmbito da Educação Física Escolar, o que já seria uma outra justificativa para a construção deste material, suas modalidades esportivas possuem características que incidem nessa erradicação – objetivo deste trabalho – por meio da prevenção, seja em relação à vítima de bullying, pelo aprimoramento da autoestima, seja em relação ao agressor, pela possibilidade de propor mecanismos de correção de comportamentos hostis, evitando o caráter punitivista, conforme preconiza a Lei de Combate à Intimidação Sistemática/Bullying, Lei Nº 13.185 de 6 de novembro de 2015.

Quer saber mais sobre como trabalhar a Educação Física na erradicação do Bullying? Confira o conteúdo que preparamos sobre o tema!

Compreendendo o Bullying

Compreendendo o Bullying

O bullying deriva do termo bully (inglês), o qual equivale aos substantivos fanfarrão/valentão; já sua forma verbal to bully corresponde a intimidar/tiranizar/bulir, enquanto a forma nominal do verbo no gerúndio (-ing) promove o efeito de continuidade dessa ação. A Lei Nº 13.185 o tipifica como:

todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.

Atente-se para a expressão “todo ato de violência”! No que se refere à violência física, sua compreensão se torna mais simples: bater, socar, chutar, empurrar, deixar o pé para tropeçar representam essa forma.

Agora, para alcançarmos a dimensão da violência psicológica e, consequentemente, o bullying, faz-se basilar discorrer a respeito de “Violência Simbólica”.

A expressão “Violência Simbólica” foi elaborada pelo Professor e Sociólogo Pierre Bourdieu para representar formas de agressão sem violência física, pela coação, predominantemente sob efeitos psicológicos, sustentada por valores, costumes e condutas que refletem e são validados por concepções que predominam (discurso dominante –  importante destacar que essas formas de violência além da violência física, muitas vezes sutis, configuram outras ordens de violência afora o bullying, como o assédio moral, assédio sexual e a violência doméstica).

Exemplo prático

Tentando exemplificar a reprodução de formas dessa violência numa aula de Educação Física, poderíamos citar: relegar um estudante em função da baixa aptidão física – a ação seria legitimada por esta condição; uso de apelidos pejorativos por características físicas (altura, obesidade, joelho em valgo – também conhecido como pernas arqueadas, etc.) – validados por uma norma seletiva ou um padrão estético; ou mesmo impor contra a vontade de alunos conteúdos curriculares por gênero (meninos jogam futebol, meninas irão para dança e afins) – como um reforço ao discurso dominante/segregador.

Portanto, desprezar, apelidar pejorativamente, perseguir, ridicularizar, amedrontar, chantagear, depreciar, caluniar, espalhar boatos, entre outros, representam o conjunto de ações que podem delimitar a violência simbólica/psicológica.

Entretanto, como muitos acreditam, um fato isolado não qualifica o bullying. É necessária uma frequência/repetição, com intenção de inibir ou machucar e com uma consequência prevista: dor e angústia numa circunstância em que há desequilíbrio de poder (não só de força).

Postagens e publicações na internet que desqualificam, expõem a intimidade, instigam à violência ou deturpam dados ou fotos com o objetivo de favorecer a intimidação psicossocial também integram formas de bullying (especificado como cyberbullying).

Muito mais que “mimimi”

Muito mais que “mimimi”

Argumentos bastante recorrentes e inconsistentes na busca por invalidar ações que visem desarraigar o bullying do ambiente escolar como “isso é mimimi”, “no meu tempo de escola tinha bullying e eu sobrevivi sem problemas” ou “não se pode falar mais nada de ninguém, tudo é politicamente incorreto”, apesar de superficiais, têm aumentado. Analisemos sua gênese.

Vários estudos apontam o Massacre de Columbine (EUA) como epicentro das discussões sobre bullying; esse massacre escolar ocorreu na Columbine High School em 20 de abril de 1999.

Eric Harris e Dylan Klebold assassinaram 12 alunos e um professor, feriram 24 pessoas e, após trocas de tiros com a polícia, cometeram suicídio. Os motivos: desprezo dos companheiros de escola, recorrentes comentários homofóbicos e abusos por relação de desequilíbrio de forças, provocada pelos atletas de futebol americano.

Em matéria veiculada no Jornal Washington Post escrita por Sandra G. Boodman, um ano após o Massacre de Columbine, o Serviço Secreto Americano investigou e constatou que, dos 37 tiroteios premeditados em escolas, mais de dois terços tiveram o bullying como fator relevante.

No Brasil, o ponto nuclear foi o Massacre do Realengo, em 7 de abril de 2011. Wellington Menezes de Oliveira invadiu a Escola Municipal Tasso da Silveira (RJ), assassinou 12 alunos, feriu 22 e, assim como Eric Harris e Dylan Klebold, após o confronto com a polícia, cometeu suicídio.

Em vídeo transmitido pelo Jornal O Globo e Nacional, Wellington, em discurso confuso, reconhece a influência do bullying, embora alegue que não foi o único motivo. Em sua carta de suicídio, veiculada pelo Fantástico, o autor do massacre justifica:

Muitas vezes aconteceu comigo de ser agredido por um grupo, e todos os que estavam por perto debochavam, se divertiam com as humilhações que eu sofria, sem se importar com meus sentimentos.

Dessa maneira, muito mais que “mimimi”, o bullying contamina a escola, afeta a vida da vítima e do agente causador, pois além dos danos psicológicos, pode causar lesões, até mesmo a morte.

Reflexos na Legislação

Reflexos na Legislação

Anteriormente ao Massacre do Realengo, a Constituição Federal (1988) já expressava a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem das pessoas, bem como o reconhecimento dos danos de ordem moral. Especificamente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) declara em seu Art. 5º:

Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Contudo, após o massacre, em 6 de novembro de 2015, a então presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei Nº 13.185 que tipifica e institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática ou Bullying, submetendo instituições de ensino, clubes e agremiações recreativas a garantir ações de conscientização, prevenção, diagnóstico e enfrentamento desse mal.

Em 15 de Maio de 2018, foi publicada no governo Michel Temer a Lei 13.663, que alterou o art. 12 da Lei 9.394 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), incluindo a promoção de medidas de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência, com a finalidade de favorecer a cultura de paz entre as atividades nos estabelecimentos de ensino.

Alinhada a essas novas percepções, como também da UNESCO, A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) preconiza a educação socioemocional, contemplando o entendimento e a solução de circunstâncias em que o bullying está inserido, corporificada em 5 competências socioemocionais: consciência social, habilidades de relacionamento, tomada de decisão responsável, autogestão e autoconsciência.

A Educação Física na erradicação do Bullying

A Educação Física na erradicação do Bullying

Evidente que as aulas de Educação Física podem favorecer ou mesmo reproduzir categorias de violência que caracterizam o bullying, como foi exemplificado anteriormente, contudo, para o êxito das unidades temáticas, as 5 competências socioemocionais devem estar justapostas a essas unidades, o que interessa a todo corpo escolar.

Comecemos pela consciência social associada ao esporte. Desde a própria concepção dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, pensada por Barão de Coubertin, o esporte era exaltado por seu potencial em aproximar as pessoas.

O espírito olímpico, pelo qual o valor educativo do esporte fica salientado, associou o nome “atleta” ao respeito e à conduta exemplar.

Mesmo na contemporaneidade, algumas ações retomam essa idealização, como o FIFA Fair Play, a Medalha Barão de Coubertin (a medalha das medalhas), Prêmio Kareem Abdul-Jabbar de Justiça Social, entre outros.

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fair play

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A capoeira, por exemplo, ilustra bem essa ideia, uma vez que se congrega dança, combate e jogo, pode ser lido como uma forma de resistência e promove uma possibilidade de seus praticantes se colocarem no lugar do afrodescendente.

Há respeito à diversidade e compreensão da riqueza motriz proporcionada ao acervo motor, em oposição ao preconceito que restringe esse acervo e se manifesta não só na capoeira, mas nas aulas de ballet ou ginástica rítmica para meninos, futebol e lutas com as meninas, para citar alguns.

É hora do Fair Play e do relacionamento

Provavelmente, a competência socioemocional mais evidente no trato com a Educação Física seja a habilidade de relacionamento, sobretudo nos esportes coletivos – toda vitória é coletiva, não existe a ideia de que “um atleta carrega o time”.

Por mais que alguns meios exaltem os dados estatísticos de determinados atletas, as vivências demonstram que o êxito está na coletividade e prezar por essa coletividade dos envolvidos é fator preponderante.

Diversos exemplos confirmam que, mesmo times com elencos incontestáveis, se não desenvolverem a habilidade de relacionamento, sucumbem aos adversários.

A situação de estresse favorecida pela cobrança, própria ou de terceiros, por resultados e performance, exige que o professor propicie o desenvolvimento da autogestão.

Raiva, medo, tristeza, alegria podem estar presentes numa mesma competição e cada situação adversa pode ser vivenciada em aula, por meio de brincadeiras e jogos, lutas, danças etc. Assim, o controle das emoções pode também estar relacionado a essa competência de autogestão. 

Para o êxito, a tomada de decisão (responsável) deve prezar pelo coletivo. Mesmo as modalidades de luta, o respeito ao adversário e o reconhecimento de sua importância, para o desenvolvimento da performance como dos valores, devem ser enfatizados.

Testar e superar limites são condutas recorrentes na Educação Física e, para isso, a autoconsciência é elementar.

Fomentar a competição reflexiva (consigo) engrandece a aula, assim como promove a autoestima; nesse caso, as ginásticas e as práticas corporais de aventura poderiam representar um método eficaz na superação de marcas pessoais.

Mesmo quando não superados esses limites, deve-se suscitar as possibilidades de aprendizagem e crescimento proporcionadas pelo tanto que aprendemos também com as derrotas.

Conclusão

Constatamos que a não aceitação dessas competências socioemocionais compromete o triunfo das unidades temáticas (Brincadeiras e jogos, Esportes, Ginásticas, Danças, Lutas e Práticas corporais de aventura), viabilizando mecanismos de correção de comportamentos hostis, sem ser punitivista. 

A diferença é uma condição humana e a Educação Física evidencia essa premissa em todas as aulas: composição corporal não determina um aluno ser melhor que outro, a paixão por uma modalidade esportiva independe de gênero, pessoas com deficiência mostram que todos temos diferentes deficiências. 

Chama atenção a Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Teaching and Learning International Survey – Talis), exposta pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), cujos dados foram publicados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, que revelou ser o ambiente escolar brasileiro duas vezes mais suscetível ao bullying do que a média geral das instituições de ensino dos 48 países avaliados.

Portanto, um maior comprometimento da sociedade é necessário, bem como, dos professores de Educação Física. 

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Augusto César Nóbrega Ramos Bonnaneti é Graduado em Educação Física e Mestre em Educação pela UFPE, é professor da Pós-graduação e da Graduação da FADIMAB, do Curso de Educação Física da FAREC, da UNI SÃO MIGUEL, da UNIP e do SESI, além de ser um

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