MENU

O professor como agente de detecção precoce: Guia prático para identificar sinais de sofrimento nos alunos

17 de setembro de 2025,
E-docente
O Professor como Agente de Detecção Precoce- guia de como Identificar Sinais de Sofrimento nos Alunos

Professor! Ei, professor! Você está aí? Ou vem vivendo no automático, desempenhando tarefas que acabam desligando algumas funções tão importantes em nós, como atenção ao outro, empatia, cuidado? Se isso vem acontecendo, não se culpe, pois a rotina para quem trabalha com Educação costuma ser cruel, ainda mais quando pensamos nas salas de aula lotadas, nas milhares de provas, nos planejamentos, nos formulários…

Não é fácil nos mantermos ligados, atentos de verdade, por isso acabamos muitas vezes olhando para nossos alunos como números que devem ser preenchidos em determinado documento burocrático a ser entregue o mais rapidamente possível.

Atitudes assim, por mais que sejam inevitáveis em alguns contextos, acabam envergonhando aquele profissional que fomos lá no início de nossa carreira, cheio de sonhos, de metas, com vontade de mudar o mundo por meio da Educação. Será que ainda é possível resgatar pelo menos parte dessa utopia? Tirar essas vendas que passaram a nos impedir de ver aquilo que está claro na nossa frente?

Possivelmente, você, que me lê, já passou por situações em que determinados alunos apresentaram uma mudança repentina de comportamento.

Como identificar sinais de sofrimento nos alunos?

A importância de identificar sinais de sofrimento nos alunos é um ponto crucial. Nesses casos, você buscou tomar alguma providência? Conseguiu detectar um sofrimento por trás dessa carinha triste ou daquele olhar desafiador? Na escola onde você trabalhava (ou trabalha) há algum setor ativo no atendimento a esses alunos? Como é sua relação com os alunos: de cumplicidade, confiança, ou de medo? Já parou para pensar que a apatia de um dia pode escalar para uma situação grave no dia seguinte e que sua atuação pode ser decisiva no acolhimento do problema desse aluno? No texto Saúde mental dos alunos nas escolas públicas: dados e desafios, já trago alguns pontos a serem observados, mas que, aqui, serão ampliados.

Vamos, juntos, pensar em soluções efetivas que, mesmo que não mudem a realidade da Educação no país, tão difícil de ser reestruturada por nós, meros mortais, consigam trazer conforto e novas perspectivas àquelas vidas que cruzam com as nossas em sala de aula.  

O ambiente escolar: um espaço estratégico para o cuidado

Quais são as principais lembranças que temos de nossa infância? Claro, muitos de nós lembramos de brincadeiras com os familiares, viagens, férias, mas grande parte de nossa vida foi no ambiente escolar. E, se há um lugar onde a vida acontece intensamente, é a escola. É ali que os alunos não apenas aprendem Matemática, Português, Ciências, mas também vivem amizades, conflitos, crises, conquistas e frustrações. E é justamente nesse espaço, tão vivo e pulsante, que os sinais de sofrimento podem aparecer primeiro. 

Pesquisas, como a de Lopes et al. (2016), indicam que um em cada três adolescentes brasileiros apresenta sintomas de sofrimento mental. E adivinha quem é a primeira pessoa que pode notar uma mudança no comportamento? Sim, você, professor! A queda repentina no rendimento, o aluno que antes ria alto e agora se cala, a menina que de repente começa a faltar às aulas… tudo isso pode ser sinal de que algo não vai bem. A escola, portanto, se torna um espaço estratégico não apenas de ensino, mas também de cuidado e prevenção.

Vale lembrar: como sempre deixo claro em meus textos, essa responsabilidade de atenção ao aluno não é só do professor, mas de todos os atores do processo educacional. O foco aqui é esse nosso papel por conta de estarmos diretamente em contato com os jovens, acompanhando seu desempenho acadêmico e suas reações no dia a dia da escola durante as aulas.  

Identificar sinais de sofrimento nos alunos: onde traçar a linha?

Uma das dúvidas que permeiam nossa atuação, mesmo que atenta, é: até onde aquele comportamento diferente é apenas “coisa da idade” e quando passa a ser um sinal de alerta? A adolescência é marcada por transformações, é claro, mas há sinais que não podem ser ignorados. 

Devemos estar atentos quando os sintomas são persistentes, intensos e atrapalham o convívio social e a aprendizagem. Tristeza que não passa, irritabilidade exagerada, isolamento, automutilação e até falas sobre morte precisam acender um alerta vermelho.  

De qualquer forma, é importante que mantenhamos um diálogo com todos na turma, para que tenhamos mais chances de identificar e diferenciar aquilo que é normal da idade daquilo que pode ser o início de uma patologia; é diferenciar o passageiro do preocupante.

Em relação à hipótese inicialmente estabelecida de que o educador pode se tornar um facilitador na ajuda da promoção de saúde e enfrentamento ao sofrimento dos seus alunos, foi possível encontrar embasamento no autor Gabriel et al. (2020), ao destacar que a relação professor-aluno, a partir dos vínculos afetivos e da confiança, aliado ao trabalho dos profissionais da saúde, contribuem para a promoção de saúde dentro do contexto escolar. (Santos; Gondim, 2021, p. 95-6) 

Percebemos no estudo de Santos e Gondim (2021) como essa parceria entre professor e aluno é importante. Essa é a conclusão a que elas chegam após realizarem uma extensa revisão de literatura. Ou seja, não é achismo, é estudo. Embora saibamos que nem sempre depende nós, um bom vínculo com os alunos é um importante fator de proteção em saúde mental (tanto pra eles quanto para nós). Afinal, é fácil perceber, após anos de trabalho, como o clima de sala de aula importa para a nossa saúde mental. Pequenas atitudes, como chamar o aluno pelo nome, valorizar suas conquistas e promover rodas de conversa podem transformar a escola em um espaço de confiança e pertencimento. 

E há mais pontos com os quais devemos nos preocupar: por mais que tentemos cuidar do espaço físico pelo qual transitam nossos alunos, existe um ambiente muito perigoso e que precisa de uma supervisão ininterrupta: as redes sociais virtuais.  

O impacto das redes sociais no aumento do sofrimento da criança e do adolescente 

Agora me diga: quantos dos seus alunos não passam o recreio inteiro com o celular na mão? Sim, sabemos que recentemente leis tentam frear essa presença dos celulares na escola, mas, fora daquele ambiente controlado, esses aparelhos estão na vida de todos nós, por isso configuram um grande desafio para responsáveis e educadores. 

Aqui no blog E-docente é possível encontrar diversos textos que tratam dessa questão do uso excessivo dos aparelhos celulares (inclusive tem uns ótimos que escrevi, modéstia à parte). São abundantes os estudos que mostram como o uso excessivo das redes está relacionado a sintomas como ansiedade, depressão e baixa autoestima, já que a comparação constante, o cyberbullying e a busca incessante por validação virtual são alguns dos fatores que podem agravar o sofrimento. 

Não quero dizer aqui que temos de nos tornar “detetives digitais”, mas podemos estar atentos quando o aluno parece viver apenas “no on-line” e apresenta mudanças bruscas de humor ligadas ao que acontece no celular. Como fazer isso se a escola proíbe o uso do aparelho? Aqui, a parceria com as famílias é fundamental, a fim de detectar dificuldades e traçar estratégias conjuntamente. Trazer esse tema para rodas de conversa e projetos escolares também pode ser uma boa forma de prevenção. 

O olhar do professor: o que observar no cotidiano e como acolher e encaminhar o aluno 

Então, após esses pontos iniciais, vamos à prática. O que fazer no dia a dia, mesmo em meio a tantos obstáculos que a escola normalmente já nos traz? Ressalto que não precisamos desempenhar mais uma função (além de tantas), mas podemos ser alguém que observa e escuta. Tratando da questão da automutilação, um dos problemas frequentes ligados ao sofrimento, Lima et al. (2024, p. 14) alertam que alguns sinais comuns merecem atenção:

[…] os estudantes demonstraram sinais de alerta antecipadamente.   Eles tendem a apresentar baixa autoestima, ter problemas de sono e alimentação, afastar-se de amigos, doar bens valorizados, perder o interesse pela aparência pessoal, usar álcool e drogas, bem como correr riscos desnecessários.

Esse é um ponto bastante delicado e que muito nos aflige. A automutilação e a ideação suicida têm crescido entre adolescentes, mas nosso silêncio ou nossa indiferença só pioram o quadro. De acordo com Maciel e Teixeira (2023, p. 7): “[…] é possível depreender, a partir das respostas dos professores, sentimentos de insegurança, hesitação e incerteza destes ao abordar o aluno com comportamento suicida, uma vez que, de fato, não aprenderam a lidar com essa questão”.  

Por isso, é importante que criemos situações em que sejam abertos espaços para diálogos e encaminhamentos seguros de forma coletiva, para que não sintamos sozinhos esse peso da responsabilidade de tratar de problemas tão sérios. É fundamental comunicar à gestão escolar e aos responsáveis qualquer percepção e acionar serviços especializados sempre que necessário. 

Nosso olhar é importante para perceber mudanças de comportamento, ao mesmo tempo que, volto a salientar, a parceria com familiares e outros atores na escola é fundamental. Mas, dentro do nosso escopo, como agir?  

Primeiro, precisamos acolher sem julgamentos e sem exposição dos problemas de cada aluno. Depois, não carregar sozinho a responsabilidade: registrar, conversar com a equipe pedagógica e, quando necessário, encaminhar para a rede de saúde. Existem programas como o Saúde na Escola que indicam fluxos de atendimento para diversos casos que podem ser acionados (Brasil, 2011). 

Todos nós sempre ouvimos aquele ditado de que “prevenir é sempre melhor do que remediar”… Em vez de agir apenas quando a o problema já aconteceu, a escola pode criar um ambiente que previna o sofrimento desde o início. Algumas estratégias são totalmente viáveis, como: 

  • programas de educação socioemocional; 
  • projetos de mediação de conflitos; 
  • campanhas sobre respeito, diversidade e inclusão; 
  • rodas de conversas com as famílias; 
  • palestras com especialistas; 
  • parcerias com a saúde. 

Essas ações não só reduzem o estigma como promovem um ambiente escolar mais saudável. E, aqui, não estamos tratando de ações fora de nossa realidade, inexequíveis, mas de passos importantes e que dependem apenas de um planejamento atento por parte de todos na escola.  

(Super)visão na escola 

Professor, se ainda está aqui comigo, é porque você ainda mantém acesa aquela chama de que falei lá no início. Sabe que não é salvador do mundo, mas que pode, sim, criar novos mundos para seus alunos, sendo um agente de detecção precoce e, mesmo quando não for tão precoce assim, seu olhar atento pode fazer toda a diferença na vida de um aluno que sofre em silêncio. Saber identificar sinais de sofrimento nos alunos é o primeiro passo para essa mudança.

Resgatar aquele ideal da juventude – de que a educação transforma vidas – pode começar justamente por isso: ajudar a enxergar o que, a olhos desatentos, pode parecer invisível. Apesar de não ser um super-herói ou uma super-heroína, sua (super)visão pode ajudar na (super)ação de problemas e a salvar vidas.  

Referências 

LIMA, Danyela dos Santos et al. Promoção da saúde mental na escola: capacitação de professores para enfrentamento do fenômeno da automutilação. SANARE, n. 23, v. 2, p. 12-20, 2024. Disponível em: https://sanare.emnuvens.com.br/sanare/article/view/1832/908. Acesso em: 05 set. 2025. 

LOPES, Claudia S. et al. ERICA: prevalência de transtornos mentais comuns em adolescentes brasileiros. Revista Saúde Pública, 50 (supl 1): 14s, 2016. Disponível em: https://revistas.usp.br/rsp/article/view/114205/112126. Acesso em: 05 set. 2025. 

MACIEL, Emanoela Moreira; TEIXEIRA, Selena. Professores diante do comportamento suicida de alunos adolescentes: percepções e intervenções. Psicologia Escolar e Educacional, v. 27, 2023. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pee/a/jGCk89KYH4QsFr9BdDvLNjC/?lang=pt. Acesso em: 05 set. 2025. 

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Passo a passo PSE: Programa Saúde na Escola: tecendo caminhos da intersetorialidade / Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica, Ministério da Educação. – Brasília: Ministério da Saúde, 2011. 46 p. : il. – (Série C. Projetos, programas e relatórios) ISBN 978-85-334-1844-8. Disponível em: instrutivo PSE_book.indb. Acesso em: 05 set. 2025. 

SANTOS, Maria Manuela; GONDIM, Liberalina Santos de Souza. Contribuições da relação professor-aluno no cuidado à saúde mental discente: revisão da literatura de 2015 a 2020. Revista Construção Psicopedagógica, São Paulo, vol. 30, n. 31, 2021. Disponível em: https://pepsic.bvsalud.org/pdf/cp/v30n31/09.pdf. Acesso em: 05 set. 2025. 

Minicurrículo do autor 

Tiago da Silva Ribeiro é professor do curso de Pedagogia do Instituto Nacional de Educação de Surdos nas disciplinas de Língua Portuguesa e Tecnologias da Informação e Comunicação. Tem experiência em turmas do Ensino Fundamental e Médio, além de já ter atuado na modalidade on-line como mediador, orientador de trabalhos finais de curso, desenhista educacional, professor-autor e coordenador de curso. Seu Doutorado em Letras é pela PUC-Rio e teve como tema de trabalho o Internetês. Entende que respeito, empatia, cuidado não é algo extra, mas básico em uma educação de verdade. 

Crie sua conta e desbloqueie materiais exclusivos

Voltar
Complete o cadastro para receber seu e-book
Já possui uma conta?Acessar conta
ACREALAGOASAMAPÁAMAZONASBAHIACEARÁDISTRITO FEDERALESPÍRITO SANTOGOIÁSMARANHÃOMATO GROSSOMATO GROSSO DO SULMINAS GERAISPARÁPARAÍBAPARANÁPERNAMBUCOPIAUÍRIO DE JANEIRORIO GRANDE DO NORTERIO GRANDE DO SULRONDÔNIARORAIMASANTA CATARINASÃO PAULOSERGIPETOCANTINSACREALAGOASAMAPÁAMAZONASBAHIACEARÁDISTRITO FEDERALESPÍRITO SANTOGOIÁSMARANHÃOMATO GROSSOMATO GROSSO DO SULMINAS GERAISPARÁPARAÍBAPARANÁPERNAMBUCOPIAUÍRIO DE JANEIRORIO GRANDE DO NORTERIO GRANDE DO SULRONDÔNIARORAIMASANTA CATARINASÃO PAULOSERGIPETOCANTINS

Veja mais

Técnicas de escuta ativa e acolhimento de alunos em vulnerabilidade e/ou sofrimento psíquico
19 de setembro de 2025

Técnicas de escuta ativa e acolhimento de alunos em vulnerabilidade e/ou sofrimento psíquico

O ambiente escolar apresenta contextos e histórias dinâmicas, muitas vezes consolidando cenários complexos de vulnerabilidade social e sofrimento psíquico. Isso...
O impacto do uso excessivo de telas e redes sociais no rendimento acadêmico de estudantes
18 de setembro de 2025

O impacto do uso excessivo de telas e redes sociais no rendimento acadêmico de estudantes

Vivemos no “mundo do futuro”, ou seja, em um mundo mediado pela tecnologia e totalmente conectado; não temos mais como...
O professor como agente de detecção precoce: Guia prático para identificar sinais de sofrimento nos alunos
17 de setembro de 2025

O professor como agente de detecção precoce: Guia prático para identificar sinais de sofrimento nos alunos

Professor! Ei, professor! Você está aí? Ou vem vivendo no automático, desempenhando tarefas que acabam desligando algumas funções tão importantes...
A gamificação da Educação é possível?
16 de setembro de 2025

A gamificação da Educação é possível?

Fase 1 – Entrar no Blog E-docente, interessar-se pelo título e clicar neste texto para lê-lo – fase concluída ✅ ...
Metodologias ativas e tecnologia na sala de aula pública: transformando a educação brasileira
15 de setembro de 2025

Metodologias ativas e tecnologia na sala de aula pública: transformando a educação brasileira

As metodologias ativas estão revolucionando a educação brasileira, especialmente na sala de aula pública, promovendo maior engajamento estudantil e aprendizagem...