Como desenvolver a escrita

Qual a importância de desenvolver a escrita? É muito comum as pessoas saírem da Educação Básica e sentirem-se inseguras na escrita de textos autênticos, seja para alguma seleção do mercado de trabalho, para desenvolver suas práticas cotidianas de escrita ― especialmente em contextos mais institucionalizados, como no Ensino Superior ― ou mesmo para permitir-se à criação literária. 

Esse bloqueio tem motivos legítimos e variados, mas, principalmente perigosos, porque podem limitar ou impedir as pessoas de terem acesso ou manterem-se em oportunidades significativas na vida.

Quer saber mais sobre como desenvolver a escrita dos alunos com dificuldades?
Então, confira o conteúdo que preparamos sobre o tema!

Saiba como desenvolver a escrita dos alunos

Como professores(as), seja qual for nossa área específica de formação, é importante auxiliarmos nossos(as) alunos(as) para a constante apropriação dessa prática de letramento tão importante que é a escrita, processo inerentemente autoral.

Vamos atentar para isso?

Motivos que bloqueiam a escrita autoral nos alunos

Geralmente, o acanhamento e a insegurança na escrita acontecem pelas seguintes crenças:

  • Pensar que o(a) escritor(a) de um texto é sempre uma pessoa adulta, que, movida apenas pela inspiração, simplesmente resolveu sentar-se e escrever seus textos, exclusivamente ficcionais, e transformá-los em livros. 
  • Acreditar que, para escrever, é preciso dominar todas as regras da norma culta ― e que a inteligência de um texto se resume a isso.
  • Achar que manifestar autoria é mostrar uma escrita como produto individual e independente. 

Princípios da escrita de textos: entenda por que ela é autoral

Os motivos que apresentei acima parecem poucos, mas cada um traz consigo uma série de mitos subjacentes.

Entender os princípios da escrita numa perspectiva dialógica permite que tanto você como professor(a) quanto seus(suas) alunos(as) sintam-se mais confiantes na hora de escrever e na hora de receber as apreciações sobre o seu texto. Confira!

1. Escrever um texto é interagir com o outro

Primeiramente, é importante enfatizar que um texto é escrito por pessoas reais, como os(as) autores(as) já reconhecidos pelos críticos intelectuais e pela mídia, mas também como você, seus(suas) alunos(as) e, inclusive, eu. 

Seja em texto oral ou texto escrito, nosso objetivo sempre é interagir com outra pessoa, porque temos algo a dizer ― por iniciativa nossa ou em resposta concordante ou discordante a algo que nos foi falado ou escrito.

Esse processo inerente à interação verbal é chamado de dialogia, termo cunhado pelo filósofo da Linguagem Mikhail Bakhtin e seu Círculo de Pensadores

Isso quer dizer que o texto escrito é o lugar (virtual ou impresso) onde a pessoa que escreve e a pessoa para quem se escreve vão se encontrar para interagir, trocar ideias, experiências, visões de mundo. 

Então, nesse espaço, nunca estamos produzindo nada sozinhos! Sempre temos nosso(a) parceiro(a) leitor(a) ou somos o(a) leitor(a) parceiro(a) de alguém. Essa atividade é uma parceria porque, sempre que lemos e escrevemos, esse outro que nos acompanha também constrói sentidos conosco.

2. Escrever um texto é imprimir nossa identidade e marcar nossa situacionalidade

Se escrever ou ler um texto é conversar com outra pessoa, isso significa que é trazer também para esse lugar de interação nossa identidade, que é formada por nossa trajetória de vida, nossos interesses, nossa idade, nossa classe social, nossa identidade de gênero, nossa etnia, nossas crenças, nossa cultura, ou seja, nossos modos particulares de ver e ler o mundo. 

Esse conjunto é posto em atividade sempre que lemos ou escrevemos, ele é o que nos identifica e nos diferencia de outros indivíduos ― ainda que esses aspectos nem sempre estejam tão evidentes assim no texto. 

Além de nossas subjetividades, nossa autoria, ou seja, o que caracteriza que um texto é nosso e não de outra pessoa, também são os elementos que situam e condicionam nossa escrita. Ou seja: 

  1. porque escrevemos; 
  2. em que gênero é mais adequado escrever para atingir esse objetivo; 
  3. para quem estamos escrevendo (seja para uma pessoa específica ou a um grupo maior); 
  4. o que podemos e o que não podemos dizer diante do papel social que ocupamos naquele contexto imediato; 
  5. que possíveis significações queremos projetar no texto diante do momento histórico que estamos vivendo; 
  6. como esse texto será divulgado etc.  

3. Escrever um texto é assinar nossa posição como pessoa única e responsável 

Há divergências de significação entre as palavras escritor e autor, notadamente ligadas às noções de entidade do mundo real e do mundo ficcional. 

Não entraremos nesta discussão, pois nosso propósito aqui é refletir sobre o fato de que todo(a) aquele(a) que escreve elabora um texto que nenhuma outra pessoa é capaz dizer e escrever com as mesmas palavras estando na mesma situação ― a não ser que esteja copiando, e daí é cópia, ora! 

Vejamos o que a pesquisadora da Linguagem na perspectiva dialógica bakhtiniana, Marília Amorim, explica sobre a marcação da autoria no texto ― que também podemos chamar de assinatura:

Perceba que o sentido de assinatura aqui não se refere à simples grafia do nosso nome como escritor(a) no texto, mas diz respeito à nossa singularidade-alteridade e à legitimidade do nosso dizer. 

Então, todo texto é autoral, porque é produzido por sujeitos únicos e situados temporal e historicamente, ou seja, que sempre assinam/marcam no texto seu ponto de vista por meio de sua avaliação valorativa (concordante ou discordante) em resposta às coisas do mundo e às vozes sociais com quem interagem.

Todos esses princípios têm por base a noção de sujeito como ser ativo, que é constituído e se constitui pela interação verbal com outros sujeitos em sociedade, processo que ocorre do nascimento ao final da vida.

Essa perspectiva foi desenvolvida pelo filósofo russo Mikhail Bakhtin e pelo seu Círculo de Pensadores e revolucionou nossa compreensão como sujeitos de linguagem.

Como desenvolver os princípios da escrita de textos?

Promova atividades em que os(as) alunos(a)s possam explorar sua identidade, para que se sintam cada vez mais confortáveis em apresentar suas ideias, suas percepções sobre os temas, de maneira respeitosa e respeitável.

Lembre-se de que essa atividade é feita sempre em um gênero textual, pois é sempre por eles que interagimos. Um debate oral, um relato de experiência escrito, uma resenha, até mesmo uma conversa são gêneros textuais interessantes para esta prática. 

Exponha os(as) alunos(as) a textos autênticos em que as subjetividades da autoria possam ser percebidas de maneira mais explícita (como artigos de opinião, reportagens, entrevistas, e-mails). 

Depois, compare com textos cuja autoria pareça estar minimizada em virtude do propósito comunicativo do gênero selecionado (como anúncios, avisos, provas). Lembre-se de que todo texto traz marcas de autoria, mesmo os não assinados e os institucionais, como indicamos neste artigo.

Estimule a revisão textual em parceria e a reescrita dos textos de autoria dos(as) alunos(as). Ao revisar seu próprio texto e depois submetê-lo à apreciação de colegas, o(a) aluno(a) aprende a confirmar e/ou repensar sobre a melhor maneira de se posicionar, assumindo responsabilidade pelo que diz e ganhando confiança na escrita de maneira processual e consciente.

Dica de ouro: fique atento(a) ao e-docente! Em conversas futuras, aprofundaremos nossas reflexões sobre marcas de autoria. 

Espero ter estimulado você a encorajar seus(suas) alunos(as) com uma boa escrita de textos.

Gostou de saber mais sobre como desenvolver a escrita dos alunos com dificuldades? Então, confira nosso conteúdo sobre Habilidades de Leitura e o Ensino da Língua Portuguesa!

Izabela Pereira de Fraga é doutoranda e mestre em Educação (PPGEdu/UFPE), na linha de pesquisa Educação e Linguagem, investigando práticas de letramento acadêmico. É também licenciada em Letras Português e Espanhol (UFRPE). Atua como revisora de textos em português. Tem experiência com formação inicial e continuada de professores da Educação Básica com ênfase na área de Língua Portuguesa. É integrante do Grupo de Pesquisa em Alfabetização, Linguagem e Colonialidade (GPEALE), vinculado à Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ) e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e registrado no CNPq. E-mail: izabela.fraga@ufpe.br

Para se aprofundar

AMORIM, Marília. Para uma filosofia do ato: “válido e inserido no contexto”. In: BRAIT, Beth (org.). Bakhtin, dialogismo e polifonia. São Paulo: Contexto, 2009. p.17- 44.

BAKHTIN, Mikhail Mikhailovich. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e Carlos A. Faraco. São Carlos: Pedro e João Editores, 2017.

GERALDI, João Wanderley. A aula como acontecimento. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010.

VOLÓCHINOV, V. Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Notas, tradução e glossário Sheila Grilo e Ekaterina Vólkova Américo. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2018.