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Cidadania ecológica nos Anos Iniciais: o caminho da empatia à ação

Cidadania Ecologica nos Anos Iniciais

Como ensinar sobre direitos e deveres ambientais e participação social a crianças que ainda estão descobrindo o mundo ao redor? A resposta pode estar mais perto do que imaginamos, estando presente no cuidado com a planta da sala, na forma como repartimos os materiais e em outras ações rotineiras na escola.

A cidadania ecológica, quando trazida para o universo dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, torna-se uma ferramenta pedagógica extraordinária para dar vida a conceitos. Ela nos permite trabalhar os pilares da formação cidadã através de experiências concretas e afetivas, transformando a rotina escolar em um vibrante laboratório de convivência e cuidado com o nosso mundo comum.

A nossa abordagem se aprofunda na ideia de que o objetivo da Educação Ambiental é a formação do sujeito ecológico, como nos mostra a obra de Isabel Carvalho (2012). Essa perspectiva nos convida a entender que a consciência ambiental é a construção de uma identidade, de uma nova forma de se perceber e de se relacionar com o mundo.

Para uma criança, isso significa aprender a se ver como parte da teia da vida, onde suas ações, por menores que sejam, estão conectadas a tudo que a cerca. É um convite para formarmos seres humanos que sentem, que se importam e que se reconhecem como parte da natureza.

Esta reflexão propõe uma jornada pedagógica organizada em dois grandes momentos, pensados para guiar o professor nesse processo de formação. Primeiramente, vamos explorar como despertar a empatia, aprendendo a escutar as necessidades do mundo ao nosso redor e a reconhecer que tudo que vive merece cuidado.

Em seguida, veremos como essa sensibilidade se transforma em pertencimento e ação, onde as crianças assumem seu papel como cuidadoras ativas do ambiente e, ao mesmo tempo, como sujeitos de direito a um espaço de vida saudável e justo.

O mundo sente: cultivando a empatia como base da cidadania ecológica

A jornada para a formação da cidadania ecológica começa com um convite para sentir o mundo. A abordagem pedagógica que propomos se inicia com o cultivo da empatia, a capacidade de nos conectarmos afetivamente com o que nos cerca. Este é o alicerce para a formação do sujeito ecológico que a educadora ambiental Isabel Carvalho (2012) descreve em sua obra.

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Para as crianças pequenas, essa formação se inicia ao valorizarmos e expandirmos uma de suas qualidades mais preciosas, sendo a capacidade de perceber o mundo como um lugar vivo, animado e cheio de significados.

As crianças dos Anos Iniciais possuem uma conexão natural e espontânea com o ambiente. Elas conversam com os animais, atribuem sentimentos às plantas e criam histórias para as pedras. O papel do professor, neste primeiro momento, é acolher e legitimar essa forma de se relacionar com o mundo.

Essa percepção infantil, rica em imaginação e afeto, é a matéria-prima para a construção de uma identidade que se vê como parte integrante da natureza. A escola se torna um espaço seguro onde essa sensibilidade pode florescer, sendo o ponto de partida para uma relação de respeito e cuidado.

A escuta sensível e o repertório afetivo

Uma prática fundamental neste processo é a escuta sensível. O professor pode guiar a turma em momentos de exploração do ambiente escolar com todos os sentidos aguçados. São atividades simples e poderosas: fechar os olhos por um minuto no pátio para ouvir todos os sons, desde o vento nas folhas até o canto de um pássaro; tocar a casca de diferentes árvores para sentir suas texturas; cheirar a terra molhada depois da chuva. Essas experiências diretas e sensoriais criam um repertório afetivo e uma conexão profunda com o lugar, que nenhum livro didático pode oferecer.

Dando voz ao mundo não-humano

A partir dessa escuta, avançamos para o exercício de dar voz ao mundo não-humano. A imaginação infantil é uma ferramenta pedagógica valiosa para o desenvolvimento da empatia. Em rodas de conversa ou atividades de desenho, o professor pode lançar perguntas que incentivem a tomada de perspectiva: “Se esta árvore pudesse falar, o que ela nos contaria? Do que ela gosta? O que a deixa triste?”. Este exercício ajuda a criança a descentralizar seu olhar e a começar a considerar as necessidades e o bem-estar de outros seres.

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Podemos aprofundar essa prática focando em um elemento específico do ambiente escolar, como uma árvore solitária no pátio. A turma pode adotar essa árvore, dando-lhe um nome e acompanhando seu ciclo ao longo do ano. Os alunos são convidados a observá-la em diferentes estações, a registrar suas transformações através de desenhos e a imaginar sua história. Ao se perguntarem coletivamente “O que podemos fazer para a nossa árvore ficar mais feliz?”, eles começam a construir uma relação de responsabilidade e cuidado a partir de um vínculo afetivo concreto.

O cuidado com os espaços e o poder das narrativas

Essa capacidade de sentir com o outro pode ser estendida para além dos seres vivos, abrangendo também os lugares. O pátio, a sala de aula ou a praça perto da escola também podem ser percebidos como espaços que podem estar “felizes” ou “tristes”. Uma sala de aula limpa e organizada transmite uma sensação de bem-estar coletivo, enquanto um pátio sujo pode ser sentido como um espaço descuidado e pouco acolhedor. Ao conversar sobre esses sentimentos, as crianças começam a entender a importância do zelo pelos espaços que são de todos.

As narrativas e histórias são aliadas essenciais nesta construção. Conforme nos ensina Isabel Carvalho (2012), nossa identidade é formada pelas histórias que ouvimos e contamos. O uso de fábulas, contos tradicionais e mitos indígenas que retratam a natureza como um agente ativo e sagrado fortalece a visão de mundo da criança, onde rios, florestas e animais são sujeitos de suas próprias histórias. Essas narrativas oferecem um contraponto cultural à visão puramente utilitarista do ambiente, enriquecendo o imaginário infantil.

As experiências individuais de empatia ganham força quando são compartilhadas e transformadas em um entendimento coletivo. As rodas de conversa são o espaço privilegiado para que as crianças expressem suas percepções, compartilhem suas descobertas e construam juntas um sentido para suas experiências. “O que vocês sentiram quando abraçamos a árvore? Que sons diferentes nós ouvimos hoje?”. Ao socializar esses sentimentos, a turma tece uma rede de significados comuns, fortalecendo a cultura de cuidado no grupo.

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Com essa base afetiva e perceptiva bem estabelecida, a criança e a turma estarão prontas para uma nova etapa. A partir do momento em que o mundo é percebido como algo que sente e que merece cuidado, a pergunta seguinte surge de forma natural e potente: “Se o mundo precisa de nós, como podemos cuidar dele?”. Essa questão nos leva diretamente ao nosso próximo tópico, onde a empatia se transforma em ação responsável e pertencimento.

Nós pertencemos: o cuidado como dever e o ambiente saudável como direito

A jornada que se inicia com a empatia e a escuta sensível do mundo deságua naturalmente na prática. Quando a criança percebe o ambiente como algo que sente e que tem necessidades, a pergunta “Como podemos cuidar dele?” se torna inevitável. É neste momento que a cidadania ecológica se materializa em uma ação de cuidado, compreendida nos Anos Iniciais como uma resposta afetiva e alegre à nossa conexão com a vida, em oposição a obrigações impostas. Este senso de responsabilidade que brota da empatia é o primeiro pilar da ação cidadã.

Projetos coletivos e a prática do cuidado

A escola, então, se consolida como o espaço privilegiado para essa prática do cuidado. As investigações e percepções da turma se transformam em projetos coletivos que melhoram o bem-estar de todos. Ações como a criação de uma horta para a merenda, a revitalização de um canteiro abandonado no pátio ou a organização de uma campanha para reduzir o desperdício de papel na sala de aula são exercícios práticos de cidadania. Neles, as crianças aprendem a planejar, a colaborar, a dividir tarefas e a celebrar as conquistas do grupo, vivenciando o poder de sua ação coletiva.

De agentes de cuidado a sujeitos de direitos

Ao mesmo tempo em que as crianças se reconhecem como agentes de cuidado, elas também começam a se perceber como sujeitos de direitos. A prática de cuidar do ambiente desperta a consciência sobre o direito fundamental de todos a um espaço saudável, seguro e acolhedor. A criança que aprende a cuidar da limpeza do pátio passa a entender que tem o direito de brincar em um lugar limpo. A turma que planta uma árvore passa a valorizar o direito de ter sombra e espaços verdes. Assim, a noção de cidadania se completa, unindo o dever de cuidar com o direito de usufruir de um bem comum.

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O papel do professor neste processo é o de um mediador sensível, que ajuda a turma a transformar seus sentimentos em propostas e suas propostas em ações concretas. É o educador que organiza as assembleias onde as decisões são tomadas coletivamente, que valida a voz e as ideias de cada criança e que as ajuda a articular a conexão entre seus deveres e seus direitos. O professor se torna, assim, um curador de experiências que fortalecem a autonomia e o protagonismo infantil.

Conclusão: a formação do sujeito ecológico na prática

Ao percorrer este caminho que vai do sentir ao agir, o sujeito ecológico, que Isabel Carvalho (2012) descreve, começa a se formar. Essa identidade é construída na prática, na vivência diária de uma relação de pertencimento e reciprocidade com o mundo. A criança aprende que é parte da natureza e que suas escolhas importam. Ela desenvolve uma identidade cidadã que é, em sua essência, ecológica, pois compreende que o bem-estar humano e o bem-estar do planeta estão profundamente interligados.

Portanto, a construção da cidadania ecológica nos Anos Iniciais é uma das tarefas mais essenciais do Ensino Fundamental. Ao cultivar nas crianças a semente da empatia, a alegria do cuidado coletivo e a consciência de seus direitos, a escola cumpre sua mais profunda vocação: formar seres humanos mais sensíveis, responsáveis e ativamente engajados na construção de um mundo mais justo e sustentável para todos.

Referências

CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Um sujeito ecológico em formação. In: Educação ambiental: a formação do sujeito ecológico. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2012. cap. 3, p. 63-72.

Minicurrículo do autor

Vinicius Cavichioli Rodrigues é mestrando em Gestão Ambiental pelo Instituto Federal de Pernambuco (IFPE), formado em Jornalismo pela Universidade do Oeste Paulista (Unoeste) e em Gestão Ambiental pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH/USP), além de ser Especialista em Desenvolvimento Sustentável. Com mais de doze anos de experiência na área ambiental, tem vivência tanto no setor público quanto no privado. Atuou como docente em cursos profissionalizantes no Senac e na graduação de Engenharia Ambiental na Universidade de Santo Amaro (Unisa), disseminando esse conhecimento e abordando temas alinhados com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, sempre com foco na temática ambiental. Recentemente trabalhou como Gestor de Unidades de Conservação no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Atualmente, é Analista de Meio Ambiente na JBS, desempenhando suas atividades na Unidade de Suape.

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