Sala de aula de Educação de Jovens e Adultos no Brasil

Na história educacional do país, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) nunca esteve por muito tempo em uma posição segura, com valorização dos seus sujeitos e estabilidade em sua estrutura nas redes de ensino espalhadas pelo Brasil.

Não foram poucas as vezes em que essa modalidade teve se enfraquecimento por diferentes governos, com redução de recursos, fechamento de turmas ou falta de envio de materiais didáticos.

Ainda assim, na história recente do país, é possível dizer que a EJA teve seu maior ataque nos últimos anos, período em que foi passou por sério abandono. Esse cenário, felizmente, parece que irá mudar.

Fazendo uma breve contextualização, vale lembrar que a EJA só passa a ter reconhecimento como uma modalidade de ensino há menos de trinta anos, com a publicação, em 1996, da Lei de Diretrizes e Bases.

Reconhecendo todo o percurso anterior à promulgação da LDB, que envolve as ações de profissionais da educação engajados com a educação de adultos, tivemos, ano após ano, cada vez mais a compreensão de que as práticas em torno da EJA devem considerar as especificidades de seu público, pensando em práticas e materiais didáticos que valorizem o repertório, a capacidade e a dinâmica de vida de alunos mais velhos.

No entanto, contrariando as expectativas otimistas de que a EJA se fortaleceria com o tempo através da compreensão do poder público sobre sua importância, chegamos ao momento atual presenciando um retrocesso significativo nessa área.

Cenários recentes na Educação de Jovens e Adultos no Brasil

Já em 2019, tivemos um sinal do que estaria por vir. No primeiro dia útil do governo daquele período, tivemos, através do Decreto nº 9.465, de 2 de janeiro de 2019, a extinção da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), órgão criado em 2004, responsável por ações em torno da Educação Especial, Educação do Campo, Educação Escolar Indígena, Educação Quilombola, Educação para as relações Étnico-Raciais, Educação em Direitos Humanos e Educação de Jovens e Adultos.

Naquele mesmo ano, o Ministério da Educação realizou um investimento de apenas 16,6 milhões na EJA, o que significou o menor valor investido na década! Nos anos seguintes, os valores foram ainda menores, chegando em 2021 a 6 milhões de reais, ou seja, o menor investimento registrado para a modalidade neste século.

O impacto na quantidade de alunos

O baixíssimo investimento ao lado da falta de comprometimento do poder público se refletiu no desmonte da modalidade. E na perda de estudantes: em três anos, a EJA perdeu meio milhão de estudantes.

Para que esses dados ganhem a dimensão que merecem, é importante saber que a demanda por educação para jovens e adultos é imensa.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua de 2022, temos, atualmente, 9,6 milhões de pessoas com 15 anos ou mais não alfabetizadas no país, o que equivale a uma taxa de analfabetismo de 5,6%.

Na parcela da população com 25 anos ou mais de idade, 46,8% não concluiu a Educação Básica e 28% sequer concluiu o Ensino Fundamental. Estamos falando, então, de cerca de 65 milhões de brasileiros que não concluíram a educação básica.

Logo, se turmas de EJA acabam fechando e se o investimento passa por uma redução, não é por falta de alunos. Pode ser por falta de interesse político, de incentivo, de auxílio-estudantil, de estrutura adequada nas escolas, mas não por falta de demanda.

Cenários futuros para a Educação de Jovens e Adultos no Brasil

Vimos, até aqui, quais são os cenários da EJA nos últimos anos. Com um breve recorte, pudemos ver como chegamos até o ponto em que estamos, com uma modalidade tão importante para tantos brasileiros enfraquecida de forma impressionante. Agora, resta olharmos para frente e tentarmos identificar quais os possíveis cenários futuros para a EJA.

Se nos últimos anos, tivemos um corte de 94% na verba destinada à Educação de Jovens e Adultos, com a mudança de governo, percebemos que há um movimento para retomar o investimento na modalidade.

No início de 2023, o MEC passou por uma reestruturação que, inclusive, recriou a extinta SECADI, agora chefiada por Zara Figueiredo Tripodi, professora da Universidade Federal do Ouro Preto, com experiência nas áreas de políticas públicas educacionais e desigualdades raciais. Zara Figueiredo afirmou, em recente reportagem, que:

estamos prevendo para os próximos anos um orçamento sólido para a nova política nacional de EJA que estamos criando. É um investimento alto, robusto. Mas não é só dinheiro. Para ela ser efetiva, temos que pensar que instrumentos são necessários para que esses alunos estejam dentro da escola e se formem, além de entender que cada grupo tem demandas diferentes.

Outra iniciativa importante na busca pelo fortalecimento das políticas públicas em torno da EJA foi a criação, através da Portaria 989/2023, da Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos (CNAEJA).

Empossada em agosto, a Comissão tem como objetivo contribuir na elaboração de políticas de alfabetização que consideram as particularidade do grupo ao qual se destinam.

Como vimos mais acima, há quase 10 milhões de brasileiros não alfabetizados, o que exige um esforço integrado entre os entes públicos para que o direito à educação seja garantido para todos aqueles que não tiveram acesso na idade adequada.

A retomada dos esforços a favor da Educação de Jovens e Adultos envolve, segundo a secretária da SECADI, pagamento de bolsas de estudos e uma integração maior com o ensino técnico, possibilitando que a conclusão da Educação Básica esteja atrelada a um encaminhamento profissional.

Esse tipo de iniciativa, entretanto, não deslegitima o interesse que os alunos da EJA possam ter em relação a cursar uma faculdade.

A retomada dentro do PNLD

Para Claudia Borges, diretora de Políticas de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos do MEC, em entrevista dada ao portal Porvir, o compromisso com o público da EJA “vai desde a alfabetização até a possibilidade de ele entrar na educação superior”. Ratifica ainda que “a retomada, não só da EJA, mas de toda a cadeia educacional, é uma aposta muito grande, uma aposta de que esse público será ouvido e, de alguma forma, atendido pelas políticas públicas.”

Um último ponto que indica um cenário mais promissor da EJA no país é a retomada do Programa Nacional do Livro Didático de EJA (PNLD-EJA).

A última edição do Programa ocorreu em 2013, com a distribuição de livros que atenderam ao triênio de 2014 a 2016. Após esse período uma outra edição do programa deveria ter ocorrido para que os estudantes recebessem os novos livros em 2017. Esse edição nunca ocorreu. Atualmente, os livros didáticos de EJA mais recentes nas escolas brasileiras são publicações com mais de dez anos.

Em junho, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) realizou um encontro técnico para debater justamente o novo edital do PNLD-EJA.

Nesse encontro, foram apresentados alguns dos princípios que estão guiando a elaboração do edital, reforçando o compromisso em dialogar com a sociedade e buscar acolher as propostas e demandas encaminhadas pelos sujeitos envolvidos no processo educacional de jovens e adultos.

Conclusão

Notamos, portanto, que, tanto no nível da alfabetização, quanto nos esforços para garantir a permanência dos alunos no colégio e garantir a conclusão de seus estudos, há iniciativas políticas importantes ocorrendo em nosso país.

Sabemos, é claro, que nem todas essas ações terão um impacto imediato na rotina das turmas de EJA, uma vez que há muitos processos a serem cumpridos e uma logística complexa que exige tempo para ser efetivada.

Ainda assim, é possível exercer o otimismo com relação os próximos anos da EJA, visualizando um cenário em que a população seja devidamente respeitada e a educação de qualidade garantida para todos como um direito inegociável.

Referências

Abandonado nos últimos anos, ensino de jovens e adultos terá nova política, com promessa de bolsas e formação técnica in O Globo. Fonte: https://oglobo.globo.com/brasil/educacao/noticia/2023/07/24/abandonado-nos-ultimos-anos-ensino-de-jovens-e-adultos-tera-nova-politica-com-promessa-de-bolsas-e-formacao-tecnica.ghtml Acesso em 30.10.2023.

Decreto nº 9.465, de 2 de janeiro de 2019

https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/57633286

Acesso em 30.10.2023.

Educa IBGE. Fonte: https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18317-educacao.html  Acesso em 30.10.2023.

EJA perde meio milhão de estudantes na gestão Bolsonaro; em 2021, gasto na modalidade foi o menor do século XXI in O Globo. Fonte: https://oglobo.globo.com/brasil/educacao/eja-perde-meio-milhao-de-estudantes-na-gestao-bolsonaro-em-2021-gasto-na-modalidade-foi-menor-do-seculo-xxi-25389420. Acesso em 30.10.2023.

No país de Paulo Freire, EJA tem corte de investimento e pouca visibilidade in Porvir. Fonte: https://porvir.org/no-pais-de-paulo-freire-eja-tem-corte-de-investimento-e-pouca-visibilidade/  Acesso em 30.10.2023.

Portaria nº 989, de 23 de maio de 2023. Fonte: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-989-de-23-de-maio-de-2023-485613058  Acesso em 30.10.2023.

Reunião PNLD-EJA. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=gKDu4wKbr_0  Acesso em 30.10.2023.