Álbum de figurinhas na educação infantil: um potente projeto coletivo

O trabalho por projetos na educação é uma metodologia desenvolvida a partir das primeiras décadas do século XX (Vidal, 2014; 2016). Projetos realizados coletivamente com a turma são especialmente potentes por envolverem, além da aprendizagem de conceitos e procedimentos comumente trabalhados, também a aprendizagem de atitudes necessárias para uma atuação em equipe. Ter um objetivo em comum fortalece os vínculos entre os estudantes e os ensina a cooperar com o grupo, habilidade essencial na sociedade contemporânea.
Na educação infantil, muitas são as possibilidades de trabalho com projetos. Apresentamos, neste texto, uma delas: o projeto álbum de figurinhas.
Por que trabalhar com álbum de figurinhas na escola?
A coleção de figurinhas para montagem de um álbum é uma prática cultural fortemente difundida no Brasil, sobretudo entre crianças e adolescentes do século XX e início do século XXI. Atualmente, essa prática já não encontra tanto apelo entre os pequenos, mas ainda é bastante forte especialmente em casos de álbuns relacionados a obras de arte emblemáticas (como animações de grande sucesso) ou de eventos esportivos (como a Copa do Mundo de futebol), por exemplo.
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Resgatar essa prática significa recuperar um pouco da história cultural brasileira, apresentando às crianças de hoje as possibilidades de diversão, partilha e entretenimento promovidas por uma ferramenta analógica e atemporal.
Além desse resgate histórico-cultural, que permite aos pequenos compreenderem os modos de ser, viver e brincar de infâncias de outros tempos e espaços, o álbum de figurinhas também traz possibilidades pedagógicas muito concretas para a educação infantil.
Álbum de figurinhas: apoio à alfabetização e à matemática
Os textos presentes nas páginas, geralmente sob a forma de títulos ou legendas, constituem boas fontes para se propor leituras a quem ainda não sabe ler convencionalmente. Essa condição é favorecida pela extensão desses textos – que, por característica do próprio gênero, costuma ser mais curta – e a presença de indícios que permitem, mesmo a crianças em processo de alfabetização, atribuir sentido às letras. Exemplos desses indícios são as escritas acompanhadas por imagens, que favorecem a inferência, a presença de nomes de personagens conhecidos pelas crianças (o que permite a antecipação), destaques gráficos em algumas letras iniciais, entre outros.
Além de auxiliar no trabalho com a cultura escrita, os álbuns podem também apoiar a aprendizagem matemática. A identificação do número no verso de cada figurinha e a busca pelo espaço onde ela deve ser colada trazem a possibilidade de se realizar leitura de algarismos e também gera reflexões sobre a organização do sistema de numeração decimal. A contagem das figurinhas já coladas, das que faltam para completar o álbum e a contagem total da coleção da sala corroboram essas aprendizagens, dando sentido ao procedimento de contagem, que é uma habilidade esperada por volta dos 4 anos de idade (Kamii, 1983).
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Quais seriam, então, os principais passos para se realizar um projeto desse tipo em uma turma de educação infantil?
Primeiro passo: proposição do projeto e escolha do álbum
Para iniciar esse projeto, o primeiro passo é conversar com a turma, perguntando quem tem ou já teve um álbum de figurinhas e o que sabem sobre o assunto. Pode-se também, a depender do contexto, pedir que as crianças conversem com familiares, perguntando se já colecionaram um álbum de figurinhas (ou se conheceram alguém que colecionasse) e comparar os álbuns mais conhecidos nas gerações dos pais e avós com os álbuns atuais.
Em seguida, o professor pode propor que a turma colecione um álbum em conjunto. Para este momento, é interessante que o docente já tenha feito uma pesquisa prévia dos álbuns comercializados na região e as apresente às crianças. Pode-se dar especial atenção àqueles álbuns cujos temas fujam do circuito comercial mais conhecido, de forma a garantir, na escola, um espaço para novos conhecimentos e aprendizagens.
Apresentadas as opções, o professor pode propor uma roda de conversa à turma, para que os estudantes escolham o álbum que querem colecionar. É importante que, nesse processo, as crianças argumentem a favor de suas escolhas e ouçam os colegas, como uma forma de vivenciar uma situação concreta de argumentação, oralidade e escolha democrática. Se a turma não chegar a um consenso por meio do debate, pode-se abrir a votação.
Segundo passo: viabilizando a coleção
Para viabilizar a coleção, o professor pode lançar mão de algumas alternativas, de acordo com a realidade da escola e da comunidade onde atua.
Uma possibilidade é conversar com as famílias dos estudantes (não só da turma, mas podendo envolver também outras turmas da escola), explicar o objetivo do projeto e pedir que enviem algumas figurinhas, em algumas datas previamente combinadas, para montagem da coleção.
Outra possibilidade é conversar com a escola, caso ela tenha alguma verba reservada para apoio a projetos pedagógicos (fruto da Associação de Pais e Mestres, por exemplo) e solicitar a compra de algumas figurinhas a serem distribuídas entre as crianças. Também é possível buscar um patrocínio para o projeto com comerciantes do entorno da escola, especialmente daqueles que comercializam as figurinhas, e pedir algumas doações.
Em todas essas iniciativas, as crianças podem e devem ser envolvidas: na escrita do bilhete para as famílias, na carta de reivindicação para a gestão da escola ou na campanha com pedido de doações a ser realizada junto aos comerciantes. Todas essas produções podem ser feitas coletivamente, em uma situação didática de escrita por meio do professor, quando as crianças ditam o texto e o professor atua como escriba (Inoue; Amado; Zen; Molinari, 2019).
Terceiro passo: a constituição da coleção
É importante que, seja qual for o meio conseguido pelo professor para viabilizar a coleção, as figurinhas não cheguem todas no mesmo dia. Parte do encantamento de colecionar um álbum é, justamente, completá-lo aos poucos.
Dito isso, é hora de começar a constituir a coleção propriamente dita. O professor pode marcar um dia e um horário fixos na rotina semanal para trabalhar com o projeto.
Nessa data, com as crianças em roda, cada uma mostra as figurinhas que trouxe no dia. Caso as figurinhas tenham sido compradas pela escola ou doadas para ela, o professor pode fazer uma distribuição dos envelopes entre a turma, de forma que todos os estudantes possam dar sua contribuição individual à coleção coletiva.
Cada estudante, na sua vez, abre o envelope, conta as figurinhas que vieram, mostra-as aos colegas e vai até o álbum para colá-las, tendo sempre o professor como mediador em todo esse processo.
As figurinhas repetidas podem ser agrupadas, e é interessante que o professor procure, junto à comunidade, outras pessoas que colecionem o mesmo álbum, de modo a poder propor a situação de troca, tão comum nas coleções de álbuns. Em algumas cidades, inclusive, existem bancas de jornais que se constituem como pontos fixos para troca de figurinhas, o que pode ser uma boa alternativa. Neste caso, uma saída pedagógica para trocar figurinhas pode se constituir uma situação de aprendizagem muito potente.
A constituição da coleção se dá até que o objetivo final seja alcançado e o álbum esteja completo. Quando isso acontecer, ele pode ficar exposto para que as crianças e suas famílias possam conhecê-lo e manipulá-lo. Pode-se, inclusive, permitir que cada estudante leve o álbum para casa em uma data diferente, para poder compartilhá-lo com seus familiares.
As intervenções docentes e os campos de experiências
Para que o projeto álbum de figurinhas proporcione aprendizagens relevantes para os estudantes, é preciso que o professor faça boas intervenções durante a constituição da coleção.
O eu, o outro e o nós
No campo de experiências o eu, o outro e o nós (BRASIL, 2017), as intervenções podem ser no sentido de conversar, com as crianças, sobre a experiência da coleção. Os relatos dos familiares sobre a prática de colecionar álbuns de figurinhas em sua infância pode contribuir para a compreensão de outros tempos. Uma busca na internet, realizada coletivamente com mediação da professora, pode mostrar como essa prática é difundida em outros espaços. Os diálogos com a comunidade escolar, de modo geral, podem favorecer a percepção das crianças do quanto essa prática faz parte da cultura brasileira.
Traços, sons, cores e formas
Já o campo de experiências traços, sons, cores e formas pode ser explorado por meio da leitura das imagens do álbum. O professor pode dialogar com as crianças sobre a diferença entre desenhos, pinturas e fotografias, por exemplo (alguns álbuns alternam figurinhas dos dois modelos). Pode também fazer perguntas sobre o ângulo escolhido para as fotos, as imagens de primeiro e segundo plano, as paletas de cores utilizadas e o modo como as imagens são agrupadas por páginas. Pode, ainda, propor às crianças a reprodução das imagens, usando desenhos, pinturas, colagens ou outras técnicas, e criando, quem sabe, um próprio álbum de figurinhas autoral.
Escuta, fala, pensamento e imaginação
No campo de experiências escuta, fala, pensamento e imaginação, o professor pode fazer boas intervenções em todas as situações de oralidade que envolvem o projeto (desde a escolha do álbum, passando pela estratégia para arrecadação das figurinhas, até as rodas semanais para partilha das conquistas de coleção). Pode também abarcar as diversas culturas do escrito, propondo situações didáticas de leitura pelo estudante (Inoue; Amado; Zen; Molinari, 2019). Para isso, pode pedir que as crianças leiam os títulos e/ou legendas do álbum, propondo questões como:
- O que você acha que está escrito aqui?
- Com que letra essa palavra começa? Com que letra termina? Você conhece outras palavras que comecem/terminem com essa letra e possam te ajudar a descobrir o que está escrito?
- As imagens dessa página podem nos ajudar a ler o que está escrito? De que forma?
- Na lista de nomes da classe, temos nomes que comecem com as mesmas letras? Será que esses nomes podem nos ajudar a ler o que está escrito?
- Que letras você acha que seriam boas para escrever o nome deste personagem? Por quê?
- Você acha que o título dessa página tem muitas ou poucas letras? Isso ajuda a pensar no que está escrito?
Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações
Finalmente, no campo de experiências espaços, tempos, quantidades, relações e transformações, o professor pode explorar procedimentos de contagem e características do sistema de numeração decimal. Para explorar a contagem, pode pedir, a cada roda, que as crianças contem quantas figurinhas trouxeram, auxiliando-as a separarem as figurinhas já contadas e a fazerem um bom ajuste entre os números falados e o processo de ir apontando cada uma.
Pode ir além, propondo uma contagem coletiva, do total de figurinhas trazidas no dia. Pode ainda, a cada página, contar quantas figurinhas faltam para preenchê-la. E pode criar desafios do tipo “Se cada envelope tem três figurinhas, quantas figurinhas será que teremos em dois envelopes juntos?” Já para trabalhar com as características do sistema de numeração decimal, pode pedir que cada criança, ao abrir o envelope, leia o número das figurinhas (que geralmente vem impresso no verso).
Ao chamar o estudante para colá-las, o professor pode abrir o álbum aleatoriamente, ver quais números de figurinhas estão previstos naquela página e perguntar: “O número da sua figurinha vem antes ou depois desses? Por quê?”. É interessante também que o professor tenha uma tabela numérica na sala, de modo que as crianças possam usar como apoio para responder a essas intervenções.
Além de todas as oportunidades de aprendizagens que acarreta, o projeto álbum de figurinhas fortalecerá o sentido de coletividade da turma e certamente proporcionará bons e divertidos momentos às crianças!
Minibio da autora
Elaine cristina r. g. Vidal é professora na graduação e pós-graduação da Faculdade de Educação da USP. Ela é formada em Letras pela USP e em Pedagogia pela Universidade Metodista/SP. Possui especializações em alfabetização: relações entre o ensino e a aprendizagem (ISE Vera Cruz) e ética, valores e cidadania na escola (Univesp), além de mestrado e doutorado em Psicologia, Linguagem e Educação, também pela FEUSP. É autora dos livros projetos didáticos em salas de alfabetização (2014), literatura e crianças: um encontro necessário (2019) e a infância na escola: reflexões sobre educação infantil (2023). Sua vasta experiência inclui atuação como professora e gestora em todos os níveis da Educação Básica, no Ensino Superior e como editora no Núcleo de Produção de Conteúdo e Formação da Saber Educação.
Referências
BRASIL, Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília: SEB/MEC, 2017.
INOUE, A; AMADO, C.; ZEN, G.C.; MOLINARI, C. Situações didáticas na alfabetização inicial. Salvador: ICEP, 2019.
KAMII, C. A criança e o número. Campinas: Papirus, 1983.
VIDAL, E. Projetos didáticos em salas de alfabetização. Curitiba: Appris, 2014.
VIDAL, E. Projetos didáticos em salas de alfabetização: desafios da transposição didática. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.




