Resgatando a infância na sala de aula: estratégias de como combater a adultização precoce

Se tem uma palavra muito falada em 2025 é a adultização. O termo, que não é novo nas discussões, ganhou fôlego depois que o influenciador Felca fez um vídeo-denúncia das práticas de exploração e sexualização de menores em redes sociais. A proporção foi tamanha que foi parar no Congresso e rendeu até mesmo a prisão de influenciadores apontados no vídeo. No combate à adultização precoce, a sala de aula pode ser uma grande aliada.
Adultização precoce
Vamos primeiro entender esse termo. A adultização precoce ocorre quando crianças passam a assumir comportamentos, responsabilidades ou linguagens típicas da vida adulta antes do tempo adequado. Isso pode acontecer por meio da exposição a conteúdos impróprios na internet, da pressão estética, do excesso de responsabilidades domésticas ou até de expectativas acadêmicas desproporcionais.
Na prática, isso significa que meninas e meninos são empurrados para viver experiências que deveriam estar restritas a fases posteriores da vida. Consequências como ansiedade, perda da autoestima, isolamento social e dificuldades emocionais estão entre os principais riscos.
Hoje, grande parte desse processo é impulsionado pelo uso das redes sociais. Plataformas digitais acabam estimulando desde a erotização precoce até a lógica de desempenho e engajamento, como se as crianças precisassem se comportar como “pequenos influenciadores” para agradar a audiência.
Apesar do assunto ter estourado recentemente, não é novo na literatura, como podemos ver em um estudo publicado na revista científica Psicologias em 2016, que menciona a mídia como um “importante elemento de poder no fortalecimento ideológico de que, o segmento infantil, é um mercado consumidor de grande potencial e relevância, pois, ao contrário de tempos idos, o lugar social da criança hoje, em muitas famílias, é central e, nesse lugar,sua “opinião” é determinante para a compra de determinados produtos, marcas e serviços”.
O estudo também alerta que, ao tornar a criança um nicho de mercado para mercado consumidor, a mídia, com seu poder de influência social, “imprime uma demanda de precocidade no desenvolvimento psicoemocional das crianças, “adultizando-as”, mediante a erotização de seus corpos e da sua inserção no mundo de compromissos e horários marcados para inúmeras atividades que, mais atendem a uma necessidade capitalista neurótica do que a própria necessidade orgânica e educacional da criança”.
Combate à adultização precoce
A gravidade do tema fez com que o debate ultrapassasse os limites familiares e escolares, chegando ao Congresso Nacional. O Projeto de Lei 2628/2022 propõe medidas para proteger crianças e adolescentes em ambientes digitais. A proposta inclui regras mais claras para restringir a exposição precoce a conteúdos nocivos e responsabilizar plataformas que permitam a exploração infantil.
Esse tipo de regulamentação é importante, mas não basta. É fundamental que a sociedade como um todo (famílias, escolas e políticas públicas) atue em conjunto.
A sala de aula como aliada
Se a internet empurra crianças para o mundo adulto antes da hora, a sala de aula pode ser o ambiente que devolve a elas o direito de brincar, imaginar e elaborar sentidos. Nesse contexto, a literatura infantil se mostra uma ferramenta poderosa.
Ler histórias é um exercício de reflexão e criação simbólica. Os livros permitem às crianças explorar sentimentos, entender emoções e desenvolver empatia, ao mesmo tempo em que criam uma “bolha de proteção” contra pressões externas.
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Coleções voltadas para temas atuais, como cidadania digital, cyberbullying e uso responsável da tecnologia, ajudam professores a tratar assuntos difíceis de forma acessível e lúdica. Assim, a escola cumpre não apenas seu papel formativo, mas também protetivo.
O papel do professor contra a adultização
O professor é um mediador essencial na luta contra a adultização precoce. Mais do que ensinar conteúdos acadêmicos, ele atua como guardião do direito à infância, oferecendo espaços de diálogo, escuta e acolhimento.
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Aqui, cabe identificar sinais de adultização em seus alunos, como comportamentos precoces relacionados à estética, linguagens inapropriadas ou responsabilidades exageradas, além de promover debates sobre cidadania digital, ajudando as crianças a compreenderem os riscos da superexposição nas redes e incentivar atividades lúdicas e criativas, que valorizam a fantasia, a brincadeira e o desenvolvimento integral. Trabalhar em parceria com as famílias também garante que a mensagem de proteção e equilíbrio seja reforçada em casa.
Estratégias pedagógicas para combater a adultização precoce
O enfrentamento desse fenômeno passa pela construção de práticas pedagógicas que devolvam às crianças o espaço da infância. Algumas estratégias eficazes incluem:
1. Literatura como recurso simbólico
Livros infantis com temáticas ligadas ao cotidiano digital ajudam a criar reflexões seguras sobre riscos e desafios. Metáforas presentes nas histórias permitem que as crianças compreendam experiências complexas sem exposição direta.
2. Projetos interdisciplinares
Atividades que unam arte, tecnologia e reflexão social podem estimular a criatividade e o senso crítico. Exemplo: criar uma campanha escolar sobre o “uso saudável das redes sociais”, produzida pelos próprios alunos.
3. Espaços de diálogo coletivo
Rodas de conversa e debates mediados pelo professor são fundamentais para que os alunos compartilhem suas experiências e aprendam a ouvir e respeitar os outros.
4. Educação digital responsável
Inserir no currículo práticas de cidadania digital, com discussões sobre ética online, privacidade e limites saudáveis no uso da tecnologia.
5. Valorização do brincar
Incluir jogos, dramatizações e atividades ao ar livre na rotina escolar reforça o direito de brincar, combatendo a substituição precoce da infância por rotinas adultas.
6. Aproximação com as famílias
A escola deve ser parceira da família no enfrentamento da adultização, promovendo encontros, palestras e orientações práticas sobre como lidar com a influência das redes sociais.
Conclusão: a sala de aula é um resgate da infância
A adultização precoce é um fenômeno social que ganhou visibilidade em 2025, mas não se limita ao ambiente digital. Ela está presente em pressões estéticas, responsabilidades desproporcionais e até em práticas educativas que antecipam etapas da vida.
No entanto, a sala de aula pode ser o lugar onde a infância é resgatada e valorizada. Por meio de estratégias pedagógicas bem planejadas, os professores conseguem transformar a escola em um espaço de proteção, reflexão e imaginação.
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