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A Importância da produção de narrativas na educação básica

8 de setembro de 2025,
E-docente
Produção de narrativas na educação básica

As narrativas antes da escola

Antes de considerarmos as atividades realizadas no espaço escolar, podemos dizer que a produção de narrativas é algo que acompanha a vida de todos nós desde muito cedo. Ainda no ambiente familiar, cercados por pai, mãe e quaisquer outros parentes e conhecidos da família, fomos habituados a ouvir histórias, sejam elas causos cotidianos, eventos extraordinários ou produções fantasiosas contadas para nos entreter, tudo isso antes mesmo de começarmos a nos expressar verbalmente.

Mais adiante, acompanhando a leitura de contos de fadas, histórias em quadrinhos ou mesmo produções audiovisuais, muitos de nós fomos expostos a todo tipo de narrativa, quase sempre com sua estrutura básica muito bem definida, o que, pouco a pouco, gerou uma relação de proximidade e familiaridade com esse tipo textual muito antes e muito mais do que com qualquer outro.

A evolução da relação com a narrativa

Já na escola, os gêneros anteriormente apresentados foram se adensando e nossa relação foi deixando de ser de meros ouvintes para também de leitores de textos literários narrativos, que variavam entre fábulas, lendas, crônicas, parábolas, romances infantojuvenis, dentre tantos outros. Tal relação com a narrativa, sem dúvida, nunca se enfraqueceu para boa parte dos estudantes da Educação Básica, até mesmo nos últimos anos do Ensino Médio, quando entramos em contato com temas mais complexos e autorias de períodos mais distantes do nosso, principalmente ao estudarmos as escolas literárias brasileiras, percorrendo alguns séculos de produções literárias.

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Como percebemos, os textos narrativos estão presentes na vida das pessoas antes mesmo de elas começarem a frequentar a escola, acompanhando-as durante toda essa trajetória formativa de modo ininterrupto. Ainda assim, conforme os anos vão passando, parece que o estudante-leitor, em parte pela pressão dos vestibulares, vai sendo direcionado muito mais para uma posição de decodificador de textos do que de leitor literário, ao passo que a possibilidade de exercer a autoria de textos literários vai ficando cada vez escassa. Partindo dessas percepções, veremos, neste texto, a importância de incentivar não só a leitura, mas também a produção de textos narrativos na Educação Básica como forma de desenvolver a criatividade, a imaginação e ampliar a capacidade de comunicação discente.

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A narrativa em sala de aula: do lúdico ao estrutural

Nos anos iniciais: priorizando a leitura e a ludicidade

Quando o texto narrativo aparece na escola, inicialmente não há, nem deveria ter, muita preocupação em sistematizar sua estrutura perante os estudantes, uma vez que a intenção do docente deve ser muito mais de mobilizar práticas de letramento que desenvolvam habilidades como concentração, interpretação, levantamento de hipóteses, inferências, ampliação de vocabulário e compreensão de uma sucessão de eventos encadeamentos a partir de uma linearidade temporal. Tudo, é claro, de modo lúdico, conforme o desenvolvimento esperado para os estudantes. É nessa etapa, que eles costumam produzir pequenas narrativas, geralmente também associadas ao processo de alfabetização.

Nos anos finais: a sistematização da estrutura

Em etapas seguintes, provavelmente já nos Anos Finais do Ensino Fundamental, a estrutura é mais evidenciada; neste momento o estudante passa a entender que, em um simples ato de contar uma história, há uma organização interna do tipo textual que permite que as ideias possam ser comunicadas de modo mais assertivo. É quando costumamos definir as características narrativas, conceituando termos como enredo, personagens, espaço, tempo e narrador, com as devidas especificações de alguns deles, como a diferença entre tempo cronológico e tempo psicológico e entre narrador-personagem e narrador-observador. Em seguida, há a ordenação desses elementos em etapas, momento em que os estudantes ouvem falar em situação inicial, conflito, clímax e desfecho. Tudo bem ordenado.

É a partir desse ponto, quando a organização textual passa a ser exigida com mais profundidade, que devemos deter nossa atenção, pois é quando aquela ludicidade dos anos iniciais passa a ser preterida diante de puros exercícios de categorização e produções mais formais, como se produções mais subjetivas, necessariamente, envolvessem um grau de menor de complexidade e, por isso, não contribuíssem para o desenvolvimento da escrita do estudante.

Complementaridade entre teoria e prática

Cabe salientar que o processo de aprofundamento dos conteúdos escolares envolvendo textos narrativos, como a definição das características e etapas desse tipo textual, não é um problema. É papel da escola, também, possibilitar que o estudante se aproprie de um saber e desenvolva um vocabulário mais especializado para se referir àquilo que até então ocupava um lugar mais intuitivo. O que estamos defendendo é que esse saber não precisa ser visto como antagônico àquele que envolve a escrita de textos narrativos, mas como algo complementar que enriquece a experiência de leitura e escrita, permitindo que os estudantes reflitam de forma mais consciente sobre suas próprias produções e sobre as obras literárias que leem.

Estratégias para incentivar a produção de narrativas

Começando com gêneros familiares

No percurso de incentivar a produção de textos narrativos a partir dos Anos Finais do Ensino Fundamental, o docente pode começar de um modo mais básico, partindo da leitura de um gênero familiar ao estudante dessa etapa, como uma crônica ou um conto, e solicitar que produza seu texto se colocando como protagonista da história. Por exemplo, o estudante pode produzir uma crônica considerando algo curioso que notou no seu trajeto da casa para a escola ou pode produzir um conto que tem como tempo narrativo o horário do recreio. Na apresentação da proposta, é interessante ressaltar a potencialidade da ficcionalização, ou seja, nenhum evento contado precisa ter realmente ocorrido, mas é a construção da verossimilhança que fará com que a história desperte o interesse do leitor. Exatamente por isso que a produção de gêneros mais curtos possibilita que o estudante consiga dedicar maior atenção para aperfeiçoar os elementos do enredo, como os detalhes descritos, o ritmo dos acontecimentos e a construção dos personagens, buscando tornar o texto mais coerente e atrativo.

A Importância da leitura coletiva e exposição

Para o desenvolvimento dessas produções, tão importante quanto a escrita é o momento de leitura coletiva, em que os estudantes podem compartilhar suas histórias com o restante da turma ou mesmo expor seus textos em espaços de grande circulação na escola. Na prática de leitura, algumas habilidades específicas podem ser trabalhadas através de orientações que indiquem a importância de manter um tom de voz que acompanhe a cadência dos eventos narrados, ou seja, evitar uma leitura monótona e mecanizada. O volume da voz também é importante, da mesma forma que a leitura adequada da pontuação é fundamental para que o ouvinte compreenda o que está sendo contado.

Fanfics: o gênero do engajamento na geração digital

Avançando para produções mais extensas, que podem ser realizadas no Ensino Fundamental e também no Ensino Médio, pode ser sugerido que o estudante produza fanfics, gênero bastante popular entre jovens leitores. A fanfic, abreviação do termo em inglês fanfiction, é um texto narrativo que usa personagens de franquias famosas do mundo literário ou audiovisual para construir uma história original. É popular também a produção de narrativas que colocam artistas, como atores, atrizes, músicos ou até influencers digitais como personagens. Uma das plataformas mais famosas para compartilhamento desse gênero é o Wattpad, no qual milhares de autores de todo canto do mundo divulgam seus textos para serem lidos, avaliados e comentados por uma grande diversidade de leitores.

Partindo dessa proposta, o docente pode pedir que cada estudante escolha um personagem ou artista de sua preferência e produza um conto mais extenso ou o equivalente ao primeiro capítulo de um livro sobre a figura escolhida. Esses textos podem ser, posteriormente, publicados em um drive público, ao qual todos os estudantes da turma tenham acesso e possam avaliar e votar no melhor em uma enquete on-line. Produções desse tipo, tal como ocorre no espaço digital, são possibilidades para que os estudantes acolham as sugestões e avaliações dos colegas para reescrevem seus textos, editando e aprimorando aquilo que inicialmente pode não ter alcançado o resultado esperado.

Em todas essas produções, desde as breves crônicas e contos até as produções mais extensas, sendo realizadas por estudantes de diferentes faixas etárias, notamos invariavelmente um maior engajamento e dedicação por boa parte das turmas, uma vez que os temas escolhidos dialogam com suas realidades e seus interesses imediatos. A partir dessas escritas, pouco a pouco, os temas podem ir se complexificando e se afastando dos repertórios dos estudantes, possibilitando que eles explorem outras realidades e exerçam a alteridade a partir de sua escrita literária.

Conclusão

Novamente, para concluirmos este artigo, vale lembrar que a escrita de textos narrativos não implica o menosprezo da escrita de gêneros textuais mais formais e mais associados às demandas dos vestibulares, como é o caso da onipresente dissertação argumentativa. A reflexão proposta aqui é não colocar a produção narrativa em segundo plano, mas enxergar o potencial expressivo e pedagógico dela, permitindo que os estudantes desenvolvam sua criatividade e explorem sua voz autoral com cada vez mais confiança e autonomia.

Minibio do autor

Diego Domingues é graduado em Letras (UFRJ), mestre em Educação (UERJ/FFP) e doutor em Linguística Aplicada (UFRJ). Atualmente, é professor do Departamento de Português e Literaturas de Língua Portuguesa do Colégio Pedro II.

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