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A importância da educação socioemocional: como o professor pode integrar competências de saúde mental ao currículo

9 de setembro de 2025,
E-docente
A Importância da Educação Socioemocional - Como o Professor Pode Integrar Competências de Saúde Mental ao Currículo

A história de um menino e a lição para o professor

O professor sai da escola e vai até a casa de seu aluno, que vem sempre entregando os trabalhos de Matemática em um papel sujo, com manchas de café. Chega lá, em um bairro humilde, com casas com um só cômodo, e é atendido pela mãe do menino. Antes, havia sido rígido e tinha chamado a atenção do aluno pelo desleixo com as folhas das tarefas. A senhora, sorridente, fala que Matemática é a matéria preferida de seu filho e mostra ao professor, ao fundo, o local onde ele costuma realizar as tarefas, deitado no chão, escrevendo em um caderno ao mesmo tempo que toma café, já que não há mesa naquele cubículo que abriga toda uma família, espremida pelo pouco espaço e pela sociedade.

A insensibilidade da rotina e os alunos-problema

Aquele menino, que adorava Matemática, acabara de ensinar uma grande lição ao seu professor. Essa cena do filme Nunca me sonharam nos alerta sobre diversos problemas pelos quais passamos em sala de aula e, na maioria das vezes, insensibilizados pela rotina dura de trabalho, ignoramos, rotulando pessoas, segregando-as, já que são apenas “problemas”. Você mesmo pode conferir a cena no link nas referências ao final do texto.

Leia mais: O esgotamento profissional (Burnout) em professores: causas, sinais e estratégias de prevenção

Aposto que você já entrou em uma sala desanimado por saber que era a hora de enfrentar aquele “Enzo”. Só de pensar que o dia ia começar e você tinha de encarar um aluno bagunceiro, briguento, sempre em busca de atenção, já te dava arrepios. Mas também tenho certeza de que você já viu aquele aluno apático, que não fazia muita bagunça, mas também não interagia, não conversava, não fazia nada. Chegava, ficava no seu cantinho, parecia que uma nuvem cinza pairava em sua cabeça.

Emoção e cognição: um elo inseparável na aprendizagem

Em ambos os casos, esses “alunos-problemas” trazem consigo uma história que requer uma atenção especial da escola. Não apenas do professor, mas de toda a escola. Porém, sabemos que infelizmente nem todas dispõem de uma estrutura que acolha esses casos. É muito difícil que a aprendizagem ocorra caso não haja um mínimo cuidado com a saúde mental desses alunos, já que emoção e cognição andam de mãos dadas. O artigo Educação socioemocional nas escolas: a importância de promover no Brasil traz importantes pontos a serem levados em consideração sobre o tema e nos ajuda a desenvolver, de forma complementar, as discussões que serão levantadas aqui.

Investir no desenvolvimento socioemocional em todos os ambientes de convivência, principalmente em instituições escolares, que lidam com uma infinidade de perfis de alunos, professores, diretores, não pode ser considerado algo supérfluo, um luxo. Na verdade, quando incorporada ao planejamento, a educação socioemocional passa a ser uma valência essencial no desenvolvimento de todas as outras competências. Traremos alguns caminhos de como trazer maior foco a essa parte tão renegada do ambiente educacional.

Educação socioemocional e currículo: já está lá (mesmo que a gente não perceba)

Quando falamos em educação socioemocional, algumas pessoas podem pensar: “Ah, não! Mais um conteúdo para enfiar na minha rotina que já é corrida!”. Mas a verdade é que esse é um ponto que já está no currículo, apesar de alguns de nós não percebermos. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada em 2017, traz entre suas dez competências gerais habilidades como autoconhecimento, autocuidado, empatia, cooperação, responsabilidade e cidadania (BNCC, 2017).

Ou seja, quando você dá voz ao aluno na roda de conversa, quando estimula que um grupo de colegas resolva um problema coletivamente, quando abre espaço para falar de sentimentos no meio de uma atividade de leitura, você já está praticando educação socioemocional. Não é algo extra, difícil de ser realizado, mas uma demonstração de que você se preocupa com o outro, mesmo em meio a tantas tarefas. É parte do que a escola deve oferecer para o desenvolvimento integral do aluno e que está previsto na BNCC.

Leia mais: O papel da escola na promoção de um ambiente de trabalho saudável para os professores 

E aqui vale um ponto importante: não se trata de transformar o professor em psicólogo, afinal, já temos muitas funções dentro da nossa própria profissão. Trata-se de criar ambientes mais humanos, onde aprender conteúdos e lidar com as próprias emoções (e as emoções dos outros) aconteçam juntos.

O que a ciência diz: não é moda, é resultado

Como temos ouvido muito nos últimos tempos falar sobre saúde mental, podemos ficar pensando se esse trabalho com educação socioemocional funciona mesmo ou se é só mais uma moda da Educação. Por isso, é importante trazermos dados científicos que investiguem o impacto desse cuidado. Uma análise envolvendo mais de 200 programas de aprendizagem socioemocional mostrou que os alunos que participaram dessas iniciativas tiveram melhora significativa em habilidades sociais, menos problemas de comportamento e ganhos acadêmicos (Durlak et al., 2011). Apesar de ser uma pesquisa realizada nos Estados Unidos e de o artigo já ter 14 anos desde a sua publicação, percebemos indícios claros da importância dessa abordagem mais humanizada nas escolas.

E sabemos que esse trabalho cria histórias na vida das pessoas. Quais são as nossas melhores lembranças da época da escola? Geralmente são abordagens afetuosas por parte de professores, colegas de turma, ou, no caminho inverso, alguma experiência traumática, mas que também nos afetou emocionalmente. Ou seja, os efeitos gerados na nossa formação são permanentes, duráveis. Se pensarmos que grande parte das dificuldades escolares têm fundo emocional (anxiety, desmotivação, conflitos de relacionamento), fica ainda mais claro: investir em educação socioemocional é investir em aprendizagem.

Saúde mental na escola: qual é o papel do professor?

Bom, retomo a uma preocupação que pode estar na cabeça de quem me lê. “Mas será que eu tenho que virar psicólogo também?”. Calma, como já disse anteriormente, não temos de assumir mais uma função entre tantas que já temos. Afinal, também precisamos cuidar da nossa saúde mental! O papel do professor não é diagnosticar ou tratar, mas criar condições para que a sala de aula seja um espaço saudável, desenvolvendo da melhor forma o nosso papel. Ah, mais um ponto: como sempre digo em meus artigos, esse cuidado com os alunos não é função só nossa, deve ser compartilhado com todos os atores do processo educacional.

O professor está mais presente no nível de prevenção e detecção do problema: é quem pode promover pequenas práticas que fazem diferença no dia a dia. Se estamos atentos e percebemos como nossos alunos estão, até mesmo desenvolvendo atividades simples para isso, como: demonstração de estado emocional por meio de um emoji; atividades de aprendizagem cooperativa; tempo para descanso e reflexão quando a turma está agitada, conseguimos criar um ambiente muito mais favorável para a aprendizagem. Em meio a tantas exigências de cumprimento de conteúdos que enfrentamos, salas lotadas, falta de equipamentos, materiais, precisamos ser rebeldes com causa, promovendo um ambiente saudável tanto para os alunos quanto para nós, mesmos.

Como integrar a educação socioemocional ao currículo

“Ok, mas como eu insiro toda essa teoria no meu planejamento, já que tenho tantos conteúdos a seguir?”. Como vocês sabem, sempre tento prever argumentações contrárias por parte dos meus leitores, por isso trago aqui respostas de perguntas que muitas vezes nem foram feitas ainda… 😂 Vocês já pararam para pensar que a educação socioemocional acontece de forma transversal? Alguns exemplos simples:

  • Na aula de Língua Portuguesa: pedir que o aluno escreva um diário de bordo, refletindo não só sobre o que aprendeu, mas também como se sentiu diante das dificuldades.
  • Na aula de Matemática: propor problemas em grupo, onde a resolução depende da troca e da cooperação em vez da competição, respeitando o tempo de cada um para a solução.
  • Na aula de Ciências: discutir impactos ambientais a partir de dilemas éticos, estimulando a tomada de decisão responsável e a reflexão sobre consequências de atos do dia a dia.
  • Em projetos interdisciplinares: organizar rodas de conversa para que os alunos falem de suas experiências e aprendam a escutar o outro, relatando até mesmo por que enfrentaram dificuldades na resolução de determinados problemas.

Como podemos perceber, não haveria aqui novos conteúdos a serem trabalhados, mas deslocamos o foco da quantidade para a qualidade da aprendizagem.

Família e rede de apoio: professor não é herói solitário

Como também já foi alertado aqui neste texto, é importante lembrar que o professor não é o único responsável pela promoção desse ambiente mais saudável. A escola precisa estar conectada com as famílias e com a rede de saúde. Na prática, isso significa que o professor pode ser um elo de atenção, identificando sinais de sofrimento, criando espaço de acolhimento, mas sabendo que, em casos mais graves, é preciso acionar equipe pedagógica, assistência social e serviços de saúde. É nesse ponto que todos os atores do processo educacional precisam estar alinhados na escola, embora saibamos que essa integração não seja nada fácil…

Conclusão

Mais do que uma tendência, a educação socioemocional é uma urgência. E cabe a nós, educadores, termos a iniciativa de iniciar um processo de humanização em nossas escolas, mostrando que aprender só faz sentido quando o coração e a mente caminham juntos.

Nós, professores, nesse processo, não precisamos ser psicólogos, terapeutas ou super-heróis. Precisamos ser aquilo que já somos: mediadores de aprendizagens. A diferença é que, agora, podemos fazer isso com ainda mais consciência, sabendo que ajudar o aluno a lidar com suas emoções é tão (ou mais) importante quanto ensinar a interpretar textos ou a resolver problemas de Matemática. Assim, conseguiremos incentivar alunos como aquele do filme, relatado lá no início do texto, a buscarem sonhos nunca antes sonhados.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. Disponível em: https://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 30 ago. 2025.

DURLAK, J. A. et al. The impact of enhancing students’ social and emotional learning: A meta-analysis of school-based universal interventions. Child Development, v. 82, n. 1, p. 405–432, 2011. Disponível em: meta-analysis-child-development-1.pdf. Acesso em: 30 ago. 2025.

NUNCA ME SONHARAM. Direção: Cacau Rhoden. Produção: Maria Farinha Filmes. São Paulo: Maria Farinha Filmes, 2017. 1 filme (85 min), son., color. Disponível em: https://youtu.be/XdiBIWHLG_g?si=DPI2dk6u0Tu68op8&t=2153. Acesso em: 30 ago. 2025.

Minicurrículo

Tiago da Silva Ribeiro é professor do curso de Pedagogia do Instituto Nacional de Educação de Surdos nas disciplinas de Língua Portuguesa e Tecnologias da Informação e Comunicação. Tem experiência em turmas do Ensino Fundamental e Médio, além de já ter atuado na modalidade on-line como mediador, orientador de trabalhos finais de curso, desenhista educacional, professor-autor e coordenador de curso. Seu Doutorado em Letras é pela PUC-Rio e teve como tema de trabalho o Internetês. Não é meteorologista, mas busca estar sempre atento ao clima das instituições em que trabalha.

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