passeio escolar x estudo do meio

Que valor atribuímos aos estudos do meio e às saídas de estudo quando os denominamos como “passeios de escola”? Pode parecer que essa questão se limita a uma simples discordância de nomenclaturas, mas gostaria de aprofundar essa discussão convidando você a refletir sobre o papel de um passeio escolar e das atividades para estudar na escola.

A princípio, passeio é lazer. Obviamente, há possibilidade de aprender quando estamos nele, porém, essa é uma consequência que costuma ser secundária à intenção de divertir-se, distrair-se ou de relaxar. Na essência, é possível passear pelo simples ato de passear.

Do contrário, é fundamental distinguir essa ação, que pode não ter qualquer intencionalidade, de uma atividade escolar com a finalidade de ensinar.

Se um passeio – seja sozinho ou com a companhia da família ou dos amigos – pode ter um fim nele mesmo, uma saída para estudar jamais deve ser uma atividade realizada sem intencionalidade e planejamento.

Planejamento dos Estudos do Meio

Aqui, cabe lembrar que qualquer atividade não planejada com intencionalidade pedagógica pode gerar aprendizagens muito diferentes daquelas que os professores desejam.

Para que os estudantes aprendam aquilo que temos como expectativa, é preciso traçar estratégias ajustadas para tal e, por essa razão, não podemos acreditar que o simples fato de sairmos com eles da escola garantirá tudo que eles podem aprender.

E que todo o seu potencial seja explorado, além de muito planejamento, é importante considerar que a forma de encaminhar essas atividades ensina, para além dos fatos e conceitos, muitos procedimentos e atitudes. Aqui vão algumas sugestões: 

Permita que os alunos participem do planejamento prévio

Para que os estudos do meio sejam proporcionados a fim de gerar muitas aprendizagens, é necessário envolver e compartilhar decisões com os alunos. Mesmo com as crianças mais jovens, é possível permitir, em alguma medida, que elas participem do planejamento anterior à saída.

Se forem andar pelo bairro para observarem um córrego poluído, as construções, algum ambiente natural ou conversarem com as pessoas, onde e como farão registros daquilo que ouvem, sentem e veem?

Quais propostas eles têm a fazer para que, no retorno à escola, possam recuperar aquilo que o professor apresentou ou que eles mesmos observaram sozinhos? O que será preciso levar para fazer esses registros? É possível dividir tarefas ou todos precisam fazer tudo?

Esses são alguns exemplos de questões que devolvem aos alunos a responsabilidade de planejar suas ações na saída de estudos, por mais simples que elas sejam.

Somente se eles participarem, em certa medida, desse planejamento, terão condições de avaliar no retorno as escolhas feitas e as atitudes tomadas, e ao longo da escolaridade poderão aprender após sucessivas experiências como essas a anteciparem de forma mais autônoma atitudes esperadas para um estudo do meio mais complexo ou, até mesmo, a reconhecerem uma postura de atuação adequada para os diferentes espaços que as escola os apresentou ao longo da sua formação – museus, exposições, parques, reservas ecológicas, teatros etc.

Faça no Estudo do Meio aquilo que você não pode fazer no espaço da escola

Quando os estudantes são exaustivamente preparados para darem todas as respostas durante a saída, perdemos a oportunidade para que aprendam procedimentos de investigação que poderão utilizar para “aprender a aprender” por toda a vida.

Portanto, uma questão que o professor pode se fazer quando estiver planejando a preparação de uma saída de estudos com os alunos é: o que os alunos podem ver, fazer e vivenciar somente no ambiente que vão estudar?

O que posso (e devo) antecipar de informações e conhecimentos na sala de aula, sem responder ao que é esperado para o dia da saída? Com o que vou comprometer o tempo que eles terão no dia do estudo do meio?

Essas são boas questões para que o professor não caia na própria armadilha de “dar a aula expositiva” no lugar do estudo. Isso pode ser feito na escola.

A antecipação das informações gerais sobre o local da saída é uma boa alternativa para que ocorram as discussões prévias ao trabalho, bem como para tais informações estarem a serviço do levantamento de curiosidades e dúvidas a serem solucionadas pelos próprios alunos quando saírem para estudar.

Permita que os alunos estudem aspectos diferentes de um mesmo lugar

Observar, registrar, classificar, descrever, analisar e comunicar conhecimento, por exemplo, são procedimentos de investigação que, em razão da sua natureza, somente são aprendidos quando executados repetidas vezes.

Para que a socialização das experiências dos alunos seja mais rica e significativa no retorno, permita que eles estudem diferentes aspectos de um mesmo lugar, para que tenham o que ouvir e o que comunicar aos colegas na sistematização que acontecerá na escola.

Esse olhar, que considera certa individualização das aprendizagens, também favorece o atendimento aos alunos com maiores dificuldades de aprendizagem e de socialização.

Leve os alunos para estudar o meio e não os conteúdos disciplinares

É importante ter em mente que a realidade, as situações cotidianas, os fenômenos naturais e sociais e o ambiente natural são, por natureza, interdisciplinares. Para compreendê-los com complexidade é necessário se utilizar dos diferentes conhecimentos produzidos pelas áreas.

Muitas vezes levamos os estudantes para uma saída de estudos para que aprendam conceitos de ciências, de arte, de geografia, de matemática etc., mas o encaminhamento que fazemos pouco favorece para que possam generalizar o mesmo conhecimento na tarefa de interpretar outros contextos.

Para isso, é fundamental que a realidade apresentada seja o objeto de estudo dos alunos. Por exemplo, se a saída de estudos é para uma região de cavernas, queremos que aprendam o que é uma Caverna – como se originou, qual a sua dinâmica, por que está onde está.

Em função do entendimento da Caverna, apresentaremos conhecimentos de geologia, química, física e biologia, por exemplo, para que os alunos a compreendam em todas as suas características.

Como professores, o que costumamos fazer é o contrário: ensinamos conteúdos específicos para que os alunos apliquem na compreensão da Caverna. O que eles entendem disso é que precisam aprender tudo agora para que, somente lá na frente, possam significar alguma aprendizagem.

Leia também: Qual o objetivo do ensino de geografia?

Reflexões finais acerca das saídas de estudos

Por fim, retomo a reflexão inicial sobre os “passeios de escola” e as saídas para estudar com o objetivo de deixar algumas últimas inquietações: que valor queremos atribuir às saídas de estudo quando as chamamos de “passeios” com os alunos? Queremos relacioná-las a sentimentos de prazer, descontração e diversão? Com isso não estamos implicitamente dizendo que há pouco prazer nas atividades de estudo?

Ao longo da escolaridade, o que os alunos podem compreender que queremos deles todas as vezes que esperamos que estudem e aprendam sobre algo, se somente conseguimos qualificar as atividades escolares relacionando-as diretamente a lazer?

Portanto, aproveite os bons sentimentos que os estudos do meio geram nos alunos para vinculá-los diretamente ao ato de estudar.

Converse com eles sobre a sensação prazerosa que uma nova aprendizagem pode nos garantir, sem deixar de comentar que ele poderá experimentá-la todas as vezes que enfrentar os desafios que o ato de estudar pode promover.

Vamos permitir que os estudantes relacionem as boas lembranças de aprendizagem com as saídas para estudar. Afinal, não lhe parece mais interessante que essas memórias preciosas da vida escolar, possam contribuir para que os estudantes sejam adultos que atribuam maior valor à aquisição de conhecimento por toda a vida?

Fabrício Cruz