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A construção do conceito de número pela criança 

21 de novembro de 2025,
E-docente
A construção do número pela criança

Não é raro ouvir pais ou familiares dizerem, ao se referirem aos filhos pequenos, que a criança “aprendeu a contar”. Entretanto, por trás dessa expressão, podem estar habilidades diferentes. Afinal, quando a criança aprende a recitar o nome dos números na ordem correta, de um a dez, por exemplo, em geral isso é interpretado como o momento em que ela “aprende a contar”. Quando consegue, de fato, realizar a contagem de elementos, separando-os um a um e descobrindo a quantidade total de um agrupamento, mais uma vez a mesma expressão é utilizada. Finalmente, quando aprende a escrita numérica, também se considera uma aprendizagem relacionada à contagem.

Na escola, é importante que professores da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental tenham discernimento sobre as diferenças entre essas habilidades, a fim de garantirem um ensino mais eficiente de cada uma delas.

Diferença entre número, numeral e algarismo: essencial para ensinar a contar

Muitas vezes, as palavras número, numeral e algarismo são usadas como sinônimas, embora não o sejam. Para promover a aprendizagem dos números pelas crianças, é importante que os professores conheçam essas diferenças.

O número é uma ideia abstrata de quantidade. Quando vemos ou ouvimos um símbolo que representa determinada quantidade, conseguimos imaginar se aquilo é pouco ou muito, a depender do contexto, por exemplo. A ideia de número, por ser abstrata, não é ensinada de forma transmissiva, ela precisa ser construída pela criança. Para isso, é preciso que ela vivencie diferentes situações que tenham relação com quantidades, a fim de construir e desenvolver essa ideia.

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Já os numerais são as formas (expressas em palavras ou símbolos) que representam um número. Por exemplo, a palavra “nove” ou o símbolo 9 são diferentes formas de se representar a ideia de quantidade equivalente a nove elementos. Dentre os numerais, o símbolo específico usado para representá-lo na Matemática é chamado de algarismo. Em outro exemplo, a ideia de dez elementos é o número dez. A palavra dez ou o símbolo 10 são o numeral dez. Esse numeral, quando representado por meio de símbolos matemáticos, é representado por dois algarismos: 1 e 0, nessa ordem.

Quando uma criança reconhece os algarismos em diferentes situações do dia a dia (na porta de casa, na sola do calçado, na etiqueta da roupa, no panfleto do supermercado etc.), ela está identificando numerais. Quando consegue recitar o nome dos numerais na ordem convencional (ou seja, repetir oralmente “um, dois, três, quatro…”), isso indica que ela aprendeu a recitação numérica, o que é diferente de saber contar.

Fazer a recitação numérica corretamente é um procedimento necessário para se ter sucesso na contagem, embora constitua uma habilidade diferente.

Princípios de contagem: hierarquia e ordem (segundo Kamii)

Segundo Kamii (1983), para construir a ideia de número e aprender procedimentos de contagem, a criança precisa dominar dois princípios: hierarquia e ordem.

O princípio da hierarquia no desenvolvimento numérico infantil

A hierarquia, ou relação hierárquica, diz respeito à adição de um elemento a mais a cada numeral recitado. Ou seja, a criança precisa entender que, quando ela conta um conjunto de objetos, a cada numeral recitado, ela está incluindo os anteriores, que já foram contados. Em outras palavras, “três bonecas”, por exemplo, envolve não apenas a boneca que foi contada em terceiro lugar, mas as duas anteriores também.

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Se a criança não compreende essa relação de hierarquia, ela pode até relacionar a recitação numérica aos elementos que está “contando”, apontando-os e atribuindo – oralmente – um numeral a cada um deles. Entretanto, se lhe for solicitado algo como: “Você disse que aqui tem dez bolinhas. Agora, me dê oito”, a criança entregará apenas a bolinha que foi contada em oitavo lugar, pois não compreende que esse oito que ela disse ao apontar aquele objeto inclui, hierarquicamente, as sete bolinhas anteriores também.

Como a criança desenvolve o princípio da ordem na contagem

Já a ordem tem relação com o procedimento de ordenar os elementos para poder contá-los. Ainda que essa ordenação não apareça fisicamente, ela precisa existir mentalmente. Para contar com acerto um conjunto de elementos, é preciso que todos os elementos sejam contados, e que cada um deles o seja uma única vez. Se a criança não compreende o princípio da ordem, ela “conta” desordenadamente, “contando” alguns elementos mais de uma vez e deixando de “contar” outros.

Na escola, atividades como contagem de material escolar, de brinquedos ou álbum de figurinhas auxiliam as crianças a construírem, mentalmente, os princípios de hierarquia e ordem. Com isso, passam a ter maiores possibilidades de executar corretamente procedimentos de contagem e, assim, vão desenvolvendo a construção do número.

Fases da escrita numérica na educação infantil (Hughes)

Na compreensão da ideia de número e nos registros matemáticos, o registro numérico ganha singular importância. Não basta a criança compreender a que quantidades está se referindo, mas é necessário que ela saiba, também, como representar essa quantidade.

Para compreender como se dá a evolução da escrita numérica em crianças pequenas, Martin Hughes (1987) apud Moreno (2006) desenvolveu uma pesquisa que revelou algumas hipóteses infantis sobre essa representação gráfica, antes de saberem utilizar algarismos para representar os números. As fases por ele descoberta foram:

Fase idiossincrática

Representação feita por garatujas, em que a criança compreende a necessidade de representar o número graficamente, mas produz registros que não trazem indícios de quais elementos ela quis representar, nem da quantidade deles.

Fonte: Souza (2008, p. 26) 

Fase pictográfica

Representação em que a criança busca desenhar fielmente os elementos que quer representar, e já cuida da quantidade a ser representada, fazendo uma produção que corresponde exatamente à quantidade de elementos a que deseja se reportar.

Fonte: Souza (2008, p. 26) 

Fase icônicas

Nessa fase, a criança compreende que, para representar determinada quantidade, não é necessário desenhar exatamente os elementos a serem representados, basta produzir marcas que remetam à quantidade em questão. Nesse caso, então, seus registros costumam ser mais simples, como pauzinhos ou bolinhas.

Fonte: Souza (2008, p. 26) 

Fase simbólica

Nessa etapa, a criança busca utilizar os algarismos e se aproxima da escrita convencional dos numerais, embora ainda o faça dentro de sua compreensão. Em alguns casos, se a noção de hierarquia ainda não estiver estabelecida, por exemplo, ela pode, para representar a quantidade de quatro objetos, registrar 1, 2, 3, 4 ou 4444.

Fonte: Souza (2008, p. 26) 

A jornada de construção do número: próximos passos e desafios (Base 10)

Depois de desenvolver as noções de hierarquia, ordem, recitação numérica, procedimentos de contagem e escrita numérica, a criança estará muito próxima da construção da ideia de número tal como a entendemos. Entretanto, é preciso ter a consciência, como alertam Lerner e Sadovsky (1996), de que este é um grande caminho a percorrer. Depois dessas noções iniciais, outras precisarão também ser desenvolvidas: a relação entre a ideia de quantidade e a recitação numérica, o conhecimento da escrita convencional de números maiores, a compreensão do sistema de base 10, o entendimento de que o posicionamento dos algarismos altera a quantidade representada etc.

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Na escola, é importante que o professor tenha em mente que, seja qual for a etapa em que as crianças estejam da construção do número, o mais importante é proporcionar a elas vivências que as façam usar esse conhecimento da forma mais articulada possível às suas práticas sociais. Dessa forma, os desafios propostos farão sentido e, com isso, a aprendizagem tende a se dar de forma mais prazerosa e eficaz.

Referências 

KAMII, C. A criança e o número: implicações educacionais da teoria de Piaget. Campinas: Papirus, 1983.  

LERNER, D.; SADOVSKY, P. O sistema de numeração: um problema didático. In: PARRA, C.; SAIZ, I. (org.). Didática da matemática: reflexões psicopedagógicas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. 

MORENO, B. O ensino do número e do sistema de numeração na educação infantil e na 1ª série. In: PANIZZA, Mabel (org.). Ensinar Matemática na educação infantil e nas séries iniciais: análises e propostas. Porto Alegre: Artmed, p. 43-76, 2006. 

SOUZA, A. Coleção Novos Caminhos: formação continuada; teoria e prática na sala de aula – matemática. São Paulo: Difusão Cultural do Livro (DCL), p. 26-27, 2008.

Minibio do autor

Elaine Cristina R. G. Vidal atua como professora nos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Educação da USP. Sua sólida formação inclui duas graduações, em Letras (USP) e em Pedagogia (Universidade Metodista/SP), e um percurso de mestrado e doutorado em Psicologia, Linguagem e Educação, também pela FEUSP.

Especializou-se em áreas chave da educação: Alfabetização: relações entre o ensino e a aprendizagem (ISE Vera Cruz) e Ética, valores e cidadania na escola (Univesp). Como autora, contribuiu com os títulos Projetos didáticos em salas de alfabetização (2014), Literatura e crianças: um encontro necessário (2019) e A infância na escola: reflexões sobre Educação Infantil (2023).

Sua experiência profissional é abrangente, englobando atuação como professora e gestora em todos os níveis da Educação Básica, no Ensino Superior, e como editora no Núcleo de Produção de Conteúdo e Formação da Saber Educação.

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