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Estresse e adoecimento mental nas escolas: precisamos falar sobre isso

10 de novembro de 2025,
Rafael Palasio
Estresse e adoecimento mental nas escolas - precisamos falar sobre isso

Dados Alarmantes sobre o Adoecimento Mental na Sociedade

Segundo o levantamento do projeto Global Burden of Disease (Carga Global das Doenças)1, os transtornos mentais têm um impacto enorme na sociedade e vêm aumentando nos últimos 25 anos nos países com mais desigualdade social, como o Brasil (Mangolini et al., 2019). As estatísticas mundiais mostram que um em cada sete adolescentes entre 10 e 19 anos enfrenta algum tipo de transtorno mental. Isso representa 15% do montante global de doenças nessa faixa etária.

Depressão, ansiedade e transtornos de comportamento estão entre as principais causas de doenças e incapacidades entre os adolescentes. O suicídio é a terceira principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos (OMS, 2024). A Síndrome de Burnout, definida como “um estado de esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente ligada à vida profissional” (Machado, 2015, p. 258) tem aumentado sensivelmente entre educadores e já tem sido considerada uma das doenças que mais levam os profissionais da Educação a tirarem licença médica.

Diante desses alarmantes dados, não deveríamos, como sociedade, nos preocupar mais com nossa saúde mental? Até vemos o tema Saúde Mental sendo abordado com certa frequência em programas de TV e redes sociais, principalmente no mês de setembro, conhecido como Setembro Amarelo, no qual as pessoas se mobilizam para falar sobre a importância da saúde mental e sobre os fatores de risco que levam ao suicídio.

No entanto, as estatísticas mostram que isso não tem adiantado muito, pois os índices de adoecimento mental entre crianças e adolescentes, burnout entre os educadores e suicídio, de um modo geral, só têm aumentado. Então, o que fazer? Qual a influência do ambiente escolar em todo esse adoecimento e qual o papel da escola para a melhoria da saúde mental entre estudantes e educadores? Essas não são perguntas simples de serem respondidas, mas são perguntas essenciais a serem feitas.

A experiência pessoal com o adoecimento mental

Minha experiência desde que me tornei professora universitária, em 2016, tenho pesquisado sobre as temáticas do estresse, da saúde mental e do rendimento acadêmico, principalmente entre universitários, pois, justamente, fiquei estupefata com a quantidade de estudantes e professores com sintomas de adoecimento mental na instituição de Ensino Superior na qual atuo.

Ao pesquisar sobre esse tema e passar a conversar com outros profissionais da Educação, percebi que essa difícil realidade afeta toda a área de Educação: da Educação Infantil à Pós-graduação. Inclusive, eu mesma, em 2022, fiquei 3 meses de licença devido ao burnout e posso dizer: essa doença é muito séria e incapacitante.

Leia mais: O papel da escola na promoção de um ambiente de trabalho saudável para os professores 

Na época em que adoeci, ficava me perguntando: como não consegui evitar um burnout, mesmo pesquisando sobre isso e tendo consciência do que leva a esse diagnóstico? O ditado popular “Santo de casa não faz milagre” nunca foi tão verdadeiro para mim. Mas essa experiência me levou a uma triste constatação: todos estamos sujeitos a “queimar”2, e isso tem uma explicação, até que bastante simples: O ESTRESSE.

O estresse e a porta para o adoecimento mental

Definição e fases do estresse

O que é o estresse? Como ele age em nosso organismo? O termo estresse vem da Física e significa pressão ou constrição de natureza física (Joca et al., 2003). Quando uma pessoa passa por muita pressão emocional, o estresse crônico pode se tornar doença, conhecida como Síndrome de Adaptação Geral (SAG), diagnóstico nomeado por Hans Selye (Selye, 1973).

Valle (2011, p. 42) coloca que o estresse “envolve um processo de adaptação do indivíduo às demandas externas e internas, representadas por diversas contingências do cotidiano e pela interpretação das demandas externas, que ocorrem em processos cognitivos individuais, com diferentes respostas”. Em suma, o estresse, nada mais é do que o organismo buscando equilíbrio e adaptação para poder sobreviver.

Leia mais: Técnicas de escuta ativa e acolhimento de alunos em vulnerabilidade e/ou sofrimento psíquico

Todavia, precisamos ter clareza de que o estresse em si não é algo ruim, pois ele é importante para nossa sobrevivência, uma vez que nos deixa “ligados”. Mas, a intensidade exagerada dele pode ser um alto fator de risco para o organismo, podendo gerar doenças tanto físicas quanto mentais (Louro; Louro; Duarte, 2020). Afinal, se deixarmos um equipamento eletrônico ligado 24 horas por dia por muitos dias seguidos, é grande a probabilidade de ele queimar, não é mesmo? Assim é com o nosso cérebro.

O efeito fisiológico do estresse crônico

O estresse, do ponto de vista fisiológico, nada mais é do que excesso de cortisol em nosso sistema. O cortisol é um hormônio muito importante para a manutenção de nossa vida, para nosso estado de alerta, motivação e engajamento. No entanto, quando ele é produzido em altas doses, pode ser muito prejudicial à saúde, pois ele inflama nosso organismo, inclusive o nosso cérebro (Lent, 2010; Joca et al., 2003). É aí que a porta para o adoecimento mental se abre.

As pesquisas mostram que “o estresse é um dos principais fatores ambientais que predispõem um indivíduo à depressão. Em cerca de 60% dos casos, os episódios depressivos são precedidos pela ocorrência de fatores estressantes” (Joca, 2003, p. 47). O estresse pode levar à depressão, e a depressão é um dos maiores fatores de risco para o suicídio (Teng; Pampanelli, 2015). O cortisol é o principal agente da reação ao estresse agudo e crônico e está associado a uma alta toxicidade neurológica, e esta alteração biológica é de grande impacto no comportamento suicida (Teng; Pampanelli, 2015).

O estresse e adoecimento mental no contexto escolar

O adoecimento mental de crianças e adolescentes

Aqui voltamos para a escola. Comecemos pelos jovens. A adolescência é um período de transformação em que há muitas mudanças físicas, emocionais e sociais. Ao entrar na puberdade, as alterações hormonais e morfológicas se intensificam. O adolescente enfrenta a necessidade de se redefinir em relação ao seu corpo (que se torna sexuado) e à sua identidade psíquica diante do seu meio social (Brito, 2011).

Leia mais: Inclusão escolar: como ficam os estudantes com transtornos mentais?

Isso por si só já é altamente estressante. Juntando essas mudanças às demandas da atualidade, tais como: pressão dos pais para ter mais autonomia e responsabilidades, preparação para o vestibular, aumento da dificuldade dos conteúdos escolares e influência esmagadora das redes sociais, principalmente em relação a rendimento, aparência física e “sucesso” a qualquer custo, como não adoecer?

Com as crianças não é muito diferente. Cada vez mais as telas têm tomado conta da vida das crianças, e elas têm interagido menos com o “mundo real”, só isso já causa alterações neurológicas que podem, a longo prazo, levar ao adoecimento mental. Mas, não tem só isso. Nem sempre os pais conseguem ser muito presentes, devido à necessidade de trabalhar, e além disso as crianças desde cedo precisam “se preparar” para o mundo, isso significa saber inglês, cuidar da saúde física, dominar as tecnologias e, se possível, destacar-se em algo frente às demais, pois o mundo atual é da competitividade e do empreendedorismo.

Em minha atuação como professora, já me deparei com crianças que tinham rotina diária de mais de 10 horas de atividades, de segunda a sábado. Aí vem a pergunta: e quando a criança pode ser criança? Um cérebro tão novo não deveria ser bombardeado por tantas demandas. Isso leva a uma coisa: estresse e adoecimento mental.

O adoecimento mental de educadores

E os professores, então? Como não se estressar diante de uma profissão que em nosso país não é valorizada? Diehl e Marin (2016) colocam que a profissão docente é considerada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como uma das mais estressantes “que leva a desgastes osteomusculares e transtornos mentais, como apatia, estresse, desesperança e desânimo” (Diehl e Marin, 2016, p. 65).

No dia a dia da escola, os professores enfrentam desafios homéricos, como salários baixos, falta de recursos, excesso de estudantes nas salas (muitos deles com deficiências, outros com questões comportamentais complexas), famílias disfuncionais e/ou ausentes. E, nem sempre, a gestão da escola é parceira dos educadores.

Temos que levar em consideração também a cobrança por rendimento, por cumprir o currículo, por “dar conta” do que o Ministério da Educação (MEC) solicita e do que os pais exigem. Em alguns locais, salários atrasam e, para muitos, ter jornada dupla, ou até mesmo tripla, é rotina; além do que, em certas localidades, o índice de violência na escola é altíssimo, deixando todos em constante estado de alerta.

Somado a isso, os educadores também têm sua vida particular com os desafios diários, às vezes com filhos para criar; sem contar as notícias do dia a dia em relação ao mundo: guerras, contexto político, aquecimento global etc. Diante desse cenário, não adoecer é um privilégio.

E não podemos esquecer que recentemente passamos por uma pandemia, que nos devastou emocionalmente, e a escola tem sentido as consequências disso até os dias atuais. Vazquez et al. (2022, p. 305) coloca:

Por se tratar da principal atividade da maioria dos jovens, a falta da escola afetou significativamente as relações de sociabilidade e as rotinas diárias por um longo período e de forma inédita, especialmente no Brasil, onde a suspensão das aulas começou em março e não foi retomada no ano letivo de 2020 na maioria das escolas públicas. Os jovens foram atingidos de forma duradoura pelo isolamento social, com rompimento de vínculos e interrupção das principais rotinas de estudo e lazer, em uma etapa da vida na qual as atividades sociais são mais intensas e em que as fragilidades emocionais aumentam os riscos à saúde mental.

Então, frente a tantos fatores negativos, como a escola pode melhorar esse quadro de estresse?

O papel da escola no enfrentamento do estresse e adoecimento mental

A escola pode auxiliar no enfrentamento do estresse a partir de algumas medidas:

  • Discutir questões de saúde mental com o coletivo, sendo este: gestão, funcionários, educadores, estudantes e pais.
  • Trabalhar coletivamente como forma de ajudar a diminuir o estresse e evitar a sobrecarga, o silenciamento e o isolamento.
  • Tentar criar vínculo com as famílias para que elas atuem mais na escola junto aos educadores.
  • Gerenciar os conflitos interpessoais que acontecem dentro da escola, com o enfrentamento constante ao bullying e ao assédio moral.
  • Promover rodas de diálogos entre os estudantes para falarem de suas emoções, incentivando a comunicação não violenta e promovendo ações internas em prol do desenvolvimento da resiliência e da inteligência emocional, além de práticas como ginástica laboral, meditação ou mindfulness.
  • Ter espaços de escuta e acolhimento para os estudantes.
  • Ter uma política de bem-estar, promovendo espaços físicos de convivência que sejam agradáveis, limpos, com plantas naturais (na medida do possível).

A implementação dessas medidas pode transformar a escola em um ambiente mais acolhedor e saudável, onde todos os membros da comunidade escolar se sintam apoiados e valorizados. Dessa forma, a escola se torna um espaço onde o estresse é enfrentado de maneira proativa, permitindo que estudantes, educadores e famílias desenvolvam habilidades essenciais para lidar com os desafios da vida cotidiana dentro e fora da escola.

Para concluir: zelando pela saúde mental

Sabemos que o estresse é recorrente nos ambientes de ensino e, além de levar ao adoecimento, pode levar a comportamentos violentos e até tragédias, como as que temos visto com mais frequência nos noticiários, com os relatos de massacres em escolas e universidades.

Certamente, as propostas acima relatadas não vão resolver todos os problemas de adoecimento emocional na escola, mas já podem proporcionar uma melhora da qualidade de vida, e isso pode contribuir para a diminuição do estresse e para uma melhor manutenção da saúde mental.

De fato, é quase impossível vivermos na sociedade atual totalmente livres de estresse. As exigências da vida são imensas, e a velocidade em que temos que resolver os problemas é cada vez maior. Mas precisamos entender que o cérebro é um órgão que, apesar de incrível e adaptável, tem seus limites e não foi feito para trabalhar 24 horas por dia.

Por isso, a escola, que é uma das grandes instituições sociais responsáveis pelo aprendizado, precisa ser um ambiente saudável e zelar pela saúde mental de todos. Só assim o aprendizado será, realmente, significativo.

Minicurrículo da autora

Profa. Dra. Viviane Louro é pianista, educadora musical e neurocientista. Atua como docente do Departamento de Música da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde, além de lecionar, coordena os seguintes projetos: Programa para Saúde Mental dos Estudantes de Música (Probem) do Centro de Artes e Comunicação (CAC); Liga Acadêmica de Neurociências Aplicada (Liana); Especialização em Neurociências, Música e Inclusão; e Comissão de Humanização e Saúde Mental da UFPE. É autora de 8 livros na área de Educação Musical Inclusiva e palestrante sobre as áreas de Neurociências da Música, Psicomotricidade e Música e Educação Musical Inclusiva. Atualmente, está se especializando em Criminal Profile e Psicologia Investigativa.

Referências

BRITO, Isabel. Ansiedade e depressão na adolescência. Revista Portuguesa de Clínica Geral, v. 27, n. 2, p. 208-214, 2011. 

DIEHL, L.; MARIN, A. H. Adoecimento mental em professores brasileiros: revisão sistemática da literatura. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, v. 7, n. 2, p. 64-85, 2016.  

JOCA, Sâmia et al. Estresse, depressão e hipocampo. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 25, Supl. II, p. 46-51, 2003. 

LENT, Roberto. Cem bilhões de neurônios?: conceitos fundamentais de neurociências. 2. ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2010. 

LOURO, Viviane; LOURO, Fabiana; DUARTE, Plínio. O estresse gerado pela pandemia como risco para adoecimento mental e físico do músico a partir das neurociências cognitivas. Revista Música, v. 20, n. 2 – Dossiê Música em Quarentena, Universidade de São Paulo, dezembro de 2020. 

MACHADO, et al. Síndrome de burnout: uma reflexão sobre a saúde mental do educador. Revista Transformar, 7. ed., p. 257-272, 2015. 

MANGOLINI, V. I.; ANDRADE, L. H.; WANG, Y.-P. Epidemiologia dos transtornos de ansiedade em regiões do Brasil: uma revisão de literatura. Revista de Medicina, v. 98, n. 6, p. 415-422, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.1679-9836.v98i6p415-422

OMS. Mental health of adolescents, 2024. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/adolescent-mental-health

SELYE, Hans. The evolution of the stress concept: the originator of the concept traces its development from the discovery in 1936 of the alarm reaction to modern therapeutic applications of syntoxic and catatoxic hormones. American Scientist, Carolina do Norte, Estados Unidos, p. 692-699, dez. 1973. 

TENG, Chei T.; PAMPANELLI, Mariana. O suicídio no contexto psiquiátrico. Revista Brasileira de Psicologia, v. 2, n. 1, p. 41-51, Salvador, Bahia, 2015. 

VALLE, Luiza. Estresse e distúrbios do sono no desempenho de professores: saúde mental no trabalho. 2011. Tese (Doutorado em Psicologia) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. 

VÁZQUEZ, Daniel Arias et al. Vida sem escola e saúde mental dos estudantes de escolas públicas na pandemia de Covid-19. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 46, n. 133, p. 304-317, abril, 2022.

Notas de rodapé

  1. Confira em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/adolescent-mental-health↩︎
  2.  O termo burnout significa queimar↩︎

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