A gamificação da Educação é possível?

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Quando ouvimos falar de jogo, o que vem à nossa cabeça, algo bom ou ruim? E quando ouvimos falar de escola? O jogo normalmente nos remete à diversão, algo que nos motiva, mexe com nossas emoções; diferentemente do que acontece muitas vezes com a escola, que, infelizmente, em muitos casos, ainda se apresenta como um espaço de atividades chatas, distantes da realidade dos alunos..
Imaginemos agora o que pensam os jovens a respeito dessa comparação entre as palavras jogo e escola. Esses jovens tão envolvidos com telas, desafios, competições e que ficam entediados com cinco minutos longe de desafios digitais. São com esses jovens que muitos de nós lidamos nas escolas e com quem precisamos dialogar, mostrando a importância da aprendizagem, do trabalho em grupo, da concentração.
Mas, peraí… Eles precisam de todos esses elementos quando aceitam desafios nos jogos… Como podemos fazer, então, para levar essas características dos games para a escola?
Conversaremos sobre alguns caminhos para desmistificar de forma bastante clara o conceito de gamificação no nosso dia a dia. Sim, nosso dia a dia, pois estamos imersos na gamificação, e muitas vezes nem percebemos.
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Mas o que é a tal da gamificação?
Diferentemente do que muitos pensam, quando falamos em gamificação na Educação, não estamos tratando apenas do uso de jogos eletrônicos. Esse conceito nos traz a ideia de desafio, de cumprimento de metas para destravar recompensas, de aguçar a nossa vontade de sair de uma posição passiva, desinteressada, para uma mais ativa, em que tenhamos um objetivo a ser alcançado.
Na Gamificação, o jogo é deslocado da função de distração, tem seu conceito ressignificado e assume novo papel e importância na sociedade, uma vez que tem influência no desenvolvimento sensorial, psicomotor e cognitivo do indivíduo e precisa, neste contexto, ter seu papel exclusivo de distração repensado. (Navarro, 2013).
O trecho de Navarro é de 2013, ano em que não havia ainda esse boom de jogos em smartphones, e já tratava da gamificação como um recurso interessante no desenvolvimento de indivíduos. Ou seja, como já é quase um consenso na nossa sociedade, a escola precisa se reinventar como espaço de interação e de interesse entre os alunos e, pelo que parece, seguir ideias como a gamificação é um dos caminhos possíveis.
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Na Sociedade atual, os jogos de computador e videogames estão satisfazendo as genuínas necessidades humanas que o mundo real tem falhado em atender. Eles oferecem recompensas que a realidade não consegue dar. Eles nos ensinam, nos inspiram e nos envolvem de uma maneira pela qual a sociedade não consegue fazer. Eles estão nos unindo de maneira pela qual a sociedade não está. (McGonigal, 2012, p.3).
Também é interessante pensar em como a gamificação está presente em nosso dia a dia e, muitas vezes, nem percebemos. Quando vamos a uma loja e preenchemos um cartão fidelidade a cada compra para completá-lo e destravamos um brinde; quando buscamos cupons de desconto para alguma compra num site; quando respondemos a uma pesquisa de satisfação de uma loja para conquistar um brinde; quando compramos em determinada loja e recebemos cashback.
Todas essas são formas de gamificar nossa realidade e nos aproximar mais de determinados produtos, já que nos movem, nos incentivam a uma busca ativa que só ocorre graças às tais recompensas.
Seguindo essa mesma linha, vemos o aumento do interesse em jogos como Bets (apostas esportivas) e outros jogos eletrônicos do tipo “Tigrinho”. No caso das Bets, vemos uma gamificação direta da realidade, em que são feitas apostas em jogos de futebol e outras modalidades que acontecem na realidade (muitas vezes, até manipulados).
Os outros jogos eletrônicos de azar, como o chamado “Tigrinho”, apesar de não representarem apostas baseadas no mundo real, estão à mão, disponíveis nos celulares, e acabam fazendo o papel de preencher o vazio das pessoas em diversos momentos do seu dia, movendo sonhos, interesses e agindo de modo a dopá-las, acostumando-as a buscar recompensas e mais recompensas.
Se todos nós acabamos envolvidos na gamificação da realidade, se a todo momento estamos sendo manipulados de modo a buscar recompensas em tudo que fazemos, é possível manter esse sistema fora da escola? Será que, cada vez mais, é necessário manter a instituição escolar numa ilha fora da realidade?
A gamificação nas escolas é possível?
Todos nós que trabalhamos em sala de aula sabemos dos diversos problemas que enfrentamos em nosso dia a dia. Eles vão desde a falta de infraestrutura básica das instalações à falta de pessoal, ao desinteresse dos alunos, aos baixos salários. Mas, mesmo nesse contexto tão desafiador, sempre buscamos saídas.
Qual seria, então, a forma de mobilizar nossos alunos, tornando-os mais ativos, mais interessados em resolver os “problemas” propostos nas disciplinas da escola? Será que conseguimos inserir a educação no mundo real através da gamificação?
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Como disse no início deste texto, temos sempre a ideia de que o jogo está ligado ao prazer e a escola à obrigação. É habitual, quando damos uma aula diferente, mais interessante do que as “comuns”, ouvirmos de nossos alunos: “Professor, hoje não vai ter aula, não?”. Ou seja, a aula tradicional está definitivamente ligada a algo entediante, distante do prazer.
Isso nos faz pensar, então, que precisamos mudar esse paradigma e tornar as aulas muito mais desafiadoras, para que haja um “doping positivo”. Freire (2002, p. 82-83) (que não é o Paulo, rs.) afirma que “O jogo não deixa esquecer o que foi aprendido… faz a manutenção do que foi aprendido… faz com que o jogador se prepare para novos desafios”.
Quando gamificamos nossas aulas, seja eletronicamente ou não, exploramos uma multimodalidade que beneficia o aluno e tende a ser mais eficaz do que uma técnica com uma só forma de ensinar tal conteúdo. Quando tratamos de pessoas com necessidades específicas, isso é ainda mais importante (leia o artigo Educação inclusiva e multiculturalismo, aqui no blog E-docente).
Além disso, gamificar é, ainda, possibilitar que o aluno contribua com as aulas, levando novas perspectivas sobre aquilo que é trabalhado, tirando do professor a centralidade e a responsabilidade total sobre o material utilizado nas aulas. Conforme Orlandi (2018):
Propõe ainda a nova técnica [gamificação] que o estudante seja lançado a uma posição de absoluta atividade perante seu próprio aprendizado, o que poderá alçá-lo a uma posição de destaque em todo o processo. Já o professor poderá participar, acompanhar, direcionar o processo de aprendizagem, e ainda interagir com o grupo de forma a garantir a transferência e absorção do conhecimento, beneficiando-se também do processo, uma vez que deverão surgir interpretações e análises diferenciadas do contexto que ele mesmo apresentou. (Orlandi, 2018, p. 18).
O papel do professor também passa a ser outro nesse processo, sendo, agora, um mediador, incentivador da aprendizagem.
Os alunos, tão acostumados a serem aqueles que decidem seus próprios caminhos em meio às redes sociais e ao ambiente digital como um todo, passam agora também a essa atividade em sala de aula, buscando vencer desafios e se destacar entre os demais, tendo sua visão de mundo validada, diferentemente da metodologia em que existe o “certo ou errado” imposto pelo professor.
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Mais um ponto positivo do processo de gamificação é permitir ao aluno que siga tranquilamente no processo de tentativa de acertos por meio de hipóteses sem punições severas por conta dos erros. Nos jogos, principalmente eletrônicos, erros são comuns, toleráveis e bastam novas tentativas, novas criações de hipóteses para que se chegue ao objetivo traçado.
A escola precisa permitir que haja essa tranquilidade por parte do aluno, em saber que, se errar, é só apertar o botão e reiniciar para tentar novamente chegar ao acerto. Além disso, como no jogo eletrônico, ele pode conseguir “passar para próxima fase” por diversos caminhos, não apenas por um, traçado pelo professor/programador.
Mas como promover, então, a tal gamificação das aulas?
Como vimos, a gamificação é um conceito que vai além de criar jogos de interesse dos alunos, já que exige uma mudança de postura em relação ao conteúdo que é trabalhado em sala.
Então, é importante que criemos situações que permitam aos estudantes buscarem soluções para seus problemas e que esses problemas surjam por conta de uma curiosidade despertada.
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Claro, sei que, como professores, estamos desde sempre pesquisando formas de instigar essa curiosidade e, por isso, mesmo, muitas vezes nos frustramos com seu desinteresse. Mas, aqui, quanto mais tentarmos pensar na questão do prazer naquilo que fazem, nas recompensas que terão ao obterem êxito, mais próximos estaremos de levar o que o game tem de bom para as aulas.
Quando tratamos especificamente do uso de um jogo eletrônico na Educação, podemos citar como exemplo o Kahoot (https://kahoot.it/), que permite a criação rápida de questões de múltipla escolha a serem acessadas em tempo real por aparelhos eletrônicos, sejam celulares, tablets ou computadores.
É um jogo simples de se criar e que promove a competição entre os alunos participantes, já que os classifica em um ranking após responderem tais questões. Hoje em dia, o Kahoot conta com uma plataforma com diversos recursos, que permitem, inclusive, criar apresentações de slides interativas, o que gamifica até mesmo situações em que o público tradicionalmente se colocava de maneira mais passiva.
Alguns jogos criados inicialmente para o entretenimento, como o Minecraft, já têm suas versões educativas, devido ao seu potencial colaborativo e pedagógico. Trabalhos acadêmicos se proliferam investigando o uso desses recursos em sala de aula.
Para além desses exemplos eletrônicos, existem diversas maneiras de criar situações em sala que envolvam a postura mais ativa do alunado, levando conceitos da gamificação:
- promover enigmas que precisam ser descobertos individualmente ou em equipe;
- buscar por resoluções de problemas a partir de situações contextualizadas;
- desafiar sobre fatos que requeiram uma pesquisa;
- criar clubes de leitura, em que são trabalhadas e discutidas obras literárias de interesse dos alunos e criados rankings de páginas lidas (existem aplicativos que ajudam nessa contabilidade);
- elaborar ações voltadas à mudança da própria escola e da comunidade do entorno, as quais auxiliam enormemente no trabalho em equipe e na conscientização do uso de conceitos acadêmicos para aplicação no mundo real.
Ou seja, são inúmeras as possibilidades. Em relação às recompensas, cada professor deve definir quais as mais adequadas a cada público em cada contexto, mas elas sempre serão importantes para que todos estejam engajados nas tarefas.
Cuidados com a gamificação
Claro, precisamos ter em mente alguns cuidados ao implementarmos um conceito como a gamificação em nossas aulas. Como já sabemos, não existem soluções fáceis e que funcionem independentemente do contexto em que ocorram, por isso, é preciso que estejamos atentos e que tomemos atitudes como:
Não infantilizar o público – ao criarmos situações de gamificação, precisamos ter em mente qual o nosso público, quais são os seus interesses, qual o contexto em que vivem. Não adianta mudar o foco, sair do dito “tradicional”, rumo a algo que não os desafie ou pareça “bobo demais”.
Criar ambientes de competição saudável – um dos maiores incentivos em jogos, sejam eles eletrônicos ou não, é a ideia de competição, de conseguir conquistar algo que outro não conseguiu. Porém, em um ambiente educacional, tal disputa deve ser guiada de forma a não desincentivar os menos eficientes da vez. Situações de fracasso precisam ser trabalhadas cuidadosamente a fim de que o aluno busque suprir dificuldades encontradas no desenvolvimento da tarefa e crie caminhos mais eficazes de resolução.
Analisar o contexto para não ampliar abismos sociais – outro ponto ao qual precisamos estar atentos diz respeito a exigências de recursos para participar das atividades propostas. Analisar a situação de nossos alunos é fundamental para que não criemos constrangimentos nem situações em que um esteja em desvantagem em relação ao outro porque dispõe de menos recursos no desenvolvimento da tarefa. Orlandi (2018, p. 28) alerta:
A Gamificação pode fazer uso de plataformas novas e recursos caros, no entanto, pode significar também a simples aplicação de apenas alguns elementos multimodais de games nas atividades diárias de estudantes, instando-os ao saber, às novidades do conhecimento, à participação, ao engajamento, ao prazer em aprender.
Fase 3 – chegar ao fim do texto com clareza sobre o conceito de gamificação – em andamento
Conclusão
A busca pelo prazer é algo que move o ser humano desde seu surgimento. Não poderia ser diferente num momento em que nossos cérebros estão cada vez mais acostumados a serem satisfeitos com o “novo”.
Nossa pressa por ler a mais recente notificação do celular nos dá como recompensa o prazer de ser o primeiro a ter acesso àquela notícia ou àquela promoção. Passamos a ser personagens de jogos controlados por empresários que, com seus joysticks, guiam para que eles, não nós, conquistem cada vez mais moedas.
Conhecer o mapa do jogo e saber programá-lo da melhor forma é essencial para que nós, professores, passemos esses joysticks para as mãos dos nossos alunos, a fim de que eles mesmos controlem sua caminhada e busquem zerar o jogo da melhor forma possível, que é aquela que ele escolher, sem predeterminações, sem pré-programações impostas, com regras claras e justas, que incluam, em vez de excluir, novos personagens nesse grande game.
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Minicurrículo do autor
Tiago da Silva Ribeiro é professor do Magistério Superior no Instituto Nacional de Educação de Surdos nas disciplinas de Língua Portuguesa e Tecnologias da Informação e Comunicação. Tem experiência em turmas do Ensino Fundamental e Médio, além de já ter atuado na modalidade on-line como mediador, orientador de trabalhos finais de curso, desenhista educacional, professor-autor e coordenador de curso. Seu Doutorado em Letras é pela PUC-Rio e teve como tema de trabalho o Internetês. Transita entre o lúdico e a seriedade, já que ambas são necessárias tanto no momento de lazer quanto no de trabalho.
Referências
FREIRE, J. B. O Jogo: entre o riso e o choro, Campinas, SP: Autores Associados (Coleção educação física e esportes), 2002.
McGONIGAL, J. Realidade em jogo: por que os games nos tornam melhores e como eles podem mudar o mundo. Rio de Janeiro: Best Seller, 2012.
NAVARRO, G. Gamificação: a transformação do conceito do termo jogo no contexto da pós-modernidade. Trabalho de conclusão do Curso de Especialização (lato sensu) em Mídia, Informação e Cultura. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
ORLANDI, Tomás Roberto Cotta et al. Gamificação: uma nova abordagem multimodal para a educação, Biblios, n. 70, 2018. Disponível em: http://www.scielo.org.pe/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1562-47302018000100017. Acesso em: 26 nov. 2024.
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