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Ciência na Educação Infantil: Como Despertar a Curiosidade Científica nas Crianças

3 de setembro de 2025,
E-docente
Ciência na educação infantil

Antes de ler este artigo sobre ciência na educação infantil, feche os olhos e imagine um cientista. Qual é a imagem que surge na sua mente? É provável que ela não seja muito diferente do que a maioria das pessoas pensa.

O estereótipo do cientista mais amplamente difundido na sociedade – sobretudo entre crianças e adolescentes – é a imagem de um homem, branco, usando óculos e um jaleco, geralmente meio “amalucado” em meio a laboratórios e materiais diversos. A ideia de “cientista maluco”, bastante conhecida, associa-se, nesse perfil, aos preceitos de uma sociedade estruturalmente racista e patriarcal, que atribui aos homens brancos o domínio das diversas esferas do saber.

Pode ser que o cientista imaginado por você se encaixe, total ou parcialmente, nesse perfil. Se a mesma tarefa fosse solicitada a seus estudantes, a probabilidade de criação de uma imagem assim seria ainda maior! Explorar a ciência e o fazer científico na educação infantil é fundamental para desconstruir esse paradigma e promover uma sociedade mais justa, com igualdade de oportunidades para todas e todos.

O que é Ciência na Educação Infantil?

Quando se fala em ciência na educação infantil, é comum que educadores e familiares das crianças pensem, a priori, em conteúdos supostamente “fáceis de serem ensinados” a crianças pequenas: o corpo humano. Os animais. As plantas. Noções de higiene pessoal. Elementos naturais que nos rodeiam. Preservação do meio ambiente.

Leia mais: Quando a literatura e a brincadeira se entrelaçam na escola de Educação Infantil 

Esses e outros temas similares são tradicionalmente encontrados em currículos da Educação Infantil desenvolvidos no Brasil nas últimas décadas. Mas, para além disso, é preciso considerar que fazer ciência equivale a desenvolver um pensamento científico, um olhar curioso e crítico sobre o mundo. Especificamente no campo das ciências naturais, significa observar os elementos e fenômenos naturais do mundo com uma perspectiva investigativa, questionando-se acerca de sua existência e funcionamento, levantando hipóteses, testando-as e comprovando-as com os dados da realidade.

Em outras palavras, estudar e produzir ciência se refere mais ao desenvolvimento de procedimentos do que à memorização de fatos e caracterizações de objetos.

Transpondo-se essa ideia para a Educação Infantil, é possível deduzir que, mais do que analisar exaustivamente características do ambiente natural, o que importa é criar, na escola, um ambiente onde as crianças possam experimentar procedimentos científicos com liberdade, desenvolvendo seu próprio pensar e fazer científicos.

Articulando-se esse princípio aos campos de experiência de que fala a Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017), pode-se afirmar que a ciência a ser ensinada na Educação Infantil é a vivência de experiências que promovam a curiosidade das crianças. A partir dessa curiosidade, a experimentação de procedimentos como observação atenta, levantamento e testagem de hipóteses, análise de resultados e registro do processo colaborarão para um ensino da ciência bastante eficaz neste segmento.

Leia mais: Inteligência Artificial na Educação: Uma conversa sobre o tema na Live da Saber

Ciência na Educação Infantil: É para Crianças Pequenas?

Associar os procedimentos científicos aqui listados ao trabalho pedagógico a ser desenvolvido com crianças pequenas pode causar certo estranhamento. Afinal, o senso comum atribui somente a adultos com alto grau de instrução a prerrogativa de poder produzir e vivenciar a ciência em suas diversas faces.

Entretanto, diferentes autores comprovam que a ciência pode, sim, estar associada ao trabalho pedagógico na Educação Infantil. Ainda nas primeiras décadas do século XX, Décroly (1929), ao mencionar os “centros de interesse” das crianças pequenas, já incluía, entre eles, o mundo animal, o mundo vegetal, o mundo geográfico e o universo, ou seja, campos reconhecidamente estudados pela ciência por diferentes vieses.

Leia mais: Experimentos científicos para fundamentar a teoria ou iniciar a teoria? E aí, professor?

Recentemente no Brasil, Marques e Marandino (2019), ao desenvolverem uma pesquisa que observava crianças pequenas em uma brinquedoteca, brincando em um canto que simbolizava um hospital – tendo mobília e equipamentos específicos deste universo, tais como microscópio, esqueleto, remédios, imagens de raio-X etc. – observaram aproximações entre os pequenos e os elementos da cultura científica. A brincadeira simbólica permitia às crianças entrarem em contato com termos, conceitos e representações próprias da ciência, além de ficarem evidentes as conexões estabelecidas por elas entre aspectos diversos da ciência e tecnologia e suas vidas cotidianas.

Sasseron (2015), por sua vez, considera a viabilidade de um ensino por investigação na Educação Infantil, desde que os professores possam atrelar esse ensino a ações e processos investigativos. Mais que um método de ensino, segundo o autor, é preciso desenvolver uma abordagem didática por meio da qual os pequenos estudantes possam observar, resolver problemas e construir explicações a respeito de fenômenos variados, produzindo registros – muitas vezes não convencionais – que possibilitem a geração de dados para construção de evidências.

Santiago (2019, p. 44) é ainda mais específica ao explicitar a possibilidade do trabalho com ciência na educação infantil:

[…] pode ter início, por exemplo, na escolha do tema para pesquisa. De modo geral, aspectos das Ciências Naturais (seres vivos e fenômenos) despertam a curiosidade e engajamento das crianças em querer saber mais. Alguns caminhos para favorecer a participação ativa seriam: convidá-las a fotografar elementos da natureza pela escola e seu entorno e, com base nesses registros, elaborar perguntas; envolvê-las no cuidado de pequenos animais na escola (como minhocas, por exemplo) e estruturar uma pesquisa a partir das observações dos mesmos; introduzi-las na seleção de fontes relevantes para obter informações referentes à pesquisa, de forma que consigam distinguir e selecionar os materiais necessários.

Dessa forma, é possível constatar que já existem, na literatura sobre o assunto, bases suficientes para se afirmar que ciência é coisa de criança, sim!

O Papel da Curiosidade na Alfabetização Científica e a Ciência na Educação Infantil

Dois aspectos contribuem de forma contundente para a produção de curiosidades científicas na educação infantil. Por um lado, há a curiosidade natural das crianças pelo mundo e tudo que o constitui. Compreender melhor a existência, as características e o funcionamento de elementos e fenômenos naturais é algo que as motiva e envolve. Compreender e poder explicar, ainda que de forma sucinta, curiosidades que não estão à vista de todos é, para crianças pequenas, motivo de orgulho e alegria.

Leia mais: A Importância da Professora de Educação Infantil

Por outro lado, sabe-se que, dentre todos os procedimentos científicos a serem aprendidos, o registro figura como essencial. Afinal, é importante, na produção da ciência, que todas as etapas sejam documentadas, bem como as conclusões a que se chega. No caso de crianças pequenas, esse registro pode ser feito de forma não convencional, como por meio de desenhos ou esquemas, mas também pode ser adotada a escrita convencional como forma de registro, usando-se a situação didática fundamental de escrita pelo professor (situação em que as crianças elaboram um texto coletivamente e o ditam ao professor, que age como escriba).

Nesse contexto, os textos do tipo “Você sabia?” são um bom modelo de curiosidades científicas. Proporcionar às crianças situações em que possam observar, propor questões, levantar hipóteses, testá-las, buscar fontes de pesquisa e chegar a conclusões é o primeiro passo dessa proposta. Depois disso, é hora de registrar o que se descobriu: uma roda de conversa pode ser uma boa estratégia para sistematizar os conhecimentos construídos pelos pequenos.

Tendo evidenciado a “curiosidade científica”, é o momento de registrá-la. Criar um propósito comunicativo para essa escrita é fundamental. O professor pode, por exemplo, propor a criação de um “Mural de Curiosidades Científicas” em espaços comuns da escola, a fim de compartilhar com outras turmas as descobertas realizadas. Ou pode sugerir a construção de um pequeno livro a ser entregue às famílias, reunindo uma coletânea dessas descobertas. Pode, ainda, convidar os estudantes a uma exposição oral e, para isso, será preciso registrar as descobertas realizadas. A partir dessas ou de outras sugestões, a proposta pedagógica está feita: as crianças redigirão, por meio do professor, as curiosidades científicas.

Como Criar um Projeto de Ciência na Educação Infantil

Curiosidades científicas podem ser expressas em variados gêneros textuais. A sugestão que aqui se faz é trabalhar com um gênero próximo aos verbetes de enciclopédia, pequenas definições com as descobertas científicas realizadas.

Para facilitar a construção, o professor pode propor sempre o título “Você sabia?” para os verbetes. É fundamental, antes de propor a escrita, que as crianças possam ter lido textos desse tipo, a fim de terem um repertório já constituído. Em seguida, é a hora de escreverem: a proposta é que, em um pequeno parágrafo, sejam sintetizadas as descobertas realizadas, de modo a compartilhar as curiosidades científicas com outros interlocutores.

Em uma proposta desse tipo, a ciência é, de fato, colocada ao alcance das crianças. Afinal, é a oportunidade que os pequenos têm de, ainda na educação infantil, construírem conhecimentos procedimentais não apenas oriundos das ciências naturais, mas também aqueles vinculados à leitura e à escrita, por meio da vivência prática de comportamentos leitores e escritores comumente encontrados nas práticas sociais de escrita. A ciência na educação infantil é o caminho para formar pensadores críticos e curiosos desde cedo.

Referências

  • BRASIL, Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: SEB/MEC, 2017.
  • DÉCROLY, O. (1929). La función de globalización y la enseñanza y otros ensayos. Madrid: Biblioteca Nueva, 2006.
  • MARQUES, A.; MARANDINO, M. Alfabetização científica, criança e espaços de educação não formal: diálogos possíveis. In: Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 44, el 70831, 2018.
  • SANTIAGO, M. Um olhar para a alfabetização científica nos contextos da Educação Infantil. In: VIDAL, E.; QUINTAS, L. A infância na escola: reflexões sobre Educação Infantil. Santos: Pluralidade Singular, 2019.
  • SASSERON, L. H. Ensino por investigação e argumentação: relações entre ciências da natureza e escola. In: Revista Ensaio, Belo Horizonte, v. 17, nº. especial, p. 49-67, 2015.

Minibio do autor

Elaine Cristina R. G. Vidal atua como professora nos cursos de graduação e pós-graduação na Faculdade de Educação da USP. Ela é graduada em Letras pela USP e em Pedagogia pela Universidade Metodista/SP. Concluiu especializações em Alfabetização: relações entre o ensino e a aprendizagem (ISE Vera Cruz) e Ética, valores e cidadania na escola (Univesp), além de ter mestrado e doutorado em Psicologia, Linguagem e Educação, também pela FEUSP.

É autora dos livros Projetos didáticos em salas de alfabetização (2014), Literatura e crianças: um encontro necessário (2019) e A infância na escola: reflexões sobre Educação Infantil (2023). Sua vasta trajetória profissional inclui a atuação como professora e gestora em todos os níveis da Educação Básica e no Ensino Superior, além de ter sido editora no Núcleo de Produção de Conteúdo e Formação da Saber Educação.

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