O esgotamento profissional (Burnout) em professores: causas, sinais e estratégias de prevenção

Este artigo trata da importância de cuidar da saúde mental dos educadores e de promover um ambiente de trabalho mais saudável e sustentável. Mas, antes de chegarmos ao cerne da discussão sobre o tema de burnout na educação, observe bem esta história:
O céu ainda está escuro e o horizonte mostra uma neblina que não nos permite enxergar muito longe. Marta, mais uma vez, acorda às cinco horas da manhã, ao despertar do alarme de seu celular. Ela aperta o botão de adiar e fica mais alguns minutos ali, deitada, esperançosa de que seu cansaço seja engolido por aquele diminuto intervalo. Não tem jeito… Com muito zelo, vai até a cozinha, prepara seu café, passa manteiga em um pão adormecido (mais do que ela) e desjejua. Quando olha a hora, percebe que tem de correr, porque ainda não preparou o lanche de sua filha, não separou a roupa da escola da menina, nem pegou os materiais que preparou para as aulas das duas escolas em que trabalha, que planejou até meia-noite. Faz tudo isso correndo. Acorda sua filha, que se recusa a levantar, mal-humorada, mas Marta não tem tempo para reclamações. A menina coloca o uniforme, come uma maçã, as duas pegam suas coisas e vão correndo até o carro, que está fazendo um barulho na roda, problema que Marta ainda não teve di$ponibilidade pra arrumar. Depois de enfrentar aquele trânsito caótico de todo dia, a professora deixa a menina na escola e parte para o seu trabalho, pensando que não pode se esquecer de marcar a consulta com o cardiologista, sempre postergada porque ela não tem tempo. Chega dez minutos atrasada e já enfrenta a expressão enraivada da diretora, que a cumprimenta e olha para o relógio do celular. Chega à sala depois de planejar com capricho e cuidado toda a sua aula, mas encontra alunos desinteressados, alguns brigando e outros mexendo no celular. Apesar das advertências, nada muda. Marta senta em sua cadeira depois de dar a sua aula da forma mais básica possível, e aguarda a hora passar. Ao encontrar os outros professores no intervalo, ouve reclamações, lamentações, posições políticas truculentas que não parecem sair da boca de profissionais da Educação. O ambiente, que deveria servir para o seu descanso, mesmo que momentâneo, acaba deixando-a mais exausta. A segunda parte daquela manhã, na turma que é “um pouco mais tranquila”, não é muito diferente. Marta, mesmo após beber muitas doses de café, já está desanimada. E ainda falta toda a tarde em outra escola. Depois de a coordenadora pará-la na saída para falar sobre planejamento, ela percebe que não tem tempo de almoçar e sai correndo pra outra escola, que fica em outra cidade. Dirigindo, ela compra um biscoito e uma lata de refrigerante com um ambulante para ir comendo no trânsito, já que o tempo é escasso. Ao mesmo tempo, liga para a filha para ver se chegou bem à casa de sua mãe depois de ir no transporte escolar. À tarde, então, ela se arrasta ainda mais em salas de aula com alunos que estão mais preocupados em fazer a nova dancinha do Tiktok do que em aprender qualquer coisa. Ela olha pela janela e vê a chuva cair. Quando sai da escola, não abre o guarda-chuva, pois, assim, as lágrimas de seu rosto podem ser camufladas pela água que vem do céu. Antes de ir para casa, passa no mercado para comprar os ingredientes da janta, que ainda vai preparar quando chegar. Enfrenta filas e, na hora de pagar, percebe que entrou no cheque especial, pois, mais uma vez, o salário não chegou até o fim do mês. Vai pra casa, prepara a comida e todos jantam, seu esposo, sua filha e ela, cada um com seu celular na mão, por isso, pouco conversam. Mas sua filha propõe de passearem no final de semana, pois ela está há um tempo querendo ir ao cinema e depois lanchar no shopping. Marta diz que, nesse fim de semana, não poderão ir, pois ela terá de colocar em dia correções de uma avaliação que três turmas realizaram. A diretora já está pressionando para entregar a pauta e colocar as notas no sistema. À mesa, acaba de se lembrar que, mais uma vez, não marcou o médico. Depois, vai lavar a louça, coloca a filha para dormir (já que seu esposo está assistindo ao futebol na TV), e, finalmente, consegue ir tomar um banho. Ainda é segunda-feira, mas parece que já foi destroçada pelo cansaço de uma semana inteirinha. Ao se deitar para dormir, Marta fica pensando em tudo que terá de fazer no dia seguinte, por isso sua cabeça fica agitada e, apesar de seu corpo estar exausto, com dores em diversas partes, não consegue pegar no sono. Levanta-se e recorre ao seu Rivotril, cujo vidrinho já está quase vazio. Olha para o relógio a todo o momento, vendo o tempo passar e seu sono não chegar. O ronco do seu marido, já deitado após o jogo de futebol, também não contribui. Finalmente, por volta das duas da manhã, consegue dormir. Sono que durará apenas três horas até que ela reinicie sua rotina implacável.
Muito provavelmente a leitura dessa história até aqui, sem pausas, em um único bloco de texto, está sendo cansativa para você. Mas, para ser fiel à história de Marta, que reflete a vida de vários professores no Brasil, essas palavras precisavam vir assim, amontoadas, sem espaços, pois assim é o dia dela.
Burnout na educação: impedindo que a ficção vire realidade
Esses professores e professoras representados trabalham pelo Brasil e vivem sob pressão constante, sem espaços adequados para recuperação. Os meus artigos Saúde mental no trabalho da docência: em busca do equilíbrio – e-docente e Qualidade de vida no trabalho do professor: novos caminhos – e-docente destacam importantes pontos aos quais precisamos estar atentos e servem como uma extensão para este texto.
Para iniciarmos nossos destaques, trago um trecho do trabalho de Silva (2018, p. 4):
Os profissionais de ensino estão mais expostos a ambientes conflitivos e de exigências no trabalho, tais como tarefas extraclasses, reuniões e atividades adicionais, problemas com alunos que chegam a ameaças verbais e físicas, pressão do tempo, relacionamento tenso com os pais, a falta de espírito de equipe que gera um clima negativo, prejudicando o ambiente de trabalho, a pouca possibilidade de crescimento na carreira e os salários defasados. Quando os estressores superam a capacidade do indivíduo em gerenciá-los, pode resultar em sobrecarga, desmotivação e consequências graves como burnout.
Esse último termo origina-se do verbo inglês to burn out que remete queimar-se por completo, consumir-se. É uma doença característica do trabalho resultante do esgotamento, da decepção e da perda do interesse pelas atividades profissionais com que lidam direta ou indiretamente com pessoas. Caracteriza-se por três dimensões: exaustão emocional (EE), despersonificação (DE) e redução da realização pessoal (RP). A patologia pode incluir em sua definição: comportamentos de incapacidade de envolvimento emocional; pouca realização profissional; depressão; irritabilidade; comportamento frio e impessoal; e comprometimento da realização das atividades do trabalho.
Acredito que você, que me lê, já tenha se sentido assim, como a personagem de nossa pequena crônica. Ou, pelo menos, conheça alguém no meio da Educação que tenha passado por uma dessas situações.
A carga de trabalho excessiva, a pressão por resultados, a indisciplina e os confrontos na sala de aula, a falta de recursos e de apoio institucional, a baixa valorização social e salarial trazem, como consequência, sintomas claros na rotina de Marta (nossa personagem nem tão fictícia assim), como:
- cansaço extremo, dores pelo corpo, insônia (“não consegue pegar no sono”; “sono que durará apenas três horas”);
- desmotivação, apatia e irritabilidade – Marta vai dar as aulas “da forma mais básica possível”, sem energia, e sente-se exausta mesmo após café;
- isolamento (“não abre o guarda-chuva para que as lágrimas sejam camufladas”), procrastinação e uso de medicamentos (Rivotril) para dormir, estratégias que indicam que o Burnout está em estágio avançado.
Ainda hoje, a saúde mental acaba sendo negligenciada pela população em geral. Eu, mesmo, conheci algumas professoras que perderam suas vidas por “não terem tempo de se cuidar”, inundadas por tarefas “inadiáveis”. É de extrema importância que façamos algo para evitar chegarmos ao ponto extremo da doença, reconhecendo e combatendo os sintomas e, mais do que isso, desenvolvendo ações preventivas.
Estratégias de prevenção e enfrentamento
Por mais que saibamos que a rotina não é simples de ser modificada, é urgente encontrarmos caminhos, tanto no nível individual quanto no institucional, para evitar o esgotamento. Como aqui temos a intenção de trazer dicas claras, vamos direto ao ponto:
No nível individual
- Estabelecer limites saudáveis: focar no valor do trabalho e buscar melhores modos de atuar como formas de combater o estresse ocupacional. Marta poderia, por exemplo, delimitar horários definidos para planejamento e correção, sem extrapolar outras atividades em sua casa.
- Praticar atividades físicas e de lazer: deixar de priorizar o lazer intensifica os estágios iniciais do Burnout. Pequenos rituais relaxantes ou exercícios poderiam ajudar Marta a recuperar energia.
- Procurar apoio psicológico: a Organização Mundial de Saúde (OMS) reforça que evitar a automedicação e buscar suporte profissional são atitudes essenciais para prevenir o agravamento do Burnout.
- Desenvolver redes de apoio entre colegas: sentir-se compreendido e ouvido por outros docentes ajuda a aliviar o fardo emocional, algo que Marta não experimenta no intervalo, onde as conversas apenas intensificam o desgaste. Buscar pares, mesmo que seja on-line, pode ajudar a reduzir a ansiedade que leva ao Burnout.
Destaco aqui: sei que não é simples, pois não vemos brechas no nosso dia (nem na nossa conta bancária) que permitam essas saídas. Porém, de alguma maneira, precisamos parar e fazer uma pequena autorrevolução, antes que seja tarde.
No nível institucional
Se, no nível individual, as ações já não são fáceis de serem implementadas, sabemos que no institucional é ainda mais difícil. Mas precisamos indicar caminhos possíveis a serem perseguidos:
- Formação continuada com foco no bem-estar: buscar aperfeiçoamentos que sejam prazerosos, a fim de termos momentos de satisfação profissional e pessoal (cursos on-line são possibilidades).
- Espaços de escuta e valorização do professor: pressionar a instituição para a criação de espaços de conversas adequadas com lideranças – sobre bom trabalho, obstáculos e necessidades – fortalece a autoeficácia e reduz o Burnout.
- Busca constante por melhores condições de trabalho, visando ao fortalecimento de políticas públicas de valorização docente: seja em instituições públicas ou privadas, a busca constante por melhorias é essencial para que saiamos da estagnação profissional que leva nossa classe a ser uma das menos valorizadas na sociedade no que diz respeito à remuneração e às condições de trabalho. Investir em trocas sindicais, usando redes sociais e mantendo conversas com as empresas nas quais trabalhamos são caminhos necessários. Também como destacam Machado, Cardoso e Guilherme (2024, p. 15):
Debater as condições relacionadas à valorização docente e reconhecer a sua realidade ocupacional é extremamente necessário para assegurar condições dignas de trabalho, uma vez que a docência é considerada uma ocupação de risco. É importante prevenir o mal-estar docente e promover e garantir o bem-estar docente, visando o aprimoramento na qualidade de vida, a remuneração justa diante da função exercida, bem como melhorias no ambiente educacional e diminuição da sobrecarga no trabalho, buscando, assim, a promoção de saúde física e psicológica. Ressaltamos a necessidade das autoridades e governos se preocuparem em incluir a participação de docentes na construção das mudanças necessárias na educação básica, uma vez que os professores são os principais atores e executores dessas mudanças.
Marta e eu: novas páginas a serem escritas
A história de Marta pode nos ensinar que cuidar da saúde mental e emocional dos educadores não é um luxo, mas condição básica para que tenhamos mais qualidade na Educação. Valorizar o professor pessoal e profissionalmente é um ato político, ético e profissional, que traz ganhos para todos os lados. Cuidar dos professores é cuidar da Educação.
Portanto, o convite à ação coletiva se impõe: professores, instituições e sociedade devem investir em políticas e práticas que protejam o docente da exaustão crônica. Só assim será possível garantir que a sala de aula não se torne palco de esgotamento, mas de esperança e construção de futuros. Precisamos deixar de ser personagens para passarmos a ser autores.
Referências
SILVA, Jorge Luiz Lima da et al. Prevalência da síndrome de Burnout entre professores da Escola Estadual em Niterói, Brasil. Enfermería Actual de Costa Rica, San José, n. 34, p. 14-25, jun. 2018. Disponível em: https://enfispo.es/servlet/articulo?codigo=6259735. Acesso em 15 ago. 2025.
MACHADO, Fabiana Ferreira; CARDOSO, Nicolas de Oliveira; GUILHERME, Alexandre Anselmo. Burnout e engagement em professoras do Ensino Médio de escola pública no Brasil. Educação e Pesquisa, [S. l.], v. 50, 2024. Disponível em: https://revistas.usp.br/ep/article/view/231355. Acesso em: 15 ago. 2025.
Minicurrículo
Tiago da Silva Ribeiro é professor do curso de Pedagogia do Instituto Nacional de Educação de Surdos nas disciplinas de Língua Portuguesa e Tecnologias da Informação e Comunicação. Tem experiência em turmas do Ensino Fundamental e Médio, além de já ter atuado na modalidade on-line como mediador, orientador de trabalhos finais de curso, desenhista educacional, professor-autor e coordenador de curso. Seu Doutorado em Letras é pela PUC-Rio e teve como tema de trabalho o Internetês. Tenta estabelecer uma rotina mais leve a cada dia e não se pressionar quando não consegue obter êxito, pois as pressões existentes já são suficientes.
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