O trabalho com nomes próprios na alfabetização inicial

Atualmente, o trabalho com os nomes próprios constitui ponto de partida da proposta pedagógica de turmas de alfabetização, mesmo quando essas propostas se ancoram em diferentes abordagens.
É praticamente um consenso, entre professores alfabetizadores, a ideia de que os nomes dos estudantes, por sua carga emocional e relevância social, são um material adequado para se introduzir as primeiras reflexões sobre a escrita.
De fato, quando se analisa a história da escrita (Chartier, 2003), é possível constatar que o homem começou a produzir escrita a partir da necessidade de identificar a si próprio e a seus pertences. Isso ocorre também com a criança: aprender a escrever o próprio nome permite a ela reafirmar sua identidade, identificar seus pertences e “deixar a sua marca” nos contextos por onde circula.
Para o adulto que se alfabetiza, essa aprendizagem permite, entre outras coisas, que assine seus próprios documentos, o que o coloca em um status social bastante diferente daqueles que precisam usar a impressão digital para identificação.
Para além do aprendizado de como escrever o próprio nome, porém, as crianças e adultos em fase de alfabetização podem construir muitas outras aprendizagens quando este trabalho é desenvolvido. Este é o assunto de que trataremos neste texto.
Leitura e escrita do próprio nome e suas aprendizagens
Aprender a escrever o próprio nome traz, como já afirmado, novas possibilidades ao sujeito. Até a década de 1960, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) considerava alfabetizadas as pessoas que eram capazes de fazê-lo.
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A partir daí, as novas demandas sociais fizeram com que o Instituto adotasse novos critérios, pois apenas saber escrever o próprio nome já não bastava para transitar com desenvoltura em uma sociedade grafocêntrica. Passou-se a adotar, então, o critério usado até hoje: no Brasil, é considerado alfabetizado o sujeito capaz de ler e escrever um bilhete simples. (Kleiman, 1995). É possível notar como, até na identificação de uma pessoa alfabetizada, a escrita é concebida no contexto de suas práticas sociais.
Considerando esse contexto social da escrita, aquele que sabe escrever o próprio nome pode assinar documentos, cartas ou cartões, identificar seus pertences, preencher formulários, inscrever-se em atividades ou brincadeiras, etiquetar seus materiais, participar de sorteios, votar e ser votado, sendo essa, portanto, uma habilidade essencial para uma boa convivência em sociedade.
Já quando se pensa nos aspectos relacionados ao sistema de escrita, o trabalho com os nomes próprios pode gerar outras aprendizagens. Por meio não apenas da escrita, mas também da leitura de seu nome, adultos e crianças em processo de alfabetização podem identificar que são necessários símbolos específicos para escrever: as letras.
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Podem também notar que cada nome tem uma quantidade de letras diferentes. Podem constatar que, toda vez que seu nome é escrito, ele aparece com as mesmas letras e na mesma ordem (essa característica de estabilidade da escrita não é tão perceptível nas fases muito iniciais da alfabetização). Podem perceber o sentido e a orientação da escrita: sempre da esquerda para a direita, de cima para baixo.
O trabalho com os nomes próprios em sala de aula
O trabalho com nomes próprios é tão potente que ele não pode se limitar à aprendizagem da leitura e da escrita do próprio nome. É preciso trabalhar, com as turmas de alfabetização, com a lista de nomes completa da turma. Esse trabalho é importante porque gera alguns aprendizados essenciais. Visualizando uma lista com vários nomes, é possível à criança ou ao adulto perceber que:
- Nomes diferentes têm quantidades de letras diferentes.
- Em alguns casos, as mesmas letras podem se repetir em nomes diferentes, mas em outras posições e combinadas a outras letras.
- Nomes iguais são escritos da mesma forma, ainda que representem pessoas diferentes (isso não é óbvio para quem ainda não passou pelo processo de fonetização da escrita e, portanto, relaciona a representação escrita ao “objeto” que ela representa, e não ao seu nome).
- Nomes cujas iniciais são iguais começam da mesma forma também na oralidade.
- Nomes que terminam da mesma forma são nomes que rimam.
- A lista de nomes constitui uma boa fonte de consulta para se escrever outras palavras quaisquer.
A lista de nomes compondo o ambiente alfabetizador
Muito se fala, atualmente, sobre “ambiente alfabetizador”. Há quem imagine que, para tornar uma sala de aula um ambiente alfabetizador, basta encher as paredes de escritas diversas (muitas vezes, gerando até uma poluição visual). Esse é um grande equívoco. O ambiente alfabetizador é, na verdade, um ambiente em que existem alguns materiais escritos e um professor que convida os estudantes a fazer, desses materiais, uma fonte de consulta para quando precisam escrever (Cuter, 2008).
Partindo dessa perspectiva, a lista de nomes da turma é um material privilegiado para servir como fonte de consulta. Dada a importância que os nomes próprios têm, os vínculos que os estudantes estabelecem entre si e a utilidade prática da lista (que pode servir também para, por exemplo, checar quem são os estudantes presentes e ausentes a cada dia), ela é um suporte muito presente no dia a dia, e que pode oferecer muitas informações para quem está se aproximando da compreensão do sistema de escrita alfabética.
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Para que a lista possa ser usada dessa forma, porém, é essencial que o professor esteja atento, para convidar os estudantes a esse uso.
Para um estudante que possui um baixo repertório de letras, por exemplo, ou que ainda mistura letras e números, o professor pode convidá-lo a checar, na lista de nomes, se existem outras letras que poderiam ser utilizadas, como elas são traçadas, e se aparecem símbolos como os que ele utilizou (no caso em que o estudante tiver usado números em sua escrita).
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Já para aquele que ainda não tem um controle quantitativo da escrita, usando quantidade semelhante de letras em palavras diferentes, o professor pode solicitar que ele observe, na lista, qual é o nome maior, qual é o menor, quantas letras cada nome tem, a fim de que ele perceba essa variação.
Os estudantes que ainda não passaram pelo processo de fonetização da escrita tendem a achar que a escrita, tal como o desenho, é uma representação direta de seu significado, não estabelecendo relações entre o que se escreve e o que se fala.
Nesses casos, o professor pode chamar a atenção para a escrita de nomes iguais (perguntando por que a escrita é igual, já que se tratam de pessoas diferentes); pode também pedir que o estudante compare nomes que começam ou terminam do mesmo jeito, indagando-lhe o motivo de serem usadas as mesmas letras no início e no final.
Pode, ainda, pedir que os estudantes reproduzam os nomes usando letras móveis, a fim de que percebam que, com um único conjunto de letras (o alfabeto), é possível escrever tudo o que se deseja.
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Para aqueles estudantes que começaram a fonetizar a escrita recentemente, e que atribuem uma marca gráfica a cada emissão sonora – o que se reflete, na maior parte das vezes, na escrita de uma letra por sílaba – (Ferreiro e Teberosky, 1999), o professor pode pedir que observem os nomes e propor a comparação: quantas letras você colocou? E quantas letras o nome tem? Por que será que isso acontece?
A lista de nomes pode ser usada, também, no momento em que o estudante que começa a fonetizar tenta escrever outras palavras. Quando um estudante tenta, por exemplo, escrever “BOLACHA”, e não sabe o que colocar depois do “BO”, o professor pode perguntar algo como: “Será que tem algum colega da nossa sala cujo nome pode ajudar você a continuar escrevendo? Será que o nome da LAURA ajuda você a escrever o pedaço depois do BO? Então, vá até a lista para ver como se escreve o nome dela”.
Assim, por meio de intervenções aparentemente simples, o professor possibilita que o adulto ou a criança em processo de alfabetização estabeleça reflexões potentes sobre o que é a escrita, o que ela representa e como o representa.
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Dessa forma, podemos concluir que o trabalho com nomes próprios durante a alfabetização é de suma importância, não apenas para que o sujeito possa inserir-se socialmente com maior propriedade, mas também para que avance em suas aprendizagens sobre os aspectos notacionais e discursivos da escrita.
Minibio
Elaine Cristina R. G. Vidal é professora na graduação e pós-graduação da Faculdade de Educação da USP. Ela é formada em Letras pela USP e em Pedagogia pela Universidade Metodista/SP. Possui especializações em Alfabetização: relações entre o ensino e a aprendizagem (ISE Vera Cruz) e Ética, valores e cidadania na escola (Univesp), além de mestrado e doutorado em Psicologia, Linguagem e Educação, também pela FEUSP. É autora dos livros Projetos didáticos em salas de alfabetização (2014), Literatura e crianças: um encontro necessário (2019) e A infância na escola: reflexões sobre Educação Infantil (2023). Sua vasta experiência inclui atuação como professora e gestora em todos os níveis da Educação Básica, no Ensino Superior e como editora no Núcleo de Produção de Conteúdo e Formação da Saber Educação.
Referências
CHARTIER, R. Cultura escrita, literatura e história. Porto Alegre: Penso, 2003.
FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artmed, 1999.
CUTER, M. E. El aula como un ambiente alfabetizador. In: Kuperman, C.; Grunfeld, D.; Bongiovanni, L.; Petrone, C. (org.) Proyecto Escuelas del Bicentenario. Buenos Aires, 2008.
KLEIMAN, A. Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1995.
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