A variação linguística e o respeito à diversidade cultural

Nesse texto, propomos possibilidades para o estudo da variação linguística em diálogo com outros saberes do ensino de Língua Portuguesa, de modo transversal, ao longo do ano letivo, sem restrição a apenas um momento de um bimestre específico.
Variação linguística é um daqueles conteúdos que, inevitavelmente, costumam causar bastante curiosidade no estudante, seja ele de qual segmento for. O primeiro contato pode ser nos Anos Finais do Ensino Fundamental, durante o Ensino Médio ou até mesmo só na graduação em Letras, por exemplo.
Tal curiosidade, aliás, nem precisa estar diretamente relacionada a um espaço formal de aprendizagem, como podemos notar nos vídeos de redes sociais que fazem sucesso com pessoas comparando variantes regionais de diferentes partes do Brasil ou reagindo às diferenças entre falantes brasileiros e falantes portugueses.
Mas como esse conteúdo pode ser abordado em sala de aula para além das exemplificações anedóticas ou dos resumos protocolares?
Leia mais: 10 ferramentas de tecnologia na Educação que todo professor deve conhecer em 2025
Como, a partir do estudo da variação linguística, podemos aprofundar a reflexão dos estudantes sobre a própria língua, sua estrutura, seus modos de construção e suas possibilidades de produzir sentido de acordo com diferentes contextos comunicativos, históricos e geográficos?
E, por último, mas não menos importante, como podemos incentivar o respeito à diversidade cultural durante o estudo desse tema? Confira a seguir.
O que é variação linguística?
Antes de seguirmos, cabe uma breve conceitualização do que se entende por variação linguística. Quando nos referimos a esse termo, estamos tratando de mudanças que podem ocorrer em uma língua natural de acordo com certas condições sociais, culturais, regionais ou históricas em que é utilizada.
A língua portuguesa, assim como qualquer outra língua, não é uniforme. Ela é diversificada, cabendo, então, ao docente sinalizar que não se deve buscar somente um modo de expressão oral e escrito como a único aceitável. É preciso entender as circunstâncias que levam a determinadas mudanças e como encontrar o modo de comunicação mais adequado para cada situação.
Variação linguística: principais tipos e como explorá-los
Dentre os fatores que podem influenciar as variações em uma língua, iremos nos concentrar em dois, que geralmente são os mais vistos na Educação Básica e que nos oferecem muitas oportunidades de trabalhar diferentes saberes nas aulas de português.
- Variante regional, ou diatópica
Essa variante é a mais popular e ocorre devido a mudanças sociais, culturais e históricas relacionadas ao local geográfico em que determinada população vive.
Comumente, quando esse tipo de variação é estudada, encontramos listas de palavras diferentes que se referem a um mesmo item, indicando que em certas regiões do país, um alimento, por exemplo, pode ter vários nomes distintos.
Leia mais: Identidade Saraiva – Língua Portuguesa: o encontro da literatura e gramática no ensino médio
Nessa exposição, quase sempre encontramos os grupos: tangerina/mexerica, aipim/mandioca, abóbora/jerimum, e por aí vai. Seguindo essa mesma lógica, na comparação entre variantes da língua portuguesa realizadas no Brasil e em Portugal, temos pares como: açougue/talho, ônibus/autocarro, trem/comboio, xícara/chávena…
Essa abordagem pode ser muito interessante, pois, como dito no início do texto, gera curiosidade na turma e momentos de humor involuntário quando os estudantes tentam adivinhar o significado das palavras que desconhecem para termos do cotidiano.
Por outro lado, é importante não limitarmos um conhecimento tão interessante a apenas listas comparativas ou situações que podem tender à ridicularização de determinadas variantes.
Uma forma produtiva de explorar as variantes regionais é levar os estudantes a refletirem, inicialmente, sobre a própria variante, ou seja, sobre o próprio sotaque. Esse tipo de análise costuma, em um primeiro momento, ser mais difícil, pois muitos falantes acreditam que seu modo de falar é “neutro” e somente o outro é que tem sotaque.
Leia mais: Técnicas de estudo: para uma aprendizagem eficiente
Essa pesquisa passa pelo estudo dos aspectos fonológicos da língua e pode ser muito produtivo para se estudar os fatores sociopolíticos que influenciaram a legitimação da nossa ortografia oficial.
Se sabemos que o modo como as palavras são escritas parte de uma arbitrariedade, quais variantes devem ser privilegiadas na hora de definir qual é a relação ideal entre fala e escrita? Como afirma, Marcos Bagno:
A ortografia oficial é fruto de um decreto, de um ato institucional por parte do governo, e fica muitas vezes sujeita aos gostos pessoais ou às interpretações dos fenômenos linguísticos por parte dos filólogos que ajudam a estabelecê-la (Bagno, 2015, p. 187).
Avançando ainda no estudo da variação regional, podemos pesquisar quais as diferenças entre os modos de falar brasileiro e lusitano. Nessa análise, os estudantes perceberão que, além das diferenças no léxico e na fonologia, há variações na sintaxe, ou seja, no modo como as palavras são organizadas em uma oração.
Como exemplo, temos o modo como os portugueses posicionam o pronome oblíquo, sempre após o verbo, realizando uma ênclise, como em amo-te; enquanto o uso majoritário no Brasil é a preferência pela próclise, o pronome antes do verbo, como em te amo.
Ou ainda, há o caso da preferência pelo uso do verbo no infinitivo em Portugal quando nós, brasileiros, somos mais adeptos ao gerúndio, como vemos na oposição “estou escrevendo o texto” (BR) / “estou a escrever o texto” (PT), dentre tantos outros exemplos de variações na sintaxe motivadas pela distância geográfica.
Tais diferenças, aliás, já levaram muitos pesquisadores a afirmarem que o que se fala no Brasil não é mais uma variante, mas uma outra língua, o brasileiro. Uma discussão que pode ser aproveitada para se trabalhar argumentação em sala de aula.
O docente pode selecionar como um mesmo fato mundial foi retratado em dois jornais, um brasileiro e outro português, analisando com os estudantes se a quantidade de diferenças é suficiente para dizer que o modo como falamos já representa uma nova língua ou ainda apenas uma variante.
Dependendo do segmento da turma, o professor pode indicar textos informativos que tratem desse assunto e pedir que, após leitura e pesquisa, cada estudante se posicione por escrito em um artigo de opinião.
- Variante social, ou variante diastrática
Nesse caso, a variação ocorre em decorrência do grupo social ao qual o falante está vinculado, podemos dizer, então, que mudanças na língua ocorrem também por causa da classe social, do nível de escolaridade, da idade, do gênero, da profissão, dentre outros espaços sociais. Entendendo, é claro, que esses grupos estão todos relacionados, influenciando-se constantemente.
Essas variantes, como sabemos, contribuem para a construção de identidades coletivas, fortalecendo as conexões entre aqueles sujeitos que compartilham códigos de comunicação e valores semelhantes.
Estudar a variante social nos permite trabalhar, a partir de textos legítimos, como a intencionalidade discursiva e o público-alvo de uma mensagem interferem no modo como o autor elabora seu texto.
Podemos notar essa variação no modo como a publicidade usa uma linguagem mais associada ao público jovem para potencializar o consumo de determinado produto ou como a linguagem permeada por termos técnicos e jargões vinculados a certas profissões é usada para ajudar a construir uma imagem de maior seriedade e confiança no locutor.
Também podemos aproveitar o estudo sobre a variante diastrática para investigar a maneira como o modo de falar associado a camadas populares é usado em programas humorísticos para criar imagens que favorecem o preconceito linguístico, ação que envolve discriminar alguém pelo modo como a pessoa se expressa, seja oralmente ou por escrito.
Uma outra atividade produtiva é pedir que os estudantes se organizem em grupos e deixar cada grupo responsável por pesquisar um tipo de variante associada a determinado grupo social; em seguida, os grupos podem se apresentar e o docente pode aproveitar a oportunidade para problematizar o peso social que cada variante costuma ter em nossa sociedade.
Um último exemplo de atividade envolvendo o estudo da variação social é propor que os estudantes pesquisem quais são as gírias mais comuns entre as pessoas da faixa etária deles e qual eram as gírias mais famosas quando seus pais e avós eram jovens, indicando, na pesquisa, quais as origens dessas gírias.
Além de ser um exercício proveitoso por incentivá-los a refletir sobre o caráter dinâmico da língua, essa é uma possibilidade de integrar os familiares aos estudos dos estudantes, incentivando conversas afetivas que permitirão uma compreensão mais profunda sobre como a língua se transforma ao longo do tempo a partir das mudanças culturais de cada geração.
Conclusão
Há diversas outras oportunidades de estudo através das variações linguísticas regionais e sociais que não mencionamos devido ao caráter sintético desta exposição, sem falar nas possibilidades de trabalho com as variações de registro (diafásicas) ou as variações históricas (diacrônicas).
Ainda assim, é possível ver como, a partir do estudo da variação linguística, podemos aprofundar o entendimento sobre aspectos fonológicos, ortográficos e sintáticos da língua até discutir temas relevantes que envolvem identidade, poder, preconceito linguístico e contrastes geracionais, contribuindo, dessa forma, para o desenvolvimento de um olhar discente mais atento e respeitoso às diferenças sociais.
Referência
BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico. 56. ed. São Paulo. Parábola Editorial, 2015.
Crie sua conta e desbloqueie materiais exclusivos
Veja mais

Biotecnologia e projetos interdisciplinares no Ensino Médio

O que é SAEB? Saiba tudo sobre o sistema de avaliação educacional brasileiro

Ideb por escola: como é calculada a nota

A variação linguística e o respeito à diversidade cultural
