5 critérios essenciais para a coerência na produção textual

A produção textual é uma habilidade indispensável ao longo da vida escolar e acadêmica. No entanto, muitos alunos só passam a compreender a importância da coerência textual no Ensino Médio, quando o tema ganha destaque nos critérios de correção de vestibulares como o Enem.
Neste artigo, exploramos os principais critérios de coerência textual de forma prática e aplicável, com foco na formação de estudantes do Ensino Fundamental II e Médio. A seguir, você verá como utilizar esses critérios para construir textos mais consistentes, coesos e significativos.
A importância da coerência no texto escolar
Embora a coerência seja um dos fatores decisivos para uma boa produção textual, muitas vezes é somente no Ensino Médio que tal termo parece ganhar relevo. Em boa parte, por sua menção nos critérios de correção das redações dos vestibulares, com ênfase no Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem.
A coerência na correção do Enem
Se formos ficar apenas no Enem, sem dúvida o maior processo seletivo do país para acesso ao espaço universitário, encontramos, dentre as cinco competências de sua grade de correção, uma em que a coerência ganha destaque.
Lê-se, na Cartilha do Participante (Inep, 2024), na terceira competência, que o candidato deverá “[…] selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista” (p. 21) e, mais adiante, “[…] na organização do texto dissertativo-argumentativo, você deve procurar atender às seguintes exigências […] encadeamento das ideias, de modo que cada parágrafo apresente informações coerentes com o que foi apresentado anteriormente, sem repetições desnecessárias ou saltos temáticos (mudanças abruptas sobre o que está sendo discutido)” (p. 23, grifo meu).
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Saindo dos critérios de correção do Enem e indo para um referencial incontornável no assunto em destaque neste texto, temos a obra de Ingedore Koch e Luiz Carlos Travaglia intitulada justamente Coerência textual. Lá, é dito que a coerência:
[…]é o que faz com que o texto faça sentido para os usuários, devendo, portanto, ser entendida como um princípio de interpretabilidade, ligada à inteligibilidade do texto numa situação de comunicação e à capacidade que o receptor tem para calcular o sentido deste texto. Este sentido, evidentemente, deve ser do todo, pois a coerência é global (koch; Travaglia, 2013, p. 21).
Como fica claro nos trechos selecionados, para que um texto esteja articulado de modo adequado é preciso que as ideias estejam encadeadas, formando um sentido completo em determinado contexto comunicativo.
A coerência, portanto, não é estabelecida por alguma marca gramatical específica que já carrega determinado sentido, como ocorre nos processos de coesão, ela é muito mais uma atividade interpretativa. Dizendo de outro modo, a coerência se estabelece na relação entre os repertórios dos interlocutores, por isso, podemos ter um texto que, a depender de quem leia, pode parecer muito bem articulado ou totalmente incoerente.
Referencial teórico: Koch e Travaglia
Koch e Travaglia (2013) analisam diversos fatores de coerência textual, como inferência, fatores de contextualização, situacionalidade, informatividade, focalização, dentre muitos outros. Dependendo do referencial teórico, outros autores vão reelaborar esses fatores, reduzindo, expandindo, reorganizando ou mesmo renomeando a lista proposta por aqueles autores. Em sites com foco em conteúdos de língua portuguesa, também encontramos novas formas de organizar a explicação sobre o conceito de coerência, às vezes com indicações de diferentes tipos, como coerência sintática, semântica, temática, pragmática, dentre outras.
Como o foco desse texto é dialogar, principalmente, com professores e professoras da Educação Básica, iremos propor uma seleção de cinco fatores de coerência textual que consideramos importantes e possíveis de serem trabalhados desde os Anos Finais do Ensino Fundamental até o Ensino Médio. Sem desmerecer as outras possibilidades de trabalho com esse conceito, entendemos, no entanto, que, tendo em vista o público discente, é preciso realizar recortes e direcionar as práticas de modo objetivo para que as aulas possam ser produtivas e não meramente expositivas de um extenso rol de termos.
5 Fatores de coerência da produção textual
Começaremos falando da ideia de conceito partilhado de mundo. Pode parecer simples e intuitivo, mas não custa lembrar que, para um texto ser plenamente entendido pelo leitor, ele e o autor precisam partir de determinada base comum de conhecimentos, precisam ter nem que seja uma parcela de repertório coletivo para que as ideias, os termos ou as expressões façam sentido. No processo de orientação para a produção de um texto, é nesse momento que chamamos a atenção para a necessidade da adequação vocabular, evitando termos que talvez sejam muito particulares de um grupo social.
Pensando nisso, selecionamos cinco fatores que são aplicáveis em contextos escolares e que favorecem o ensino da coerência desde o Ensino Fundamental até o Ensino Médio.
1. Conceito partilhado de mundo
Se a intenção é ser compreendido pelo maior número possível de leitores, também é nesse momento que devemos indicar aos estudantes que, caso precisem se referir a algum conhecimento muito específico, tragam uma breve definição sobre o que estão falando e evitem referências a informações que nem todos tenham rápido acesso.
Um trecho de texto que evidencia esse problema de coerência é o seguinte: O Romantismo é uma das mais importantes fases da literatura brasileira, que contou com autores como Gonçalves Dias, José de Alencar e Castro Alves. O autor cearense é, sem dúvida, o mais importante da prosa romântica.
Caso o leitor não esteja familiarizado com a naturalidade dos autores românticos, pode não saber que o “cearense” de quem se fala é José de Alencar, logo houve uma tentativa de realizar uma coesão a partir de um conhecimento que nem todos partilham.
Fazer correções coletivas utilizando trechos de redações dos estudantes ou análises de notícias populares pode ser uma boa chance de investigar possíveis problemas de coerência a partir da falta de atenção do autor ou de algum conhecimento que não é claramente partilhado pelos leitores.
2. Inferência
Outro fator que se conecta diretamente com o anterior é a inferência, que nada mais é do que o processo de interpretação feito pelo leitor de um texto a partir de informações não explícitas, isto é, ele busca acessar, a partir do que lê, aquilo que não está escrito. Em praticamente todo texto que lemos ou ouvimos, nós realizamos processos de inferência, do contrário toda comunicação seria desnecessariamente expositiva.
Na escola, podemos começar a trabalhar tal conceito, a partir da leitura de manchetes, sem que o estudante, inicialmente, tenha acesso à notícia completa. Se pegarmos a manchete “De volta ao Mapa da Fome, prato brasileiro tem ossos e subprodutos1”, quais informações podemos extrair apenas pelo título? O que o trecho “de volta” indica? Qual o uso da figura de linguagem presente em “prato brasileiro”? A palavra “ossos” representa uma metáfora ou é uma palavra literal?
Esse rápido exercício pode, inclusive, ser uma oportunidade para ampliar o repertório sociocultural dos estudantes, discutindo temas do contexto político nacional e da situação socioeconômica do brasileiro. Em um segundo momento, pode-se problematizar o excesso de inferências em notícias criadas com manchetes apelativas apenas para capturar a intenção do leitor, seguindo até a discussão sobre fake news ou sobre a superficialidade da leitura na internet, já que muitos usuários de redes sociais apenas leem os títulos, inferem o assunto e evitam se aprofundar no conteúdo original.
3. Informatividade
O terceiro critério de coerência textual que iremos abordar aqui é a informatividade, que se refere ao grau de previsibilidade da informação contida em um texto. Se a coerência, como vimos, não é vinculada apenas ao que é dito, mas também ao que está implícito, é importante buscar um equilíbrio na exposição dos dados, evitando um elevado nível de informatividade, que pode tornar o texto mais difícil de decodificar, mas também evitar a baixa informatividade que torna o texto repetitivo e altamente redundante.
O modo como a informatividade é desenvolvida está, então, diretamente ligado ao propósito comunicativo do texto. Se a produção é voltada para um público leitor mais especializado em determinado assunto, é esperada uma grande quantidade de termos específicos de uma área, logo uma maior informatividade; por outro lado, se o objetivo é alcançar o maior número possível de leitores, a informatividade, assim como a relação de inferências, precisa se adequar a esse contexto. O trabalho de leitura, interpretação e produção de diferentes gêneros textuais pode contribuir para que o estudante entenda essa necessidade de adequação do modo como seu discurso é produzido por escrito.
4. Intencionalidade
Tal entendimento nos direciona para o penúltimo fator, a intencionalidade, que vai indicar que o tipo de linguagem e a estrutura textual sempre são guiadas por um objetivo comunicativo, ou seja, pela intenção do autor. Notamos aqui que usar uma linguagem mais informal, com gírias, por exemplo, não é um problema, se o contexto e a intenção é se comunicar em um suporte e com um público em que esses usos são não só esperados, como necessários para que a comunicação ocorra de modo consistente. Do mesmo modo, é essencial que o estudante saiba elevar o grau de formalidade de seu texto para situações que exigem essa linguagem, como a escrita de redações para os vestibulares ou a produção de textos científicos no espaço acadêmico.
5. Intertextualidade
Por último, temos o fator de intertextualidade, talvez o mais popular dentre os cinco critérios aqui mencionados, que ocorre quando um texto estabelece uma relação, mais ou menos explícita, com outros textos. Consideramos a intertextualidade o mais popular, pois ele costuma aparecer desde cedo no Ensino Fundamental, principalmente a partir do trabalho com paródias ou na utilização de informações de textos anteriores para o fortalecimento de argumentos em textos opinativos, através de citações ou paráfrases. Além disso, entre os leitores mais jovens, a intertextualidade é facilmente reconhecida nas fanfics, gênero literário que consiste em narrativas produzidas a partir do enredo e dos personagens de alguma obra do qual os autores são fãs.
Nas redações dos vestibulares, a intertextualidade é reconhecida não só na referência a dados que embasem os argumentos defendidos, mas na apresentação de um repertório sociocultural que dialogue com o tema apresentado. Menção a produções culturais, como filmes, séries, livros, música costumam ser frequentes nos textos com maiores notas, uma vez que demonstra a capacidade do candidato em articular seus conhecimentos de diferentes áreas, produzindo intertextos a favor das ideias expostas em sua escrita.
Conclusão
Podemos, então, dizer que todos os textos, em alguma medida, estão dialogando com outros textos, seja pelo gênero textual partilhado, seja pela temática semelhante, logo, o que caberia ao estudante no estudo desse critério é a observação mais atenta de como essas relações podem ser explicitadas a favor de suas intenções discursivas.
Os critérios de coerência textual, como pudemos observar, estão relacionados de forma interdependente; estudá-los individualmente é uma estratégia pedagógica pertinente na apresentação dos conceitos para os estudantes, mas, invariavelmente, os diálogos e as aproximações entre esses fatores ocorrerão conforme o estudo for sendo aprofundado.
De todo modo, ao avançar nas reflexões sobre como buscamos organizar os sentidos em nossos discursos, o estudante vai aperfeiçoando sua comunicação por escrito e adquirindo mais segurança na interpretação dos textos com os quais entra em contato, conquistas essas que, no final das contas, sempre deveriam guiar boa parte das aulas de língua portuguesa.
Referências
INEP/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Ministério da Educação. Brasília-DF: Inep/MEC, 2024. A Redação do Enem – cartilha do participante 2024. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/assuntos/noticias/enem/enem-2024-cartilha-da-redacao-esta-disponivel. Acesso em: 28 nov. 2024.
KOCH, Ingedore Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. 18. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2013.
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